Fica o aviso – por José Castel-Branco

Uma nova superliga de futebol, empresarial, supranacional, fechada e hiperconcorrencial no mercado global foi a fórmula adotada pelos clubes de futebol europeus de referência, para recuperarem das suas débeis situações económico financeiras.

Esta debilidade, potenciada pelo Covid e pela falta das receitas dos ingressos, resultou de um mercado de aquisições e transferências desregulado e de uma concorrência desenfreada, não só pelos melhores jogadores, como principalmente pelos melhores negócios, sem, na maior parte das vezes, salvaguardar a sustentabilidade dos clubes.

Dispostos a abrir uma guerra institucional, mesmo contra organismos governamentais, os 12 clubes fundadores tudo arriscaram neste braço de ferro, para a captação de novos recursos financeiros e o crescimento no mercado global, mas será possível repetir a experiência do basquetebol de há 20 anos?



Será esta a porta de salvação para estes clubes recuperarem e ganharem dimensão?

Tal como na origem da Euroleague, tudo se resume a criar um grupo fechado de clubes de referência que garantem, exclusivamente, para si, um acrescido volume anual de receitas. Em tudo semelhante ao modelo de negócio das grandes ligas norte-americanas NBA, NHL, NFL e MLB, a Euroleague e a anunciada Superliga movimentam-se, contudo, em universos bem distintos.

O sucesso desta estratégia depende acima de tudo da qualidade do produto apresentado; a Liga. Para tal, as grandes organizações do outro lado do Atlântico garantem os melhores jogadores do mundo, um espetáculo global e a capacidade para se adequarem às exigências da procura no que respeita a horários, calendarização e intervenientes, tendo como suporte básico um mercado consumista e homogéneo de 380 milhões de habitantes, nos EUA, a que se somam mais 38 milhões, do Canadá.

Impulsionado pelos EUA, o basquetebol atingiu níveis desenvolvimento ímpares no mundo do desporto. O basquetebol é de facto um desporto especial, não apenas enquanto espetáculo desportivo, que rivaliza com outras modalidades, mas inequivocamente enquanto modelo global de negócio único, pois tem por grande referência o mercado norte americano, ou seja, o mais rico e poderoso espaço de consumo e simultaneamente é praticado por todo o mundo.

A Euroleague nasceu no século passado, com um projeto tendente a rivalizar com a NBA, na contratação dos melhores do mundo. Passados 20 anos, esse objetivo não foi atingido e verificou-se mesmo o inverso, perdeu os melhores europeus para a NBA que, sem apelo nem agravo, respondeu aumentando o seu distanciamento para a europa e para as instituições internacionais (FIBA), conquistou novos mercados na Europa, Ásia, Oceânia e mesmo África, de tal forma que, atualmente, o êxito de um campeonato da Europa ou mesmo do Mundo mede-se pelo nível de participação dos jogadores da NBA.

Fracassou a Euroleague?

Claro que não. A Europa adotou um modelo de empresarialização da organização do basquetebol profissional, com preocupações voltadas para a sustentabilidade económico financeira das competições, com grande visibilidade e elevada procura por investidores institucionais e privados. Enquanto empresa, detentora dos direitos de transmissão dos jogos por si organizados, a Euroleague apresentou-se com uma forte implantação nos principais mercados, Espanha, Itália, França, Turquia, Grécia, Rússia, Alemanha, Sérvia, Croácia, Israel, Lituânia, a partir da qual estruturou uma competição atrativa e capaz de rivalizar no mercado global. De facto, cresceu e os clubes participantes mais que duplicaram os seus orçamentos, que atualmente, se situam entre os 12 e os 50 milhões/ano, valores mesmo assim, ainda muito distantes da valorização das sociedades da NBA, que colocam as 15 mais valiosas acima de mil milhões de dólares.

Mas o modelo Euroleague não se esgota por aqui. O seu desenvolvimento deveria passar pela exclusividade na participação nas suas competições e, de facto, esse passo parece adiado. Existe um compasso de espera que indicia algum esgotamento. Os clubes continuaram a participar nos respetivos campeonatos nacionais e, salvo raras exceções, nos países mais pequenos, as equipas apresentam-se com os seus principais jogadores. Após a guerra institucional inicial, com a suspensão de clubes, interdição de árbitros e ameaças a jogadores, FIBA Europe e Euroleague chegaram a um entendimento e hoje coabitam de forma quase pacifica, harmonizando calendários e garantindo a participação dos seus melhores jogadores nas seleções nacionais.

 E a Superliga?

Na histórica Europa domina o movimento associativo com as competições a nível nacional a captar a principal atenção do público, através de uma rivalidade “bairrista”. Os clubes, mesmo as SAD são suportadas por sócios e não por clientes, como nos EUA, aqui, perdura o sentimento e a paixão, em detrimento do lazer e do entretenimento.

A Liga Inglesa, o melhor exemplo, ao nível do futebol conquistou mercados batendo a concorrência, anunciou os melhores do mundo, à semelhança da NBA, adaptou-se a horários de transmissão (Austrália e Ásia) e explorou os dias especiais. Mas tal não foi suficiente, de facto, assente na valorização dos seus jogadores enquanto ativos e no volume crescente de transações entre agentes e clubes, a organização do futebol profissional gerou um negócio paralelo ao dos próprios clubes, penalizando-os fortemente.

Ao contrário das empresas norte americanas em que os jogadores são assalariados pagos diretamente em função de contratos de trabalho, no futebol a figura do “passe” origina um profundo desequilíbrio na sustentabilidade dos clubes, que financiam receitas correntes com supostas valorizações de jogadores. Esta situação tem o seu culminar na Liga Espanhola, fruto da manutenção dos direitos televisivos na posse dos clubes, à semelhança do que se verifica atualmente em Portugal, facto que originou que, por exemplo, Real Madrid e Barcelona tenham antecipado vários anos de receita, tendo agora necessidade absoluta de encontrar uma nova alternativa de financiamento, na Superliga.

Este é um ponto crucial. Apesar do futebol movimentar verbas semelhantes às da NBA, as organizações europeias, ao contrário das suas congéneres norte americanas, não se valorizam e não criam valor para si, sendo transacionadas mais por motivos especulativos do que economicamente racionais, pois de forma geral são entidades altamente endividadas, incapazes de gerar receitas correntes, para cobrir a massa salarial.

Esta iniciativa dos principais clubes ingleses, espanhóis e italianos mais não foi do que um salto em frente para aquilo que, à primeira vista poderá parecer uma “galinha dos ovos de ouro”, mas tal como na fábula correm o risco de matar a própria galinha.

Com a descaracterização dos clubes, a ligas nacionais só conseguem captar a atenção do publico estrangeiro através dos seus ídolos nacionais e não pela suposta qualidade do espetáculo. Exemplificando, de uma análise absolutamente empírica, pode-se concluir que o valor para os portugueses, da liga espanhola, da liga inglesa e atualmente da italiana está fortemente associado à presença ou não do Ronaldo naqueles campeonatos, o valor do United subiu com o êxito do Bruno Fernandes e o Wolverhampton valorizou-se no mercado nacional com a brigada portuguesa.

Resulta daqui que não é o valor, qualidade, da liga que se impõe no mercado europeu, mas sim a visibilidade nos respetivos países dos seus jogadores, muito por via da sua participação nas respetivas seleções, pois é cada vez mais difícil associar um jogador de elevado nível a um clube de referência do seu país. Ou seja, o negócio das seleções (UEFA) é cada vez mais determinante para as ligas europeias, facto que desaconselha uma posição de rutura com esta instituição. A valorização dos jogadores de futebol enquanto ativos que geram receitas em vários espaços geográficos, depende, em muito, da visibilidade que ganham nas competições entre seleções nacionais.

Por seu turno, as instituições também tendem a defender o seu negócio e mediante cedências negociais encontrar um meio termo, que lhes permita continuar a sua atividade, contando com o apoio dos principais clubes.

Terá ficado por aqui a nova superliga?

Fica o aviso.


por José Castel-Branco

22-04-2021



 

 


#basquetebol #basketball #ideiasparaobasquetebol #superliga #euroleague #nba