Catalunha na vanguarda – por Mário Silva


A Espanha é campeã do Mundo em basquetebol e também ganhou a maioria das Competições jovens da FIBA, este ano.

Os catalães Ricky Rubio e Marc Gasol lideraram a selecção espanhola de basquetebol que venceu o Mundial com autoridade, derrotando na final a Argentina por 95 a 75.
Ricky Rubio, é natural de Barcelona (El Masnou), foi escolhido no quinteto ideal do campeonato e foi mesmo considerado o MVP.
Marc Gasol também é de Barcelona (Sant Boi de Llobregat) e foi escolhido para o cinco ideal.
Aprender com os melhores foi sempre o meu lema.  Assim, da minha recente estada na Catalunha, onde se pratica o melhor basquetebol da formação, consegui retirar algumas conclusões, que me ajudam a explicar tal superioridade.


A FEB tem uma escola de excelência na Formação treinadores e é sabido que tem muitos e bons jogadores, sendo mesmo o seu número superior a alguns países com mais população. A título de exemplo, no sector feminino (dados de 2017) tinham federadas 118.260 atletas.

Curiosamente, ou talvez não, é na Catalunha que se pratica o melhor basquetebol juvenil e é onde estão os clubes com mais equipas em todo o país.  Os poderosos Barcelona e  Juventut  não são os que têm mais equipas, nem maior número de atletas, mas sim os “pequenos” Clubes como o AE Boet-Mataró e o AECC Mataró que tem o número máximo de 37.  A base da pirâmide, na Catalunha, tem muito a ver com os denominados pequenos clubes de bairro.

O trabalho no Campo

Tive oportunidade de participar de forma ativa no Campo EliteJove (turno Cadete), uma grande referencia no basquetebol europeu.

O Campo é dividido em três grupos (infantil, cadete e júnior) num total de 210 jogadores. Apenas são aceites jogadores com um nível técnico mínimo, participando também alguns atletas estrangeiros.

Durante toda a semana, os jovens estiveram debaixo da supervisão técnica de um grande número de treinadores, onde se conjuga a experiência dos mais veteranos e a ilusão dos mais jovens.

Por lá, no passado, participaram jogadores, como Ricky Rubio, Pau e Mark Gasol, Raül López, Alex Mumbrú, Jordi Trias etc., e técnicos de prestígio como Aito G. Reneses ou Pepe Laso, que apadrinharam este trabalho.


O horário do campo tinha início às 7.15 h, com treino voluntário de técnica individual, e acabava já de madrugada, com a reunião geral de treinadores.

Os temas a treinar eram na sua maioria técnicos, com recurso não só á técnica pura e dura. Método coordenativo ou analítico, onde as correções eram destinadas à melhoria do gesto técnico, sendo importantes a repetição e a automatização. O Método indutivo, que nos permitia usar a defesa para poder entender aquilo que estávamos a fazer (ajuda ao trabalha do ataque). Ensina também o porquê das coisas, trabalhando situações reais na procura de encontrarmos sentido nas ações. É a ponte entre a técnica e a táctica individual.

Na tática individual, foi usado o Método Conceptual, onde usámos a técnica correta no conceito tático, na sua leitura e aplicação. Este trabalho inclui o Porquê e o Como das coisas. Necessitamos da ajuda da defesa para explicar o que estamos a trabalhar.

Finalmente, trabalhámos a tática coletiva, onde se relacionou a técnica de um jogador com a de cada um dos seus companheiros e a relação com o espaço e adversários.

Relativamente á técnica individual a mesma foi treinada nos seguintes blocos:
A-     Mãos (drible e passe)
B-     Pés (paragens, arranques, jogo sem bola)
C-     Lançamento
D-     Defesa

O drible útil

De tudo o que vi, o que mais me surpreendeu foi mesmo a forma como a quase totalidade dos atletas faziam uso do drible.  Retirei algumas notas, da atividade prática, a que somei a “charla“ e as conversas particulares com Jou Miramon, onde ouvi falar do conceito do drible útil, que está muito em voga na Catalunha e tem como um dos inspiradores o treinador Sito Alonso.

No basquetebol atual faz todo o sentido limitar o denominado drible “padrão” (forte, duro e com controle total de mão sobre ele). Basicamente apenas serve para seguir em frente, evitar dar passos, proteger a bola, etc.
É sabido que com o drible “padrão“ a mão está sempre na mesma posição (por cima), o que constitui um problema, já que limita a capacidade ofensiva dos jogadores. Por outro lado, se colocámos a mão por baixo, é violação.

A quase totalidade dos jovens usavam o drible de forma diferente há ”nossa “. Eram objetivos com o recurso ao tal drible útil, usado a ritmo diferentes, com dissociação de pés e mãos, com alturas variadas, com abola afastada do corpo e sobretudo recorrendo ao uso de todos os hemisférios da bola fazendo deste fundamento uma arma letal.

Com o drible “útil”, o objetivo é procurar, sempre, a criação de vantagens diretas ou indiretas. A ideia é mesmo usar o drible útil para atacar o defesa.

A “charla “noturna de Jou Miramon e da sua forma peculiar de ensinar a técnica do drible clarificaram-me as ideias e fez-me recuar no tempo, recordando o saudoso Treinador Prof. Mário Lemos que tudo conseguia explicar, sem nunca ter a bola na mão. Mais tarde o norte americano Lou Carnesecca explicou, nos primeiros cursos de treinadores realizados em Portugal, estes mesmos truques da arte de bem ensinar a técnica a jogadores de basquetebol. Ao retirar a bola das suas demonstrações eles colocavam a ênfase no que realmente queriam e era importante para os jogadores e sem a preocupação de falharem.

Não é fácil ensinar e trabalhar o drible útil. O domínio da bola com o conceito de "bola viva”, implica rolar a bola na mão, dar liberdade, não é necessário ver a bola. Não devemos colocar a mão na “bunda” (possíveis dribles), pouco na “cabeça” (apenas para avançar), muito nas suas “costas” (penetrar, lançar, passar ou mudar de direcção). Também, podemos levar em conta as "orelhas" (para finais de mudança de direcção) e seu "nariz" (dominar o drible para frente - para trás). Queremos colocar a mão de lado e que a bola não pare.  Não é fácil ensinar este drible útil e como a bola só atrapalha, a solução é mesmo recuperar a antiga estratégia de explicar sem bola.


Lançamento á moda de Randy Knoweles

Para treinar o lançamento os catalães seguem o clássico método de Randy Knowles que divide em cinco partes a mecânica, e que podem ser treinados separadamente de forma a serem entendidas em cada uma das partes:
1.     Pega da bola.
2.     Posição dos pés
3.     Posição e movimento do corpo.
4.     A subida da bola.
5.     Extensão final.


O trabalho analítico da mecânica de lançamento leva em conta múltiplos aspetos:

·   Detalhes técnicos, orientação natural do gesto da bola em direcção ao cesto. Posição do corpo, sensações de lançamento, saída da bola dos dedos. Repetição mecânica, repetição de sensações de uma boa ação etc. etc.

Sabemos, hoje, que a tomada da decisão é muito importante, mas isso não significa que o treino técnico da habilidade não tenha de continuar a ser feito. Claro que se tomarmos decisões corretas, vamos ter facilitada a execução técnica, mas de nada adianta tomar boas decisões, se depois não temos a técnica adequada. O contrário também é verdade. Continuo a pensar que a técnica e a táctica individual são complementares e não podem viver uma sem a outra.

Os objetivos a concretizar com o fundamento do lançamento são os seguintes:

·       Agarrar a bola correctamente
·       Subir a bola posição alta ou não, depende da força do jogador
·       Dominar o ritmo (coordenação do trem inferior e superior)
·       Uso dos dedos na finalização
·       Tomar consciência dos erros cometidos para modificar a execução

Os passes criativos

Outro fundamento que me chamou a atenção foi o passe. Aqui a criatividade é a palavra de ordem e é proibido proibir.

Do velho passe com duas mãos ao passe por trás das costas (tipo Globetrotter), tudo é permitido, desde que a bola chegue ao destino.

O apelo constante ao método criativo, que permite que o jogador faça coisas que não sabe que sabe, que nós sabíamos, que ele sabia e que nós não sabíamos …


No decorrer dos vários exercícios, sempre vi treinadores empenhados e a fazerem apelo constante há criatividade dos atletas, de forma resolverem os problemas propostos.

Como bons exemplos de passadores criativos, tivemos jogadores - como Ricky Rubio ou Campazo - que dominaram o jogo no recente mundial.

No passado longínquo, entre nós quase só era permitido o passe peito com as duas mãos. Na atualidade, a moda é mesmo o passe na sequência do drible.

O que vi em Solsona é que todos os passes são possíveis, desde que a bola chegue em condições ao recetor, a saber e entre outros:
  
·       Passes estáticos e dinâmicos, passes com uma mão, duas mãos e duas mãos e meia.
  • ·       Passe a partir drible, peito e picados, uma ou duas mãos.
    ·       Passes com a mão exterior, passes com a mão interior.,
    ·       Passe vários para o jogador interior na continuação drible
    ·       Passes para cortes costas.
    ·       Passes a alturas várias.
    ·       Passes laterais.
    ·       Passe para fora do poste, mesmo lado, lado contrário, vs Trap.
    ·       Passes no 2x1
    ·       Passe para fora (Poste)
    ·       Passes dinâmicos por pares
    ·       Passes a partir drible
    ·       Passes com 2, 5 mãos
    ·       Passes com 2 mãos
    ·       Penetração em drible e passe com a mão interior
    ·       2x1
    ·       Picado
    ·       Gancho  
    ·       Passe de “bolso”
    ·       Passes dinâmicos em todo o campo usando a regra do passo zero
    ·       Passes por cima da cabeça
    ·       Etc. etc. 
Os objectivos a atingir com os exercícios de passes eram:
  •     Desbloqueio da mão, uso de fintas e passe a partir do drible, ângulos de passe perimetrais e de penetração, ângulos de passe em verticalidade na direção do cesto, passe a partir da vantagem (extrapasse)
  •          Tempo de passe em relação ao receptor 

A metodologia a aplicar no passe foi também a coordenativa, trabalhando os seus elementos básicos, passando depois ao método indutivo, quando treinámos sobres situações concretas do jogo (passes de vantagem nas penetrações e passes com as duas mãos e meia). Para reforça os elementos básicos, utilizámos também as metodologias criativas.

COMPETIÇÃO

Em Espanha, começam muito cedo a competir internacionalmente, mesmo sabendo que as selecções nacionais só começam a jogar na FIBA aos 16 anos.

O trabalho FEB tem início aos 11/12 anos, nos Campeonatos Nacionais de Clubes e nas seleções autonómicas. É difícil que nessas idades algum jogador se destaque e a Federação não saiba. Quando vão jogar o Campeonato Sub 16, já levam cinco anos de experiências em Torneios importantes. São jogos muito competitivos, que lhes permitem aprender e os liberta da tensão e responsabilidade das provas internacionais. Ficam preparados, desde muito pequenos, para jogar a um alto nível.
Naturalmente a competição esteve sempre presente no Campo EliteJove. Ao final do dia jogavam uma Liga 5x5 a que se juntaram as competições de 1x1, 3x3, lances livres e “Two ball”.

O jogador catalão é competitivo por natureza e estes jovens não escaparam à regra.  O géne competitivo está presente, na atitude dos jovens, que também é treinada.

Na procura constante do 1x1, os jovens tentam marcar, mesmo sujeitos a contacto físico, o que para eles não é novidade. O facto de estarem habituados a jogarem sem que os “árbitros” marquem demasiadas faltas, faz parte do treino e segue jogo.

A organização táctica nos jogos 5x5 tinha por base os seguintes temas táticos:
  •         Ataque a partir do bloqueio indireto
  •         Criar jogo a partir do poste baixo
  •         Ataque a partir bloqueio directo
  •         Defesa: atacar a bola. Rotações defensivas
  •         Aplicação ao jogo do passo zero
  •         Superioridade/inferioridade numérica

A importância do Passo Zero

A razão principal, por ter sido convidado para este campo, teve a ver naturalmente com o meu trabalho com o Artigo 25 do Passo zero.

Procurei ajudar, dando contributos teóricos e práticos, que foram muito bem aceites, tanto pelos atletas como pelos treinadores.


Não estranhei que em todas as fichas de treino que nos entregaram, o tema estivesse incluído. O mesmo não é novo para os atletas, que rapidamente assimilavam os conteúdos propostos. 

A regra do passo zero implica uma adaptação no ensino aprendizagem. Muitos autores dizem que é mais fácil ensinar aos mais jovens. No Campo a regra é ensinada a todos os escalões.

Como os padrões motores mudaram, só temos mesmo de ajustar e aprender de novo.

O passo zero foi treinado no denominado Bloco de pés:
  •         2x2 cortes e recepções sem e com 1 drible
  •         Paragens e recepções
  •         Saída bloqueios
  •         Saída para lançamentos bloqueios vários
  •         Euro step
  •         Euro step invertido
  •         Entradas sem drible autopasse
  •         Saída contra-ataque 01 e dribla
  •         Finalização a partir passe 012
o   01 e dribla directo/cruzado
o   Extremo recepção lançamento exterior
o   Entradas em drible passo zero

Conclusão final

Muito do que vi pode ser aplicado a nível nacional.

O jogo está em constante evolução e só temos a ganhar em aprender com quem sabe mais e está disponível para ajudar.

Recolhi muitos ensinamentos e material e, como sempre, estou disponível para ajudar, quem queira ser ajudado.

por Mário Silva


6-10-2019














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