Uma nova superliga de futebol, empresarial, supranacional, fechada e hiperconcorrencial no mercado global foi a fórmula adotada pelos clubes de futebol europeus de referência, para recuperarem das suas débeis situações económico financeiras.
Esta debilidade, potenciada pelo
Covid e pela falta das receitas dos ingressos, resultou de um mercado de
aquisições e transferências desregulado e de uma concorrência desenfreada, não
só pelos melhores jogadores, como principalmente pelos melhores negócios, sem,
na maior parte das vezes, salvaguardar a sustentabilidade dos clubes.
Dispostos a abrir uma guerra institucional, mesmo contra organismos governamentais, os 12 clubes fundadores tudo arriscaram neste braço de ferro, para a captação de novos recursos financeiros e o crescimento no mercado global, mas será possível repetir a experiência do basquetebol de há 20 anos?
Será esta a porta de salvação para estes clubes recuperarem e ganharem dimensão?
Tal como na origem da Euroleague,
tudo se resume a criar um grupo fechado de clubes de referência que garantem,
exclusivamente, para si, um acrescido volume anual de receitas. Em tudo
semelhante ao modelo de negócio das grandes ligas norte-americanas NBA, NHL,
NFL e MLB, a Euroleague e a anunciada Superliga movimentam-se, contudo, em
universos bem distintos.
O sucesso desta estratégia
depende acima de tudo da qualidade do produto apresentado; a Liga. Para tal, as
grandes organizações do outro lado do Atlântico garantem os melhores jogadores
do mundo, um espetáculo global e a capacidade para se adequarem às exigências
da procura no que respeita a horários, calendarização e intervenientes, tendo
como suporte básico um mercado consumista e homogéneo de 380 milhões de
habitantes, nos EUA, a que se somam mais 38 milhões, do Canadá.
Impulsionado pelos EUA, o
basquetebol atingiu níveis desenvolvimento ímpares no mundo do desporto. O
basquetebol é de facto um desporto especial, não apenas enquanto espetáculo
desportivo, que rivaliza com outras modalidades, mas inequivocamente enquanto
modelo global de negócio único, pois tem por grande referência o mercado norte
americano, ou seja, o mais rico e poderoso espaço de consumo e simultaneamente
é praticado por todo o mundo.
A Euroleague nasceu no século
passado, com um projeto tendente a rivalizar com a NBA, na contratação dos
melhores do mundo. Passados 20 anos, esse objetivo não foi atingido e
verificou-se mesmo o inverso, perdeu os melhores europeus para a NBA que, sem
apelo nem agravo, respondeu aumentando o seu distanciamento para a europa e para
as instituições internacionais (FIBA), conquistou novos mercados na Europa, Ásia,
Oceânia e mesmo África, de tal forma que, atualmente, o êxito de um campeonato
da Europa ou mesmo do Mundo mede-se pelo nível de participação dos jogadores da
NBA.
Fracassou a Euroleague?
Claro que não. A Europa adotou um
modelo de empresarialização da organização do basquetebol profissional, com
preocupações voltadas para a sustentabilidade económico financeira das
competições, com grande visibilidade e elevada procura por investidores
institucionais e privados. Enquanto empresa, detentora dos direitos de
transmissão dos jogos por si organizados, a Euroleague apresentou-se com uma
forte implantação nos principais mercados, Espanha, Itália, França, Turquia,
Grécia, Rússia, Alemanha, Sérvia, Croácia, Israel, Lituânia, a partir da qual
estruturou uma competição atrativa e capaz de rivalizar no mercado global. De
facto, cresceu e os clubes participantes mais que duplicaram os seus orçamentos,
que atualmente, se situam entre os 12 e os 50 milhões/ano, valores mesmo assim,
ainda muito distantes da valorização das sociedades da NBA, que colocam as 15 mais
valiosas acima de mil milhões de dólares.
Mas o modelo Euroleague não se
esgota por aqui. O seu desenvolvimento deveria passar pela exclusividade na
participação nas suas competições e, de facto, esse passo parece adiado. Existe
um compasso de espera que indicia algum esgotamento. Os clubes continuaram a
participar nos respetivos campeonatos nacionais e, salvo raras exceções, nos
países mais pequenos, as equipas apresentam-se com os seus principais jogadores.
Após a guerra institucional inicial, com a suspensão de clubes, interdição de
árbitros e ameaças a jogadores, FIBA Europe e Euroleague chegaram a um
entendimento e hoje coabitam de forma quase pacifica, harmonizando calendários
e garantindo a participação dos seus melhores jogadores nas seleções nacionais.
E a Superliga?
Na histórica Europa domina o
movimento associativo com as competições a nível nacional a captar a principal atenção
do público, através de uma rivalidade “bairrista”. Os clubes, mesmo as SAD são
suportadas por sócios e não por clientes, como nos EUA, aqui, perdura o
sentimento e a paixão, em detrimento do lazer e do entretenimento.
A Liga Inglesa, o melhor exemplo,
ao nível do futebol conquistou mercados batendo a concorrência, anunciou os
melhores do mundo, à semelhança da NBA, adaptou-se a horários de transmissão
(Austrália e Ásia) e explorou os dias especiais. Mas tal não foi suficiente, de
facto, assente na valorização dos seus jogadores enquanto ativos e no volume
crescente de transações entre agentes e clubes, a organização do futebol
profissional gerou um negócio paralelo ao dos próprios clubes, penalizando-os
fortemente.
Ao contrário das empresas norte
americanas em que os jogadores são assalariados pagos diretamente em função de
contratos de trabalho, no futebol a figura do “passe” origina um profundo
desequilíbrio na sustentabilidade dos clubes, que financiam receitas correntes
com supostas valorizações de jogadores. Esta situação tem o seu culminar na
Liga Espanhola, fruto da manutenção dos direitos televisivos na posse dos
clubes, à semelhança do que se verifica atualmente em Portugal, facto que
originou que, por exemplo, Real Madrid e Barcelona tenham antecipado vários
anos de receita, tendo agora necessidade absoluta de encontrar uma nova
alternativa de financiamento, na Superliga.
Este é um ponto crucial. Apesar do futebol movimentar
verbas semelhantes às da NBA, as organizações europeias, ao contrário das suas
congéneres norte americanas, não se valorizam e não criam valor para si, sendo transacionadas
mais por motivos especulativos do que economicamente racionais, pois de forma
geral são entidades altamente endividadas, incapazes de gerar receitas
correntes, para cobrir a massa salarial.
Esta iniciativa dos principais
clubes ingleses, espanhóis e italianos mais não foi do que um salto em frente
para aquilo que, à primeira vista poderá
parecer uma “galinha dos ovos de ouro”, mas tal como na fábula correm o risco
de matar a própria galinha.
Com a descaracterização dos
clubes, a ligas nacionais só conseguem captar a atenção do publico estrangeiro
através dos seus ídolos nacionais e não pela suposta qualidade do espetáculo. Exemplificando,
de uma análise absolutamente empírica, pode-se concluir que o valor para os
portugueses, da liga espanhola, da liga inglesa e atualmente da italiana está fortemente
associado à presença ou não do Ronaldo naqueles campeonatos, o valor do United
subiu com o êxito do Bruno Fernandes e o Wolverhampton valorizou-se no mercado
nacional com a brigada portuguesa.
Resulta daqui que não é o valor, qualidade, da liga que
se impõe no mercado europeu, mas sim
a visibilidade nos respetivos países dos seus jogadores, muito por via da sua
participação nas respetivas seleções, pois é cada vez mais difícil associar um
jogador de elevado nível a um clube de referência do seu país. Ou seja, o
negócio das seleções (UEFA) é cada vez mais determinante para as ligas
europeias, facto que desaconselha uma posição de rutura com esta instituição. A
valorização dos jogadores de futebol enquanto ativos que geram receitas em
vários espaços geográficos, depende, em
muito, da visibilidade que ganham nas competições entre seleções nacionais.
Por seu turno, as instituições
também tendem a defender o seu negócio e mediante cedências negociais encontrar
um meio termo, que lhes permita continuar a sua atividade, contando com o apoio
dos principais clubes.
Terá ficado por aqui a nova superliga?
Fica o aviso.
por José Castel-Branco
22-04-2021
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