Importância da escolha do método…
“O
complexo não pode ser aprendido analiticamente, é necessário fazer interagir
num contexto unificado onde se estabeleçam iterações entre todos os aspectos
que têm influência significativa na optimização do desportista humano” (Vargas, 2017).
Figura 1: Esquema básico da mudança de perspetiva
do processo de treino (Pol, 2018).
Basquetebol como um sistema complexo
Antes de tentarmos abordar o tema das
metodologias sistémicas e pedagogias não lineares, centremo-nos em definir três
conceitos essenciais. São eles o conceito de sistema, estrutura e conduta
motora.
Um sistema
define-se como um todo complexo interativo, constituído por componentes
que interagem, no qual a sua dinâmica é modificada quando se verifica uma
modificação das suas componentes constituintes (Otero & Burgués, 2003).
Uma estrutura
é a organização não visível do sistema, ou seja, um modo peculiar de
relacionar as componentes desse sistema (Otero & Burgués, 2003). Estas estruturas são
essenciais para que seja possível fazer emergir as ações motoras, que são o
resultado visível do sistema. Entende-se por conduta motora, a
resposta motora de cada pessoa em interação prática com o contexto, englobando
a dimensão cognitiva, afetiva e social (Otero & Burgués, 2003).
A
partir de agora, será fácil perceber o
jogo de basquetebol como sistema
aberto, complexo e dinâmico,
dotado de uma estrutura (regulamento
de prática) e dispõe de uma lógica
interna, ou seja, um conjunto de relações entre componentes (tempo, espaço,
número de jogadores, normas de regulamento) e consequências práticas. Essa mesma
lógica interna muda, se as regras se modificarem, conduzindo à adaptação nas condutas
motoras dos praticantes.
Evolução dos métodos
Tabela
1:
Paradigma Tradicional e Paradigma da
Complexidade (Vargas, 2017).
Paradigma tradicional
O
estudo do desporto e das suas modalidades desportivas tem assistido a uma
tensão entre a teoria cartesiana
(separação dos fatores de treino) e o holismo
(integração e relação de todos os fatores de treino).
Como
parte do sistema de relações humanas, os jogos desportivos coletivos viram os
seus métodos de treino seguir metodologias fracionadas, onde se verificava a
separação dos fatores de rendimento, onde os treinadores orientavam o seu
trabalho para uma determinada dimensão (ex. preparação física, na pré-época) em
detrimento das demais (Reis, 2018). Estes métodos
orientavam-se sob o paradigma da simplificação, resultantes das teorias
mecanicistas provenientes das ideologias pós-revolução industrial. Estas
teorias foram muito efetivas nos desportos individuais, mas desadaptadas à
lógica dos desportos coletivos. Este paradigma linear não contemplava a
complexidade presente jogos desportivos coletivos, visíveis nas interações dinâmicas e por vezes inesperadas, em parte desconhecidas e sem possibilidade
de reprodução.
Paradigma da complexidade
O
chamado paradigma da complexidade tem a sua origem na distinta interpretação
dos seres vivos, da natureza e dos fenómenos sociais. Este novo paradigma
provém de ciências do gestaltismo, o cognitivismo e o estruturalismo e tem como
pilares outras ciências, como a cibernética, a biologia, a genética e a teoria
de sistemas.
A
metodologia “Periodização Tática” pelo Professor Vítor Frade (Portugal,
Porto) e “Treino Estruturado” pelo Professor Paco Seiru-lo (Espanha,
Barcelona) são dois exemplos atuais de metodologias que se regem pelo paradigma
da complexidade (Reis, 2018; Vargas, 2017).
Segundo
o
paradigma da complexidade ou abordagens sistémicas, estas abordagens
propõem uma prática flexível, sem um controlo rígido, que permita aos
intervenientes a auto-organização, aceitando a incerteza, a instabilidade e as
turbulências como rasgos diferenciadores, do contexto específico dos jogos desportivos
coletivos. A ordem e a desordem são transições necessárias para compreender o
próprio contexto em que os praticantes se inserem.
O paradigma sistémico e o treino
O
praticante e o seu desenvolvimento como Humano Desportista é o objetivo
prioritário do treino. Como tal, é essencial que se perceba que é importante
que o treino de basquetebol seja desenhado para proporcionar situações de
prática variada e que estas tenham uma prioridade funcional, não só para o
desenvolvimento do praticante, mas também para a forma como se pretende que a
equipa se manifeste em jogo.
As
sequências práticas e os conteúdos das interações nos treinos não podem atender
exclusivamente aos interesses do treinador, influídos pela sua formação e
interpretação pessoal do desporto.
As
sequências práticas devem sim ser abertas e qualitativas, personalizadas a um
determinado jogador e com ele negociados, tendo em conta o momento da sua vida
desportiva.
Como
tal, as práticas deverão ser executadas em grupo (unidade funcional base 1x1)
para que se deem as condições específicas do Jogo que se pratica e nelas contenham
alternativas de situações de complexidade adequadas. Contudo, a prática em si
não faz necessariamente a perfeição.
Uma
prática ineficiente torna as coisas ainda piores, apenas uma prática intensiva
(ou deliberada) torna as coisas melhores.
A prática deliberada tem de exigir
concentração, sobre o que se está a fazer em cada momento. Além disso, requer
que o treino seja composto por muitas oportunidades para os praticantes lerem,
adquirirem compreensão e escreverem as suas próprias soluções, tendo por base o
que está a acontecer no campo.
Por
fim, a prática intensiva/deliberada, envolve o treino da reação e tomada de
decisão. Os treinos deverão ser momentos em que deve ser exigido esforço pessoal
(sem atalhos), velocidade (realização com rapidez) e envolvimento total de
todos os presentes (todos os trabalhos e papeis são importantes).
Assim,
uma instrução eficiente e uma prática com significado poderão gerar maior
eficiência de aprendizagem em minutos. Claro, que nem sempre isso acontece, mas
torna mais acessível a mais gente a aprendizagem de “skills” e em menos tempo.
O volume de treino por si não garante que existirão melhorias, será necessário
incluir variabilidade no treino.
As
repetições são apenas chaves para o progresso se o praticante repete de forma
consistente e consciente, com a intenção de melhorar. Caso contrário, pode
mesmo acontecer que maior número de repetições promovam uma diminuição da
performance ou a assimilação de padrões motores errados.
Treinar
duro é fácil, treinar de forma inteligente é mais desafiador, treinar duro
inteligentemente é o maior desafio de todos.
A
pergunta a fazer é “Como é que eu treino melhor?” (Corre, 2019).
Torna-se
assim evidente que os treinadores têm de ser encorajados a fazer as suas
próprias práticas adaptadas aos respetivos envolvimentos, com diferente número
de praticantes e diferente nível de prática.
É
também agora evidente, que as práticas devem incluir propostas com “motivos
para ação” e que obriguem à resolução de problemas, fazendo emergir a
aprendizagem.
Desta
forma, a competência do treinador começará no desenho do ambiente de prática,
sabendo que constrangimentos deve manipular, quando aumentar ou diminuir os
níveis de complexidade, e como intervir quer de forma implícita, quer de forma
explícita.
Estes
convites ou motivos para a ação deverão ser ajustados. Colocar praticantes
inexperientes em situações de 5x5 ou 4x4 pode ser contraproducente, pois a
complexidade será superior à sua capacidade para reagir às pistas presentes
nesse contexto de prática.
A
prática deve ser concebida de modo ter nela muitos motivos e oportunidades para
a ação. O treinador terá uma ideia se a prática foi efetiva no seu objetivo, se
os praticantes que desempenham a ação conseguem ser eficazes e no que lhes é
pedido (ex. se o passe é realizado e encontra o companheiro ou não).
A
prática tem de ter em consideração a forma como o praticante se sente, enquanto
realiza a sua performance. Tem de tentar perceber como será mais confortável a
realização do “skill” num ambiente “caótico” e de que forma sente que a
intensidade de realização (fluidez durante a interação) melhorou.
Figura
2: Modelo de constrangimentos inter-atuantes de Newell 1986 (Renshaw, 2019)
“O treinador deve evitar que o medo domine
o jogador. O medo é um fator limitante do progresso do jogador” (Paco Seiru-lo cit. in Serra, 2020).
Equipas treinadas por treinadores que adotam uma metodologia de treino suportada pelas ciências da complexidade organiza a sua forma de jogar, não só para proteger o seu cesto, mas também para serem capazes de “agredir” o cesto contrário. Isto resulta de princípios táticos atualizados e adaptados, que ensinam os praticantes a adaptarem-se ao contexto, a assumirem riscos e a serem capazes de antecipar e interpretar os erros acontecidos como oportunidades, que surgem por vezes de forma imprevista.
Discussão - Que método utilizar no ensino
do basquetebol?
Os
aspetos básicos da metodologia nos desportos de equipa têm evoluído muito com o
tempo e o basquetebol não foge á regra. Estamos a assistir a uma transição de
paradigmas que alteram radicalmente a compreensão que tínhamos do jogo e do
treino.
Cada
vez mais, o desafio dos treinadores passa pelo entendimento dos múltiplos
contributos das ciências, com destaque para as neurociências, ao treino.
O
conceito de método de treino consiste na ordenação do processo, delimitando até
onde queremos chegar e sobretudo traçando todo o caminho que queremos seguir.
Conhecer
os vários processos de aprendizagem dos jogadores é uma necessidade premente de
quem dirige o treino. É tempo também para os treinadores modificarem a sua
forma de ver o jogo, desaprendendo métodos e costumes do passado.
É
sabido que as verdades absolutas não levam em conta o contexto em que nos
encontramos e não ajudam a resolver os problemas. O que faz mesmo sentido é
questionar os paradigmas.
Palavras
como contexto, caos, sistemas complexos são hoje comuns entre os treinadores e
a ajudam a explicar o treino.
O
método de treino escolhido é a base a partir da qual tudo se constrói o ensino e
que nos define como treinadores. Não só define os objetivos, como também a
forma como queremos chegar a eles.
Na
modalidade de basquetebol, os elementos imprevisibilidade ou incerteza
predominam. Assim, o treino deve comtemplar a incerteza, a variabilidade e a
antecipação nas respostas.
Da
mesma forma, compete ao treinador encontrar uma linguagem acessível, para que
todos o entendam e que o método se possa aplicar.
No
passado, e não só, os métodos de treino tinham como referência os desportos
individuais, que hoje se sabe não podem ser linearmente aplicados a modalidades
de deportos de invasão e interação (cooperação e oposição) como o basquetebol.
Os
modelos tradicionais caracterizavam-se pela ideia de que a soma das partes era
igual ao todo. Partiam de modelos analíticos onde o domínio das diferentes
habilidades era somado ao trabalho tático, ao físico e ao psicológico, sem
levar em conta o contexto de prática e de jogo.
Os
métodos de treino eram baseados em princípios e progressões imutáveis e
inadaptadas ao individuo, ao basquetebol e ao ambiente.
O
basquetebolista era assim um sujeito passivo, no processo de aprendizagem, onde
o treinador tinha todo o conhecimento e que em muitas ocasiões limitava a
capacidade do jogador para aprender e experimentar coisas novas. Nestes modelos,
o treinador é o proprietário do conhecimento, não deixando espaço livre à
espontaneidade necessária, para o jogador dar resposta às necessidades
competitivas do jogo.
Obviamente,
tal forma de aprender levava ao medo de errar e promovia a formação de
jogadores muito previsíveis.
Não
adianta seguir os modelos tradicionais, analíticos e compartimentados
promovendo soluções idílicas.
Como
tudo está interligado, os métodos onde o treino está compartimentado, estanque
e sem ligações, pouco a pouco vai ficando de lado.
A
aprendizagem não pode, pois, ser um processo linear, já que os jogadores não
treinam para treinar, mas sim para jogar. As propostas práticas têm de melhorar
o jogador em jogo e não na realização de exercícios.
Com o
novo paradigma sistémico, o todo vai além da soma das partes, ao contrário do
modelo tradicional.
O
denominado Treino Sistémico não estimula só a parte tática de forma separada,
mas também a física, a técnica e a emocional.
O jogador é a unidade funcional onde os seus conhecimentos técnicos, táticos, estratégicos, capacidade física, … não estão isolados, mas sim interrelacionados. Isto faz com que, por exemplo, o conhecimento técnico para se desenvolver necessite do desenvolvimento do conhecimento tático. Da mesma forma, também poderá acontecer que limitações ao nível do conhecimento tático condicionem o desenvolvimento técnico.
O
jogador é um sujeito ativo na sua aprendizagem, apoiado pelo treinador que o
guia no processo, mas que não o limita na aprendizagem.
O
treinador deve dominar o modelo de treino sistémico e saber como o aplicar no
treino diário, incorporando os elementos fundamentais, para que se produzam
aprendizagens significativas.
Ao
aplicar este método, a tarefa do treinador é fazer os atletas pensar. Para isso,
o treino tem de satisfazer esta ideia, o que não se consegue com tarefas
demasiado guiadas, sem ter em conta a incerteza e a imprevisibilidade própria
do jogo.
No
basquetebol como desporto de invasão e interação estabelecem-se continuamente interações
entre companheiros e adversários, que se traduzem em relações que possibilitam
a resposta adequada aos problemas colocados pela defesa. O que parece básico é
na verdade o mais difícil: ensinar os jogadores a relacionarem-se.
Com
este método, pretendemos que o jogador esteja preparado para as propostas da
defesa, mantendo a concentração, de forma a conseguir antecipar-se. Procuramos
que os jogadores sejam autónomos, pensem por si mesmo e que descubram novas
soluções.
Com
liberdade para o jogador, qual é o papel do treinador?
É
sabido que quem joga são os jogadores, mas o treinador continua a ter um papel
muito importante ao ensinar a jogar. Cria contextos nas tarefas, de forma a
facilitar a aparição das respostas, que queremos que aconteçam. Tal só é
possível se o treinador tiver um conhecimento profundo do jogo, para conseguir
ser o guia do processo e o facilitador do mesmo.
Ao
treinador compete criar contextos no treino, que simulem as necessidades
competitivas e que ajudem a criar as suficientes interações intra (consigo
mesmo) e inter (com companheiros e adversários).
É
necessário a variabilidade não só nas tarefas ou movimentos do jogo, mas também
no método a aplicar.
Neste
enquadramento, percecionar, analisar, decidir e executar são vetores muito
importantes, tal como o tempo, já que tudo tem de ser feito no tempo certo.
Os
jogadores devem reagir rápido, tornando as decisões pensadas em automáticas, e
isto é possível com boas repetições.
Não é
fácil mudar as rotinas estabelecidas, ao longo dos anos, com aparente perda de
controlo do treinador sobre o processo de aprendizagem.
Muitos
aplicam agora uma metodologia mista, mantendo os procedimentos, tarefas,
avaliação e controlo sobre o jogador, modificando apenas parcialmente o seu
próprio comportamento e a terminologia utilizada.
Resumindo,
no Método Sistémico que comtempla
conceitos psicológicos, emocionais e neurocientíficos, temos treinos:
- Presença constante de situações representativas do jogo;
- Focados na tática (posição da bola, posicionamento
dos jogadores, trajetórias, orientação corporal e ação motora, que permita que
a bola se expresse no seu máximo);
- Priorizando o desenvolvimento
cognitivo;
- Com alto nível de motivação por parte dos participantes;
- Focados no estímulo às tomadas de decisão;
- Procurando a evolução dos
componentes do jogo de forma conjunta (técnico,
tático, físico e emocional),
- Satisfaz o desejo de jogar do praticante;
O treinador atual não tem de ser neurólogo, psicólogo, fisiólogo, mas simplesmente um treinador sensibilizado para a necessidade de dar mais importância às emoções no treino do basquetebol, procurando encontrar uma resposta da tomada das decisões fundamentada na teoria da complexidade, descobrindo e aplicando o método que permita otimizar o trabalho do treinador.
Finalizando, a metodologia a aplicar deverá assentar em 4 princípios:
- Desenho representativo – a sessão prática tem de ser realista, assegurando que os praticantes realizam a sua prática num ambiente que reflete o que vão experienciar em contexto competitivo;
- Oportunidades para a ação – a sessão prática tem de ser rica em oportunidades presentes no seu envolvimento, para que os praticantes reajam de acordo com o objetivo do treino;
- Intencionalidade – A sessão prática tem de ter intencionalidade, referindo-se ao propósito a alcançar com a prática, na busca por uma coordenação ou adaptação de comportamentos;
- Repetição sem repetição - A prática tem de contemplar este princípio, referindo-se à quantidade de diferentes possibilidades de soluções para os problemas criados pelo envolvimento.
Estes princípios permitirão ao treinador compreender qual o valor dessa sessão prática.
por Mário Silva e Filipe Talaia
25-03-2021
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