O basquetebol na Catalunha remonta ao pedagogo
Eladi Homs. Estudou nos Estados Unidos e introduziu a modalidade nas escolas,
em 1913. Nessa altura, cada equipa
alinhava com sete jogadores e passaram aos atuais cinco, só em 1923.
Aceitei o convite
A tradição e a paixão pelo basquetebol é pois
muito antiga e tem a sua expressão máxima nos pavilhões Municipais e nos pátios
dos colégios. Um pouco por todo o lado, se treina e jogam competições, de
vários níveis.
Só a região de Badalona tem 14 clubes, onde
treinam milhares de rapazes e raparigas. Contrariamente ao que pensava, não é o
Joventut o clube que tem mais atletas inscritos, mas sim a Associació Esportiva
Minguella com 402 inscritos.
Na
Federação Catala da modalidade, os pequenos clubes AE Boet-Mataró e AECC Mataró têm o maior numero de equipas inscritas (37).
A alta qualidade do basquetebol em Barcelona tem
justificação no trabalho de base, que fazem não só os clubes, mas também as
escolas que mantêm um bom relacionamento.
Em muitos colégios, a norma seguida é dar
prioridade ao basquetebol, já que os jovens, desde muito cedo, querem ser
jogadores.
Em Solsona, encontrei mesmo um local onde é permitido jogar basquetebol,
mas onde é proibido jogar futebol …
Aqui, todos sabem qual o seu papel. Barcelona e
Juventut são alimentados por uma vasta rede de pequenos clubes e associações.
Somam forças por um basquetebol melhor. Juntos, a nível administrativo e
financeiro, são cada dia mais fortes.
As regras atuais da FEB,
tal como da nossa FPB, não favorecem, contudo, os clubes formadores. É normal
os jogadores, em idade de minibasket, serem bastante assediados e os clubes
perderem os seus talentos sem receberem qualquer contrapartida. O tema foi por
mim muito discutido, nas reuniões do campo onde alguns treinadores defendiam
alterações e propunham mesmo seguir um modelo em tudo semelhante ao em vigor no
futebol profissional.
Está, contudo, claro que
mesmo com esta adversidade, os clubes pequenos sabem que o basquetebol é uma
boa ferramenta, para darem valores como a coesão social, o trabalho em equipa,
o respeito por todos e que, depois, quando tudo isto está concretizado, é tempo
de sonharem com a competição e tentarem ganhar.
O “Ayhuntamento”
apoia todos financeiramente. A maior parte do dinheiro destina-se a pagar o
aluguer dos pavilhões, onde jogam e treinam.
O espírito da independência e do orgulho de ser Catalão está por todo o
lado e o problema político continua sem solução á vista.
Rivalidades locais e intensidade competitiva
caracterizam a prática da do basquetebol, nesta região. O elevado número de
equipas e praticantes torna complicada a gestão das instalações desportivas. Os
pavilhões estão sempre cheios, sendo a maioria bastante mais modestos que os nossos
e, ao mesmo tempo, são também frequentes os treinos e os jogos ao ar livre.
Aceitei o convite
Sempre fui adepto do basquetebol praticado na Catalunha.
Aito Renesses é uma referência, que não deixo de seguir, e o meu amigo Toni
Carrillo completa o ciclo do conhecimento. No passado recente, fui ao Clinic de
Ourense, onde aprendi muito do método Juventut que me seria muito útil e que daria
bons resultados, na organização técnica do Algés.
Desta vez, aceitei com agrado o convite do treinador
David Pacual, que comigo participou, no ano passado, no Campo da Polonia e que
achou que em Espanha também era importante o meu trabalho, com o Passo zero.
O campo Elite Jove, considerado como um dos
melhores da Europa, realiza-se na Catalunha, Solsona e teve início em 1987. Na atualidade,
já desenvolvem o Campo nos Países Escandinavos.
A logística do campo é complicada e é destinado
apenas ao sector masculino. Cada jovem paga 350 euros e a atividade decorre ao
longo de 3 semanas do mês Julho (turnos sub 14/16/18), tendo eu participado no
escalão dos nascidos em 2004/05.
Um diretor técnico e dois coordenadores contam
com o trabalho gratuito e abnegado de 24 treinadores, a que se juntam 3
fisioterapeutas.
O Elite Jove, como indica o cartaz, é 100% basquetebol.
Os jovens sabem ao que vêm e, aqui, não há tempo para atividades alternativas.
Os jovens estão focados na carreira de jogador e sonham com a profissionalização.
No decorrer do Campo, várias vezes, ouvi dos treinadores para os atletas o
seguinte aviso: “Não podes fazer isso porque um profissional não se comporta assim!”
O trabalho começa cedo: 7.15 h (treino voluntário)
e termina “cedo”, com a denominada reunião técnica, que nunca acabava antes das
3 da manhã. Isto é, com boa vontade, dormíamos menos de 4 horas por dia. Mas, o
mais curioso é que ninguém se queixou e eu nem dei pelo tempo passar, tantos
eram os treinos, que dava por dia.
Depois de viver uma semana na realidade espanhola,
entendo melhor uma história antiga, que me contou um dia um treinador conceituado.
Na sua primeira visita a um campo em Espanha (no século passado lol), verificou,
tal como eu agora, que os jovens jogadores eram sujeitos a um treino intenso e
que muitos dos jovens acabavam mesmo os treinos com os pés em sangue. Alguns
treinadores portugueses, com pena dos jovens, questionavam o método de trabalho.
Os responsáveis do campo, contudo, argumentavam: “Não tenham pena deles porque os
que sobreviverem na competição vão certamente ficar ricos“.
Os treinadores participam ativamente no Campo e fazem um pouco de tudo,
além de darem e planearem treinos.
O futuro passa por Solsona
É “fácil” descobrir, mesmo a “olhómetro “, nos 75
jovens participantes neste turno, quem tem, na atualidade, mais talento e que
pode vir a ser no futuro jogador Top.
Pelo Campo Elite Jove passaram, entre muitos
outros, os irmãos Gasol, Ricky Rubio e Lull, o que serve de motivação extra (as
fotos estão no Hall entrada).
Destaque para o MVP escolhido pelos treinadores, agora calhou a vez a Joan Roig (2004), um jovem
do Valencia Basket a seguir com atenção.
Com grande potencial, o africano Ater Bol (2007). joga no Matáro. Tem quase 2 m e uma técnica
apurada. Vamos certamente ouvir falar dele no futuro.
Sempre os eternos fundamentos
Os temas a treinar eram na sua maioria técnicos,
com recurso não só á técnica pura e dura, mas também á tática individual. O que
mais se saltou á vista foi a forma diferente e objetiva como todos usam o drible.
Ritmo, dissociação de pés e mãos, alturas variadas, afastamento do corpo e uso
dos hemisférios da bola fazem deste fundamento uma arma letal.
O drible útil
Na procura constante do 1x1, os jovens procuram marcar,
mesmo sujeitos a contacto físico, o que para eles não é novidade. O facto de
estarem habituados a jogarem sem que os “árbitros” marquem demasiadas faltas
faz parte do treino e segue jogo…
Marcar com contacto físico.
Outro fundamento, que me chamou a atenção, foi o passe.
Criatividade é a palavra de ordem. Aqui é mesmo proibido proibir. Do velho
passe com duas mãos ao passe por trás das costas, tipo Globetrotter, tudo é permitido,
desde que a bola chegue ao seu destino claro.
Técnica passe (passes criativos)
A organização tática era evidentemente elementar
com recurso aos conceitos básicos: passa e corta, bloqueio indireto, bloqueio direto,
DHO, bola no poste interior e jogo do lado da bola e do lado contrário. Como o objetivo
era mesmo ser intenso, a maioria dos jogos decorria em ritmo acelerado de contra-ataque
e de 1x1. Curiosa a recomendação para limitar o número de dribles e ficou na
memória o conceito dos 2 dribles e ½.
Os jovens eram, como é fácil de entender, muito
competitivos e não gostavam de perder nem “a feijões“. Eu que defendo
convictamente a competição nos jovens como meio de formação, reconheço que tive
de fazer alguns ajustes, na orientação dos jogos 5x5. Assim, como não conhecia
o nível dos “meus“ jogadores, fiz uma proposta pedagógica e democrática, pedindo
aos mesmos para escolherem 6+6, para posteriormente eu dividir o tempo de forma
equitativa. Algo surpreendidos lá escolheram. Resultado, perdi o jogo e tive de
alterar procedimentos, nos encontros seguintes.
O trabalho do Passo Zero
Desde 2017, que quase não faço outra coisa, que
não seja estudar a regra 25 e dar Clinics em Portugal e no Estrangeiro. Estou
quase Engenheiro no tema …
Não estranhei, que em todas as fichas de treino,
que nos entregaram, o tema estivesse incluído. É conhecido de todos os jovens.
Nos blocos, que lecionei especificamente, tive
oportunidade de aprofundar o tema e a minha satisfação só pode ser grande, dada
a aceitação dos jogadores e dos treinadores. Do mesmo modo, nas reuniões
técnicas, tive oportunidade de desenvolver a teoria.
O papel dos portugueses
Fui convidado pela organização, que me pediu também,
para levar comigo um jovem treinador. Escolhi
o Vasco Oliveira, porque tinha acompanhado o seu estágio Grau 2 e merecia esta
oportunidade. Encontrei no Campo um outro jovem, do Norte, o João Henriques Ribeiro.
Estiveram ambos muito bem. Trabalharam muito e aprenderam numa realidade que
temos de seguir, deixando de vez o basquetebol do faz de conta.
Para quem, como eu, estava atento a tudo e a
todos, foi notório o denominado conflito de gerações de treinadores, nas
reuniões técnicas e no trabalho de campo. Por razões óbvias, sempre me
identifiquei com os mais veteranos. A ambição desmedida e a cultura da internet
fazem com que alguns jovens treinadores espanhóis percam a noção do seu papel e
alguns problemas surgiram, o que em nada me surpreendeu. São os chamados tempos
modernos …
Encontrei também dois jovens atletas no campo: Dinis
Mota e o Tiago Dias que jogam no Basket Clube de Gaia. Foram aplicados e deram
por bem empregue a longa viagem até Solsona.
Conclusão final
O meu objetivo de ficar a conhecer a realidade da
formação na Catalunha foi claramente concretizado. Tenho agora, em meu poder,
muito material teórico e prático, que me vai permitir continuar a ensinar e,
quem sabe, um dia destes, concretizar um Campo semelhante ao de Solsona, para
os nossos atletas.
Como sempre disse e escrevi, temos condições e
obrigação de sonhar com um basquetebol de melhor qualidade. Não somos muitos, mas
não somos diferentes. A ambição leva á superação, como demonstram alguns
resultados no presente e não adianta participar por participar. A receita dos
Catalães é simples: ambição, gente competente e muita vontade de trabalhar.
#desporto #basquetebol #portugal #basquetebolportugues #campoelitejove #ideiasparaobasquetebol
por Mário Silva
29-07-2019
#desporto #basquetebol #portugal #basquetebolportugues #campoelitejove #ideiasparaobasquetebol