Quando copiam e repetem os pais, os avós, (…), os filhos e os netos aprendem muitas coisas, entre elas a falar (parecem uns papagaios) e recordam-me a imitação como uma poderosa forma de aprendizagem. Pais e Avós eram modelos e filhos e netos, ao repetirem o que os vêm fazer, aprendem com eles. O mesmo se passa, mais tarde, já na idade adulta, a vários níveis. Aconteceu comigo, quando ainda jovem treinador, copiava o que os grandes treinadores e equipas portuguesas, europeias e americanas, aqueles que ganhavam (vou chamá-los/las de “Gigantes”), faziam.
Acreditava que se fizesse igual aos melhores (aos Gigantes) poderia ganhar mais vezes. Ou seja, se copiasse o que os Gigantes faziam, então poderia ganhar mais vezes.
O QUE FAZIAM OS GIGANTES?
A presença em Clinics, em Portugal, Europa, Estados Unidos, e a observação dos treinadores e equipas Gigantes, permitiram-me identificar que apostavam no recrutamento, na contratação dos melhores, em ganhar as tabelas, em dominar a zona “pintada” (ainda recentemente depois de perder com o Baskonia, o treinador do Real Madrid atribuiu aos ressaltos a causa da derrota), em apostar na fiabilidade e controlo pelos Treinadores.
Por isso, inicialmente, tentava recrutar quem dominasse as tabelas e o “pintado”, mas não tinha os recursos, para contratar jogadores que “me dessem” essa vantagem. Seguia as modas. Se as equipas que venciam jogavam “uptempo”, então apostava no jogo de transições rápidas; se as equipas que ganhavam investiam nos isolamentos, então concentrava-me em isolar jogadores; se as equipas que terminavam em primeiro valorizavam o jogo indireto, então realçava os bloqueios longe da bola; se as equipas “Gigantes” se destacavam por pressionarem todo o campo, então seguia esta tendência; se (…), então (…).
Contudo, este "seguidismo", esta importação, este decalque, esta repetição (“fase do papagaio”) próprio de quem procura uma panaceia para todos os problemas, não me ajudaram a ganhar mais vezes. Foram mais placebos, que me faziam acreditar que estava a ir no bom caminho, do que “remédios” concretos para as minhas “doenças” (problemas/desafios).
Aprendi o que os “Gigantes” faziam, imitei a forma como jogavam, apliquei tudo isso, para ganhar mais vezes, mas ironicamente não ganhava mais vezes, muito menos aos “Gigantes”.
Comecei a duvidar da crença de ser mais fácil ganhar, copiando o que os “Gigantes” faziam.
Estava claro, que esta crença não satisfazia a necessidade de superar “Gigantes”. Será que copiar o que os “Gigantes” faziam era o melhor que conseguia fazer? Era, naquela altura. Mas, será que podia conseguir fazer melhor com menos (diferentes pessoas)? Não tinha qualquer dúvida de que haveria uma forma de enfrentá-los e superá-los, mas como? Estava disposto a tudo. Necessitava de encontrar ou desenvolver uma nova crença.
Iniciei a procura do que é que podia aumentar as probabilidades, das pessoas comuns enfrentarem e superarem os “Gigantes”?
Passei a ter em mãos um novo desafio:
COMO PODERIA COMPETIR E VENCER OS “GIGANTES”, COM RECURSOS DIFERENTES, COM PESSOAS E EQUIPAS COMUNS? COMO TRANSFORMAR A VITÓRIA IMPROVÁVEL EM improvável OU MELHOR, EM PROVÁVEL?
Será que estava sozinho ou haveria mais algum treinador (de uma equipa da metade da tabela para baixo), equipa (que jogue competições europeias) ou seleção nacional que procurasse uma boa resposta, para esta questão? Será que podia aprender alguma coisa com confrontos desiguais, fora do desporto?
A determinada altura, cruzei-me com uma história inspiradora, a de David e Golias. A do miúdo, do jovem pastor, David, desprovido da força, do armamento e da experiência, e que enfrenta o valente, o poderoso, o superarmado, o enorme e o invencível Golias. As probabilidades de David vencer Golias eram efémeras. Contudo, naquele combate único, David derrotou Golias e utilizou, inclusive, a sua própria espada, no golpe final.
COMO É QUE DAVID VENCEU GOLIAS?
Golias, com os seus 2 metros, a sua armadura, capacete e espada, era exímio no combate corpo a corpo, tal como as equipas de Gigantes são muito fortes no jogo interior, na luta das tabelas, no domínio do “pintado”. Porém, embora Golias esperasse combater corpo a corpo, David (jovem, pequeno e vestindo apenas uma túnica) apoiando-se na sua coragem, fé, treino e perícia do lançamento de pedras com uma funda, como era apanágio dos bons pastores, optou pelo combate à distância, pela mobilidade, por armas diferentes, pela precisão e pelo elemento surpresa para desferir o seu golpe inicial, através do lançamento preciso de uma pedra à distância, que atingiu Golias na testa, o levou a cair, correu para ele, pegou na sua espada e cortou-lhe a cabeça.
Contra todas as expetativas, David tinha vencido Golias, conseguiu uma VITÓRIA IMPROVÁVEL.
Recordei-me igualmente da guerra do Vietnam, quando um pequeno país defrontou uma superpotência, durante 21 anos. O que é que os ajudou a resistir todos aqueles anos às investidas do potente adversário. Como David, os vietnamitas optaram por um combate diferente, pela guerrilha, por dividir as tropas adversárias em pequenos combates, “duelos”.
Voltando ao basquetebol, treinava equipas de “Davids” e pretendia vencer equipas de “Golias”, percebi que, tal como David diminuía as probabilidades de vencer, imitando a forma de combater de Golias, também reduzia as possibilidades das minhas equipas vencerem, jogando do mesmo modo que os Gigantes jogavam.
Por isso, do mesmo modo que David quebrou as regras, substituiu a força pela velocidade e surpresa, apoiou-se numa exímia perícia, resultante de muita prática, usou uma “arma” com a qual uma pessoa comum pudesse obter vantagem, NÃO seguiu os rituais do combate corpo a corpo e tornou-se mais forte, e que um pequeno país tinha conseguido desmantelar a organização do adversário e afetar o seu ambiente, também as minhas equipas necessitavam de jogar “out-of-the-box”, diferente do convencional (“mainstream”), de mudar a forma de jogar, para aumentar a probabilidades de “pessoas e equipas comuns” superarem “Gigantes”.
Tinha-se tornado claro que jogar com “pessoas comuns”, de uma forma que tornava mais fácil as boas equipas fazerem aquilo em que eram boas, NÃO era o caminho. Estava pronto para uma nova crença alternativa.
QUAL FOI A CRENÇA ALTERNATIVA?
Comecei a acreditar que, para vencer “Gigantes” (os Golias, as superpotências, as melhores equipas), necessitava de jogar de maneira diferente dos “Gigantes”; que o esforço pode superar o talento, se o talento não se esforçar; que as “pessoas comuns” podem vencer os “gigantes”, quando se recusam a seguir as regras convencionais; que o trabalho de equipa supera o talento, quando o talento não joga coletivamente; que a persistência e o esforço vencem a velocidade, se a velocidade não se esforçar; que a inteligência ultrapassa a velocidade, se a velocidade não jogar de forma inteligente; que a surpresa vence o poder, se o poder não se preparar para as surpresas. Afinal, o jogo de basquetebol não era apenas um jogo, entre duas equipas. Era, também, um jogo entre duas filosofias, duas estratégias, duas mentalidades.
Por isso, a interpretação linear, que fazia dos grandes treinadores americanos, europeus e portugueses (todos eles muito bons), não era assim tão retilínea, pois também perdiam (não me recordo de nenhum que tenha vencido todos os jogos, todos os campeonatos), não só NÃO me ajudava a ganhar contra os “gigantes”, como lhes facilitava a sua vitória e a “minha” derrota.
Se necessitava de “jogar” diferente, então podia investir: no desenvolvimento, em vez do recrutamento; na iniciativa e coragem, em detrimento da reação, vitimização e dependência; na fé e confiança, no lugar da hesitação; na surpresa e imprevisibilidade, em substituição da fiabilidade da proximidade; no jogo de mobilidade e precisão à distância, ao contrário do corpo a corpo.
Comecei a desenvolver, mais do que recrutar e ao recrutar procurava jogadores jovens, não em idade, mas em mentalidade. Isto é, pessoas disponíveis para aprenderem, melhorarem, evoluírem. Passei a reforçar o treino mental, no que hoje se designa de “mindset”, como por exemplo o treino da concentração, foco, atenção plena ou “mindfulness” ou da capacidade para desfazer pensamentos condicionadores. Incorporei o desenvolvimento da inteligência emocional e com ela acedi aos benefícios, como por exemplo, da iniciativa, da coragem, da superação dos momentos de incerteza, adversidade e frustração. Comecei a promover o treino da dimensão social e com isso a ganhar jogo de equipa. Dupliquei, tripliquei, (…), o investimento na técnica individual, nomeadamente com a bola: o drible, o passe/receção e o lançamento (os 3 Pts a serem decisivos – se marcássemos 13 por jogo, aumentava exponencialmente as hipóteses de vencer; assim como lançar à volta do cesto, mas com técnicas ajustadas aos jogadores mais baixos). Percebi a importância da mobilidade, da bola e dos jogadores, dos engodos, do espaço (”spacing”), do “timing” e da capacidade de adaptação (tática individual e coletiva). Passei a procurar dividir sistematicamente o adversário, através da “guerrilha”, o que implicou transformar o jogo de 5x5 em vários jogos simultâneos, nomeadamente: de 3 jogos - (2x2)+(2x2)+(1x1) - podendo a bola estar num dos jogos de 2x2 ou no jogo de 1x1; de 4 jogos - (2x2)+(1x1)+(1x1)+(1x1) – o mesmo acontecendo à bola; ou de 5 jogos - (1x1)+(1x1)+(1x1)+ (1x1)+(1x1). Por exemplo e frequentemente, observa-se um base com bola e duas saídas bloqueadas, nos “blocos” (melhor, 1 passo para cima e para fora). Porém e normalmente, o base é apenas um passador e não uma ameaça, porque espera que os colegas executem as saídas bloqueadas e se, e só se, estas não funcionam é que joga 1x1. Ou seja, não há 3 jogos em simultâneo, mas antes 2 jogos de 2x2 primeiro e só depois um jogo de 1x1. A ideia a desenvolver, segundo o princípio da “guerrilha”, era diferente. Todos os jogadores, a todo o momento, teriam de ser uma ameaça, nas suas “guerrilhas” e, portanto, um base passador transforma-se num base ameaçador, divisor.
A matriz desta forma de jogar é diferente da convencional. Era como se a forma convencional de jogar representasse falar inglês e a nova forma fosse falar mandarim. Quem fala mandarim, sem o perceber? Por isso, quando viam as minhas equipas jogar, algumas pessoas começaram a dizer que aquilo não era basquetebol (provavelmente era “mandarim”). Independentemente do que as outras pessoas pensavam, impunham-se mais duas questões.
Primeira: A NOVA CRENÇA SATISFAZIA A NECESSIDADE DE GANHAR OS CONFRONTOS imPROVÁVEIS?
Com o tempo, vários jogadores chegaram às seleções nacionais, muitas equipas foram às fases finais distritais e nacionais (com alguns títulos distritais e nacionais), mas há muitas outras equipas que decidiram jogar de maneira diferente e conseguiram vencer. Recentemente, em Portugal, o Illiabum venceu uma Taça de Portugal, jogando de maneira diferente. Há uns anos, a Ovarense foi Campeã Nacional e jogou de maneira diferente. Uma das nossas Seleções Nacionais Jovens, do Feminino, sagrou-se Vice-Campeã Europeia jogando diferente do convencional, por exemplo, utilizando preferencialmente a defesa zona (a questão não é como se defende, mas se é diferente do que se espera).
A possibilidade das equipas de “pessoas comuns” (coloco entre aspas porque serão mesmo comuns?) vencerem as “Gigantes”, acontece em todo o mundo, em todas as modalidades e este fenómeno e estas equipas passaram a ser apelidadas de “Cinderella Teams” ou “Underdog Teams”. Entre as mais famosas, no basquetebol, podemos destacar: Cleveland Cavaliers, 2016; Dallas Mavericks, 2011; Villanova Wildcats, 1985; Miami Heat, 2006; Detroit Pistons, 2004; Houston Rockets, 1995; Washington Bullets, 1978. Mesmo quanto à forma de jogar, houveram vários treinadores e equipas que desenvolveram sistemas de jogo que libertassem e potenciassem a vitória imPROVÁVEL. Um dos casos, foi Pete Carril, com o desenvolvimento da “Princeton Offense” que, contudo, os 24 segundos de ataque condicionaram a sua utilidade (na altura a posse de bola era de 45 segundos).
PORQUE RAZÃO OS "UNDERDOGS" OU AS "CINDERELLAS" TAMBÉM PODEM VENCER?
As razões poderiam ser muitas, mas o que me interessava era o que acontecia nas disputas entre equipas de “PESSOAS COMUNS” e “gigantes”, quando as “PESSOAS COMUNS” faziam como David e se recusam a jogar da forma pretendida pelos gigantes, e utilizavam táticas NÃO convencionais ou de “guerrilha”?
Se o interesse por si não fosse suficiente, fui ainda descobrir que a percentagem de vitórias, das “PESSOAS COMUNS”, poderá subir de 28% para 63% (pensamento paralelo, é caso para pensar que uma equipa “pequena” ou uma seleção nacional no confronto internacional ganharem 60% ou mais dos jogos, pode ser um critério de eficácia). Ou seja, a nova crença podia alavancar um aumento da percentagem de vitórias até 30%. Esta diferença fez-me reforçar a nova crença.
Por esta altura, comecei a imaginar qual poderia ser o impacto do aumento até 30%, na percentagem de vitórias, no confronto interno ou internacional (quer a nível de Clubes, quer ao nível de Seleções)! No impacto que esta nova crença poderia ter na formação de treinadores. Por exemplo, quando num curso de Treinadores se pede para os Treinadores construírem um ataque com um jogador 01 (vou utilizar o Zero como homenagem ao Basquetebol Angolano), um jogador 02, um jogador 03, um jogador 04 e um jogador 05, estamos a estimular os Treinadores a pensarem de forma convencional ou de maneira diferente. Será que temos vários, pelo menos quatro, jogadores portugueses 05 (como Walter Tavares, Ante Tomic ou Jan Vesely), para jogar de igual para igual com os melhores 05 na Europa?
Como outros treinadores, já me apresentei em alguns pontos altos sem 04 e sem 05. A questão não era se tinha 04’s ou 05’s, mas se jogava como se os tivesse.
É mais fácil ganhar com gigantes e os treinadores portugueses são tão bons como quaisquer outros, quando dispõe de recursos idênticos aos gigantes, como provam os resultados das Seleções Nacionais Jovens Femininas, nos últimos anos, que se apoiando em bases e interiores competitivos na condução e organização de jogo e na luta das tabelas, tornam os treinadores portugueses equivalentes aos demais.
Mas, e quando não temos esses recursos? Quando necessitámos de superar desequilíbrios?
As estratégias para vencer com “PESSOAS COMUNS” são difíceis, exigem investimento continuado, sistemático (por experiência, o ano de colher os melhores frutos é, normalmente, o quarto), superar repetidamente a frustração, (…), mas podem aumentar significativamente as probabilidades de vencer.
Como cedo aprendi, quem não tem cão (neste caso leia-se jogo convencional), caça com gato (joga de maneira diferente). Não vale a pena transformar o gato em cão, mas poderá ajudar o gato ver-se e comportar-se como um TIGRE.
A questão não se tratava de ganhar sempre (quem o faz?), mas sim aumentar a probabilidade das vitórias imPROVÁVEIS, em até 30%.
Segunda e última pergunta: O QUE ERA MELHOR FAZER? JOGAR COMO “GOLIAS” OU COMO “DAVID”, QUANDO TINHA “PESSOAS COMUNS” A ENFRENTAREM “GIGANTES”?
Reservei a resposta a esta questão para a minha consciência, pelo que a resposta de cada um fica em aberto para a consciência de cada pessoa.
Como já partilhei, (texto anterior), tudo é criado duas vezes, uma quando é imaginado e outra quando é concretizado.
Tenho ainda muito para aprender com os jogadores, os treinadores e as equipas / seleções que encontram estratégias para aumentar as possibilidades da vitória imPROVÁVEL, mas desejável.
Há muitos anos que imagino uma Escola Portuguesa de Basquetebol (umas ideias de jogo ajustadas às potencialidades dos nossos jogadores). Concretizá-la não é uma tarefa de uma única pessoa.
Quer ajudar a construí-la?
P.S.:
(1) se entender esta mensagem construtiva, útil, razoável, aceitável socialmente e sensata moralmente e quiser contribuir para a concretização dessa ideia, então convido-o a PARTILHAR AS VITÓRIAS imPROVÁVEIS QUE PRESENCIOU e, se tiver energia, O QUE É QUE ESSAS EQUIPAS FAZIAM DE DIFERENTE, que lhes deram vantagem;
(2) a foto pretende homenagear o resultado da equipa.
por João Oliveira
11-04-2021
(*) publicado originalmente a 28-3-2019
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