O “valor” da ÉTICA – por João Oliveira

Irei valorizar a ÉTICA E DEONTOLOGIA e indicar 8 problemas importantes, que podem "infetar" qualquer organização, se for negligenciada.

QUAIS SÃO ESSES OITO PROBLEMAS?

Porém e antes disso, permitam-me contar-lhe uma pequena história. Certa vez, estava a conduzir na Avenida de Gaia, no sentido ascendente, e tive um furo. Estava cheio de pressa e já era noite. Como estava a cerca de 50 metros de uma bomba de gasolina, decidi conduzir esses 50 metros, mesmo com o pneu furado. Quando parei, tentei ligar para o reboque, mas não tinha bateria. Estava com pressa, tinha um pneu furado, não tinha telemóvel, a bomba já estava fechada (só pagamento automático), não havia ninguém por perto e apercebi-me de que também tinha destruído a jante, para além do pneu, por ter percorrido aqueles 50 metros. Sentia-me desconfortável, frustrado e irritado, parecia que ia explodir.

Se não tivesse o furo, tinha chegado a horas ao meu destino, não tinha a despesa do pneu e da jante e não me teria sentido desconfortável, frustrado, irritado e a ferver.

Ter os 4 pneus em perfeitas condições é importante para conduzir em segurança, certo? O mesmo acontece ao nível das organizações, sejam elas, Clubes, Associações, Federações, Escolas, Hospitais, (…). Isto é, as organizações assentam em 4 pilares (“pneus”), o da estratégia, o da estrutura, o da equipa e o da ÉTICA (Oliveira, 2021a). Se as pessoas e as organizações NEGLIGENCIAREM algum destes "pneus" ou pilares, as consequências poderão ser gravíssimas.

Por exemplo, negligenciar a ÉTICA (ter este “pneu” em mau estado ou furado) provocará a perda de confiança nas pessoas e organizações, a médio e longo-prazo (como continuar a conduzir com um “pneu” furado poderá destruir a jante) e calunias, disputas internas, vitimização, atitude defensiva e sonegação de informação, no curto-prazo.

Gostaria de fazer parte de uma organização que negligenciasse a ÉTICA?

Ou seja, a questão não é se a ÉTICA é ou não importante, o problema é negligenciar ÉTICA.

Negligenciá-la será como não ter um antivírus num computador ou uma vacina para as pessoas.

QUE “VÍRUS” PODERÃO MOSTRAR QUE ESTAMOS A NEGLIGENCIAR A ÉTICA?

Para conseguirmos aprofundar esta situação, permitam-me destacar os VALORES. Estes surgem pela associação entre as necessidades das pessoas e das organizações com a sua satisfação. A nossa EXPERIÊNCIA vai-nos (às pessoas e às organizações) mostrando o que é IMPORTANTE para satisfazer essas necessidades e, assim, surgem os VALORES, que irão influenciar quer as AÇÕES quer os RESULTADOS. Por isso, todos temos valores, a questão não é se temos valores, mas sim QUE VALORES.

Passemos aos vírus:

VÍRUS DA INCONSCIÊNCIA

Se compreendermos que os valores estão sempre presentes e que a todo o momento estamos a validar o que é importante para satisfazer as necessidades das pessoas e organizações, então quer o comportamento quer as consequências podem provocar ser desagradáveis, desconfortáveis e “fonte” de dor. Se ficarmos reféns do processo inconsciente de “florescimento” dos valores, poderemos estar a semear “catos” em vez de “rosas” e, por isso, colher uma CRISE DE VALORES.

VÍRUS “POR VEZES”

Se o que for importante depender das circunstâncias, das pessoas envolvidas, do momento, (…), então o que “por vezes” é importante, está correto, está certo, é o melhor, “outras vezes” não será importante, correto, certo ou melhor.

VÍRUS "ANIMAL"

Se há algo que nos distingue de outros seres vivos é a capacidade de podermos utilizar consciente e sensatamente o espaço ou “janela” entre o estímulo e a resposta. Como referi, seja consciente ou inconscientemente, os nossos VALORES irão influenciar a nossa resposta, ações ou comportamentos. Para utilizarmos sensatamente esse espaço, podemos descobrir os nossos valores, verificar se eles apoiam nos PRINCÍPIOS MORAIS UNIVERSAIS e, se não apoiam, podemos desenvolvê-los. Este é o ponto chave da ÉTICA. Não utilizar sensata e conscientemente esta “janela” é "transformarmo-nos" apenas em “animais”.

VÍRUS “PARA MIM”

Se o que é importante para satisfazer as necessidades das pessoas e das organizações for apenas o que for importante “para mim”, então não consideraremos o que poderá ser importante para os outros, não compreenderemos os outros e o nosso comportamento será individualista e egoísta. Por exemplo, ter o melhor marcador do campeonato e isso não ajudar a ganhar jogos, poderá ser o mais importante para o jogador que marca muitos pontos, mas será que isso é o mais importante para a equipa?

VÍRUS “JÁ”

Por vezes, enquanto pessoas ou organizações, poderemos ser tentados a achar que o importante “para mim” é ter o que desejo “já”, “agora”, “imediatamente”, sem valorizar o processo, o esforço, a justiça, (…). A gratificação imediata poderá ser catastrófica ao longo do tempo, mesmo “para mim”. Veja-se o papel deste vírus no consumo do álcool, drogas, (…), que no “imediato” parece ser o mais importante “para mim”, mas será que o é, mesmo “para mim”, ao longo do tempo? No caso do desporto, para um pai o importante poderá ser que o seu filho jogue “já”. Se tal não acontecer, poderá fazer muitas coisas. Entre elas, poderá culpar o treinador junto do filho e com isso aligeirar o desconforto do filho, no “imediato”. Contudo, ensinar o filho a culpar os outros, quando não tem “imediatamente” o que deseja, será o melhor para o filho, ao longo do tempo?

VÍRUS “PARA NÓS”

Quando o importante para satisfazer as nossas necessidades é o que é importante “para nós”, por exemplo para a nossa equipa, isso poderá não ser o melhor para o Clube ou para a modalidade. Por exemplo, numa subida de escalão, “para nós” o importante é que o jogador não vá jogar ao escalão acima, mas será que isso é o mais importante para o Jogador e Clube. Se uma equipa não der o seu máximo, para evitar certos adversários, será que isso é o mais importante, para todos os intervenientes?

VÍRUS “CONFUSÃO”

Se não for claro ou “confuso” distinguir o que é correto e o que é errado fazer do ponto de vista moral e legal, então não teremos a possibilidade de distinguir o “culpado” do “inocente” e, consequentemente, não acederemos ao sentimento de vergonha (no caso de culpa), importantíssimo para aprender com os erros, corrigir o que fazemos de errado ou para evitar comportamentos futuros incorretos, dos quais nos poderemos vir a arrepender. Por exemplo, em tribunal, Al Capone disse que não tinha feito nada de errado, sem esta perceção, não poderia sentir vergonha e, por isso, evitar comportamentos incorretos ou mudar o seu comportamento, no futuro. Muita da potencial mudança fica comprometida por esta “confusão” (Oliveira, 2020)

VÍRUS da “INCONSEQUÊNCIA”

Quando “olhamos” para os resultados das nossas ações (das pessoas e das organizações), poderemos ser tentados a achar que não há consequências ou que o importante é se os resultados nos ofereceram a satisfação “imediata” ou o melhor “para mim”. Pelo contrário, se todas as ações têm consequências, analisando se as consequências ou os resultados das nossas ações (das pessoas ou das organizações) seguem ou apoiam os princípios morais, então poderemos verificar se esses resultados procuram o melhor para todos, ao longo do tempo – DEONTOLOGIA.

Depois de ações ou comportamentos incorretos ou corretos, do ponto de vista moral, é importante utilizarmos as consequências para melhorar ou elogiar, respetivamente. 

Todos temos valores, a questão não é se temos valores, mas sim QUE VALORES.

Por outro lado e como já referi, se a nossa EXPERIÊNCIA vai-nos mostrando o que é IMPORTANTE para satisfazer as necessidades, então as consequências poderão reforçar ou inibir o florescimento de valores que apoiam ou não os princípios morais. Assim, os pais junto dos filhos, os professores com os seus alunos, os treinadores com os jogadores, os dirigentes com os treinadores e as associações e federações com todas as partes interessadas poderão semear valores baseados em princípios morais ou não, em função do modo como lidam com as consequências. Por isso, a forma como estas diferentes figuras da autoridade lidam com as consequências poderá assumir um papel decisivo.

 

PRINCÍPIOS MORAIS

Como parece, os PRINCÍPIOS MORAIS jogam uma “cartada” decisiva na forma como influenciam o florescimento dos valores, que guiam os nossos comportamentos, permitindo-nos antecipar ações sensatas ou insensatas e, posteriormente, ajuizar sensatamente os resultados desses comportamentos. 

Quando referidos que “há uma crise de valores” não é por não haver valores, mas por estes não passarem pela “peneira” dos princípios morais e, por isso, não serem sensatos moralmente.

Há uma questão que coloco, algumas vezes.

 

O "VALOR" DA ÉTICA

Quanto valem as organizações? Que valor poderão ter as organizações? 

Tentarei explorar a resposta a esta pergunta com um exercício. Se pegarmos numa folha de papel e num lápis (se quiserem fazer o exercício, espero, …) poderia pedir para:

  • Escrever um “1” se a organização age e analisa as consequências em função da ÉTICA E DEONTOLOGIA
  • A seguir ao “1” um, pode escrever “0” (zero), se a organização é sustentável física e financeiramente. Que número obteve? Dez - “10” - certo?
  • Se a organização tem estratégia e mentalidade de desenvolvimento, pode acrescentar mais um zero – “0”. Obteve o número “100”?
  • Se a organização trabalha em equipa, então acrescente mais um zero – “0”.

Por esta altura, se a organização tiver estas 4 características (nenhum dos “pneus” ou pilares está a ser negligenciado), então poderá ter escrito o número “1000” - MIL.

Agora e para terminar, imagine que a organização não tem ÉTICA. Para isso, teremos que remover o algarismo “1”. Que número é que fica? Será “000” - ZERO.

Ou seja, para além da perda de confiança nas pessoas e organizações, a médio e longo-prazo, e das calunias, disputas internas, vitimização, atitude defensiva e sonegação de informação, no curto-prazo, uma ORGANIZAÇÃO (equipa, clube, associação, federação, escola, fábrica, …) poderá ser sustentável física e financeiramente, ter estratégia e trabalhar em equipa, mas mesmo assim, sem ÉTICA, vale ZERO.

Por isso, NÃO HÁ DESPORTO SEM ÉTICA (Sérgio, 1994).

 

BIBLIOGRAFIA

 

Bataglia, P. U. R., Morais, A. de, & Lepre, R. M. (2010). A teoria de Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos de avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estudos de Psicologia (Natal), 15(1), 25–32. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2010000100004

Kohlberg, L. (1976). Moral stages and moralization: The cognitive-developmental approach. In T. Lickona (Ed.), Moral development and behavior. New York: Holt, Rinehart, & Winston.

Kohlberg, L. (1987). The Measurement of Moral Judgement. Cambridge, Mass: Cambridge University Press.

Oliveira, J. C. (2020). Quem “Matou” a Mudança? Wroclaw, Poland: Independently published.

Oliveira, J. C. (2021a). Duas Grandes Oportunidades. In J. C. Oliveira & M. Silva (Eds.), Ideias para o Basquetebol: Juntos Vamos Mais Longe (pp. 159–164). Monee, IL, USA: Independently published.

Oliveira, J. C. (2021b). Intenções de Base. In J. C. Oliveira & M. Silva (Eds.), Ideias para o Basquetebol: Juntos Vamos Mais Longe (pp. 11–13). Monee, IL, USA: Independently published.

Sérgio, M. (1994). Para uma epistemologia da motricidade humana: prolegómenos a uma nova ciência do homem (2a Edição). Lisboa: Compendium.

Walrath, R. (2011). Kohlberg’s Theory of Moral Development. In S. Goldstein & J. A. Naglieri (Eds.), Encyclopedia of Child Behavior and Development (pp. 859–860). Boston, MA: Springer US. https://doi.org/10.1007/978-0-387-79061-9_1595


por João Oliveira

18-04-2021



 

 



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