“Da rua se fez
O que muitos jogam
Faz apelo à rua outra vez
Vais ver que os talentos sobram”
(Frade, 2014, p. 97)
Os exercícios…
“Os
exercícios são o nosso canal de comunicação direto com o desportista para
interagir, modificar esquemas motores, cognitivos, condicionais, mudar
comportamentos e em definitivo, conformar o processo de otimização dos
desportistas” – Richi Serrés Lara (Vargas, 2017, p. 192).
Ao construir as suas sessões práticas, os
treinadores devem ter em atenção os seguintes passos (Renshaw,
2019):
1.
Definir claramente a intenção.
Se a intenção é melhorar a capacidade tática para pressionar o adversário,
então o ambiente do treino tem de ser desenhado para permitir que tal aconteça;
2.
Manipulação dos constrangimentos.
Usando o mesmo exemplo, a manipulação de constrangimentos deve encorajar os
praticantes a pressionar alto. É importante que a prática seja realista;
3.
Não abusar do excesso de constrangimentos, permitir que os praticantes sejam encorajados a criar os
constrangimentos para se auto-organizarem. Isto permitirá que o comportamento
padrão surja. Isto acontece porque é essencial que os praticantes compreendam
quando e como usar “os motivos para a ação”.
“Os
desportistas podem aprender escutando, observando, falando, mas, sobre tudo e
necessariamente, aprendem fazendo” – Xesco Espar (Vargas, 2017)
Os exercícios são a chave para modificar
o desportista, por isso, é de vital importância a sua seleção e escolha. Como
tal, em primeiro lugar, o processo de seleção e escolha deve ter em
consideração as necessidades de desenvolvimento do desportista.
O
que é um exercício?
Um exercício é uma “situação simuladora do contexto competitivo, que o treinador manipula
para facilitar ou sobre estimular o limite de desempenho do praticante, dando
preferência aos aspetos que interessam desenvolver nesse momento” (Vargas, 2017, p. 196).
Perante esta definição é essencial que o
treinador seja capaz de determinar qual o “limite de desempenho” dos
praticantes com quem trabalha. Deverá ter bem presente o conceito de
dificuldade e identificá-la no contexto onde intervém. Mais, deverá conhecer bem
as possibilidades de manipulação dos fatores responsáveis por essa dificuldade (Vargas,
2017, p. 197).
No
que consiste a dificuldade do exercício?
Dificuldade é a relação que existe entre
a habilidade ou a capacidade percebida por parte do praticante e o nível de
desafio que está presente no exercício. Claro está que esta relação é diferente
de praticante para praticante. Além disso, esta relação é dinâmica ao longo do
tempo, levando à necessidade de adaptação dos exercícios às necessidades
promovidas pela evolução dos praticantes.
Os treinadores serão responsáveis por
construir exercícios desafiadores, mas tendo em tendo em consideração o nível
de competência dos praticantes.
Através da figura acima, compreende-se então que é imperativo estabelecer um nível de desafio adequado, de modo que este funcione como “combustível” para o estado emocional ótimo do praticante e para a sua autoestima. Incompetência ao definir o nível de desafio provocará frustração ou desmotivação no praticante.
Passos
para desenhar exercícios
1º
Passo: Mais do que “Porquê?”, pergunta “Para quê?”
Esta pergunta é essencial para
estabelecer o objetivo que pretendes que os jogadores atinjam no treino.
2ª
Passo: De seguida,
define o objetivo (ataque, defesa), selecionando depois o conteúdo a praticar
(conduta técnico-tática, ou conduta tática-técnica).
3ª
Passo: Por fim, o
desenho e organização do exercício, que deverá ser composto no máximo por 3
regras ou normas, tornando possível ao jogador perceber qual é o objetivo que
tem de conseguir, como tem de fazê-lo, quando termina o exercício e como
recomeça (Ruiz,
2018).
Figura 2: Parâmetros que condicionam o grau de
incerteza dos exercícios (Velez, 2021, p. 18).
Dicas práticas
Seguem-se algumas dicas práticas que ajudam
os treinadores a desenhar melhores propostas práticas (Ruiz,
2018, pp. 103–104):
- Desenhar propostas rápidas e que promovam a viagem do simples para o complexo;
- Em treino, começar por realizar poucas propostas e fáceis;
- As propostas devem ser imprevisíveis e conter incerteza, levando os praticantes a pensar sobre o que estão a fazer;
- Observar primeiro (2 ou 3 repetições) e só corrigir depois de garantir que o praticante tem a perceção daquilo que está a fazer (2-3 detalhes por treino e previamente determinados);
- Explica de forma clara e rápida;
- Define 1 objetivo por proposta;
- Foca-te num conteúdo;
- Tem uma intervenção que melhore a conduta tática ou gesto técnico do praticante (observa a intenção com que praticam);
- Quando o objetivo é desenvolver uma fase de jogo, inclui na proposta a fase imediatamente antes ou a seguir. Lembra-te que as transições fazem parte do jogo;
- Condiciona o exercício, como “motivos para a ação” de modo que surjam as condutas motoras que pretendes;
- Durante a prática, faz uso de elementos surpresa de modo a criar incerteza. Lembra-te de gerir essa incerteza em função nível de capacidade de adaptação dos praticantes;
- Não dês nem o início nem a solução dos exercícios. Pensa bem, durante o jogo, também não sabes quando, como, onde e quem vai participar na ação;
- Pensa no jogo como gerador de propostas
práticas, como tal torna-as imprevisíveis, com incerteza, em que existe
liberdade. Tal como no jogo, que os exercícios promovam situações em
continuidade.
Figura 3: Da reflexão à ação: criar cenários de
aprendizagem (Velez, 2021, p. 36)
Discussão – Cenários de aprendizagem
Entende-se por cenário de aprendizagem o
meio ambiente particular, onde os jogadores podem aprender conhecimentos do
jogo, desenvolver ideias ou modificar a sua conduta.
A introdução realizada sobre tema dos
cenários de aprendizagem, fica claro que o ensino do basquetebol pode e deve
acontecer em cenários claramente diferenciados. A aprendizagem ocorre também noutros
contextos, não só através da prática formal: treinos e jogos. Por exemplo, para
os praticantes, jogar na rua ou prática informal e observar vídeos seus e de
outros jogos, constituem-se também momentos ricos de aprendizagem.
A prática informal potência
comportamentos espontâneos, livres e imprevisíveis. A rua é uma das principais
fontes de captação de talentos motores. Estes praticantes ao interagirem criam
e aperfeiçoam competências técnicas e táticas, mesmo sem contar com a presença
do treinador.
Nos contextos de treino, os treinadores
têm a responsabilidade de fazer com que a experiência do jogo de rua também se
realize. Os treinadores são responsáveis por desenhar cenários de aprendizagem
que garantam experiências semelhantes às vividas na prática informal. Estas
propostas deverão levar o praticante a experimentar coisas novas.
O medo de errar ou da penalização do
treinador tem de ser retirado do treino, sendo que é este o principal obstáculo
à aprendizagem. Errar tem de fazer parte do processo!
O basquetebol hoje compete não só com
outros desportos, mas fundamentalmente com a realidade do século XXI, em que os
jovens são chamados a tarefas que não lhes provocam fadiga física e mental. Se
queremos competir com a tecnologia temos de criar cenários onde os jovens se
sintam bem e com entusiasmo, curiosidade e intenção de praticar.
Além da prática informal, do treino, a
competição também se constitui um cenário de aprendizagem rico. Neste contexto,
exige-se que o treinador seja capaz de dominar as competências de comunicação
orientadas aos objetivos propostos. A ação do treinador deve também ter em
consideração princípios e conceitos de jogo praticados durante os treinos e
fazer uso de uma pedagogia justa e que promova a melhoria motora e coordenação
coletiva dos praticantes.
Claro está que ao treinador cabe o papel
fundamental. Este terá de fazer com que o ir ao treino gere paixão, que incuta
nos praticantes a vontade de aprender. O treinador deverá ser coerente para que
os atletas evoluam e consolidem bons hábitos de jogo.
O treinador deverá ter conhecimento dos
efeitos que pretende alcançar com cada exercício ou cenário de aprendizagem.
Deverá ter em atenção que o mesmo exercício produz efeitos diferentes na
aprendizagem dependendo do seu comportamento.
O treinador deverá estar atento à forma
como se dirige aos seus atletas, a quantidade e qualidade da informação na
explicação dos exercícios.
O treinador deverá ser capaz de promover
uma prática que capte a atenção plena dos atletas, levando-os posteriormente os
praticantes a refletir sobre o que estiveram a fazer.
O treinador tem de estar atento e verificar os comportamentos e intenções demonstradas pelos praticantes. Para que exista a possibilidade de correção, o treinador deverá perceber primeiro se o praticante está a executar de forma consciente. Somente depois de garantir que o praticante se apercebe do erro é que deverá promover a correção e desta forma o praticante adquirir novo conhecimento.
Figura 4: Cenários de aprendizagem
(Perez, 2020, p. 1).
CENÁRIOS POSSIVEIS
Nos
treinos…
Um cenário de aprendizagem é um contexto onde se pode aprender algo relacionado com o jogo.
Em
contexto de treino, os atletas podem aprender, com ou sem o treinador, no
treino e fora dele.
Num cenário de treino os exercícios ou
tarefas do treino são as componentes da aprendizagem.
A qualidade das tarefas (exercícios)
depende da adequação dos objetivos e dos conteúdos das propostas. Estas deverão
promover o desafio justo, tendo em conta as competências dos praticantes, nem
demasiado fáceis nem difíceis. O treinador tem de estar atento à reação
emocional de cada praticante, perante o nível de dificuldade proposto.
A maioria dos treinadores tem grupos
muito diferenciados, o que acrescenta complexidade à intervenção. Nestes
grupos, uns praticantes sabem tudo, outros ainda não sabem nada, o que complica
a escolha das componentes do treino.
Quais os critérios que determinam a
qualidade das tarefas (exercícios)?
O grau de implicação cognitiva dos
jovens diz claramente se a tarefa está ou não bem desenhada. Os exercícios
devem potenciar o desenvolvimento das capacidades de perceção, atenção e
decisão para que os comportamentos surjam e os praticantes sejam estimulados a
tomar decisões simples e que aprendam a ser capazes de seguir as pistas dadas,
distinguindo-as do ruído provocado pelos vários focos de estímulos simultâneos.
Figura 5: Cenários de aprendizagem (Perez, 2020, p. 2)
EXEMPLOS CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM
CENÁRIOS DE APRENDIZAGEM (Sub-12)
Nas
etapas anteriores, Sub-8 e Sub-10, os jovens já desenvolveram as habilidades
genéricas e algumas habilidades específicas.
Por
isso, estão aptos a participar em cenários de aprendizagem: mais complexos; a tomar
decisões; a reagir e manipular as tarefas, dado o desenvolvimento motor muito
mais avançado.
Modificar a dificuldade
das tarefas (manipular as características: espaciais, temporais, motrizes)
Espaço:
- Para os atacantes. Reduzir progressivamente os espaços
- Atuar espaço amplo
- Reduzir espaço
- Para os atacantes: reduzir espaço progressivamente
- Para os defesas: aumentar progressivamente o espaço
Tempo:
- Reduzir progressivamente o tempo disponível para tomar decisões
# COMBOIO /outro cone
Por exemplo, como podemos construir cenários de
aprendizagem para facilitar o momento em que o jogador com bola ultrapassa o
seu defensor (sendo que há requisitos que antecedem esta fase, como ter
argumentos para ultrapassar o defensor), como é referenciado por Arbalejo (2019).
Para proporcionar o
cenário em que o atacante ultrapassa o seu defensor e este está a recuperar,
podemos colocar dois jogadores debaixo do cesto. Um deles, tem bola e escolhe
driblar à volta de um dos cones e o outro jogador sem bola persegue-o
(“comboio”) e, tendo caminho “aberto”, deve atacar o cesto.
Objetivos gerais:
- Melhorar as habilidades motoras básicas;
- Melhorar a coordenação geral;
- Potenciar a capacidade para atender a diversos focos de estímulos de forma simultânea;
- Melhora o ajuste espaço temporal.
Objetivos específicos:
- Descobrir diferentes formas de enganar oponente driblando (fintas);
- Melhorar as mudanças de ritmo durante o deslocamento em drible;
- Melhorar a visão periférica;
- Aprende a driblar com a maior amplitude visual possível;
- Aprender o drible de posição em espaços reduzidos sem perder a orientação do cesto;
- Aprender a identificar os espaços livres durante deslocamento em drible;
- Aprende a importância da variabilidade na profundidade do drible (aproximação /afastamento) para conseguir uma vantagem posicional frente a um oponente próximo;
- Aprender a obter vantagem posicional driblando nas fases de transição frente às ajudas e recuperação defensiva;
- Melhorar o drible progressão em velocidade;
- Aperfeiçoar diferentes tipos de finalização;
- Aprender a dificultar a recuperação defensiva.
Para proporcionar diferentes lançamentos, podemos construir outro cenário. O exercício é idêntico, só que agora o Treinador tem dois cones na mão, uma laranja e outro azul, que correspondem a uma passada para o cesto (laranja) ou lançamento de meia distância (azul). A seguir pode trocar as cores, o critério, originando adaptação e mudança de conduta, pelo jogador com bola.
- Treinador levanta 1 cone
- Cone Laranja: Entrada, cesto
- Cone Azul: lançamento exterior
- Mudar critério
- Trocar cores e objetivos
- Obrigar a mudar a conduta
No mesmo exercício, podemos construir ainda mais um cenário. Neste caso, o defensor não persegue o driblador, mas terá que contornar da mesma forma (isto é, se o atacante contorna o cone por fora, o defensor também terá de contornar por fora e vice-versa) e agora simulamos em treino o ataque ao jogador que ajuda do lado contrário da bola ou em recuperação defensiva.
Conclusão
Ao
construirmos cenários diferenciados, vamos obrigar a mudar o padrão de conduta
do jogador, inibindo as respostas automatizadas, mecânicas. Ao proporcionarmos aos
jogadores estímulos diferenciados, eles podem adaptar-se, responder de maneira
diferente e, por isso, realizarmos um trabalho adaptativo. Descurar este tipo
de estímulos / cenários e formas de treino adaptativo, estaremos a “semear”
jogadores “acéfalos”, robôs. Pelo contrário, quando expomos os jogadores a
cenários abertos a várias possibilidades e próximos da realidade do jogo,
“colhemos” jogadores capazes de resolverem problemas, jogadores inteligentes.
Esperar que os jogadores leiam, sem lhes criar
cenários em que treinem a leitura será o mesmo que esperar alguma coisa que
nunca irá acontecer.
por Mário Silva e Filipe Talaia
2-4-2021
BIBLIOGRAFIA
Arbalejo, L., Capdevile, M., Cárdenas, D., Ciavattini, V.,
Pablo, B., & Alastrué, P. (2019). Curs Online d’Iniciació i Minibàsket.
Fundación Aíto i Improve Basketball.
Csikszentmihalhi, M. (1998). Finding Flow. The Psychology
of Engagement with Everyday Life. New York: Basic Books.
Frade, V. (2014). “Fora de Jogo” o tempo todo. S. João
do Estoril: Prime Books.
Perez, G. (2020). Aquí os dejo el enlace de descarga con la
explicación de la 3a Lección del Bloque de Metodología. Retrieved
March 29, 2021, from
https://www.facebook.com/gabriel.loaizaperez.9/posts/2734771843245101
Renshaw, I. (2019). The Constraints-Led Approach:
Principles for Sports Coaching and Practice Design. New York: Routledge.
Ruiz, A. (2018). Qué ejercicios haces. Esto es Mini básquet.
Barcelona: Editorial INDE.
Vargas, F. (2017). El Entrenamiento en los deportes de
equipo. Barcelona: Biocorp Europa.
Velez, D. (2021). El desarrollo de las capacidades cognitivas
que condicionam el comportamiento deportivo de los niños. In Comunicação
apresentada no Seminario Internacioal: Desarrollo motor en minibasket. San
Luiz, Argentina.
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