(Nota prévia – O presente artigo foi
escrito com base numa comunicação apresentada pelo autor, aos máximos
responsáveis pelo Desporto dos países membros da União Europeia, durante a
Presidência da Estónia, no 2º semestre de 2017 – Tallinn, 2017.07.14)
INTRODUÇÃO – As preocupações com a
formação dos treinadores têm vindo a ocupar um lugar cada vez mais relevante
tanto no domínio da investigação, como no de muitas instituições e
profissionais, que lidam com o problema nos terrenos da prática e atribuem à
organização desta um papel decisivo na mesma.
Perceber cada vez de forma mais clara como é que
os treinadores aprendem e, para além disso, como é que eles aprendem melhor,
têm-se constituído como preocupações alargadas.
É destas preocupações que vamos procurar
dar conta nas linhas que se seguem.
I – As FONTES DE APRENDIZAGEM dos treinadores são muitas e variadas. Vamos a elas:
a) CURSOS
FORMAIS CERTIFICADOS – Trata-se, ao fim e ao cabo, do conjunto de ações
de formação, quer para obter um dos quatro graus, quer contínua, que os
treinadores são obrigados por lei a frequentar com aproveitamento, para obterem
e manterem a cédula, que lhes permite exercerem legalmente a sua atividade. Os
cursos formais certificados têm sido alvo de críticas. Embora algumas sejam
perfeitamente pertinentes e devam ser tidas em atenção pelas entidades
responsáveis, fundamentalmente pela entidade reguladora (no nosso País o
Instituto Português do Desporto e da Juventude), as críticas ignoram, no
essencial, dois aspetos de grande relevância, a saber:
1 – A formação certificada é uma das
componentes decisivas para que se vá criando um sentido de carreira; e
2 – Ela é obrigatória para que se venha
a obter o reconhecimento da atividade do treinador como profissão regulada.
Ignorar estes dois relevantes requisitos
é contribuir ativamente para que ser treinador não seja definitivamente
reconhecida como uma profissão superior e socialmente respeitada – ainda há um
longo caminho a percorrer até que seja uma realidade indiscutível, mas convém
que “não percamos o norte”, ou seja, que a bússola se mantenha a apontar na
direção do FUTURO.
b) INTERAÇÃO COM
COLEGAS, ATLETAS E PERITOS – Mesmo que, muitas vezes, nem nos demos
conta da influência que aqueles que nos rodeiam exercem sobre nós, a verdade é
que a mesma é incontornável. Quem é que já não encontrou resposta para um
problema que o atormentava na sequência de trocas de impressões com outros
treinadores? Quem é que ainda não foi surpreendido pela resposta, nada esperada,
mas eficaz, dada por um atleta numa situação nova no treino ou na competição?
Quem é que ainda não foi tocado pelos saberes de um Psicólogo do Desporto ou
pela expertise de um especialista em Biomecânica?
c) MENTORIA
INFORMAL – A mentoria é normalmente entendida como uma boa ferramenta para ajudar no
desenvolvimento profissional e consiste basicamente em uma pessoa mais
experiente ajudar outra menos experiente a aprender. É algo que pode ocorrer
apenas ocasionalmente, fora de um programa de formação estruturado, e
normalmente a pedido da pessoa menos experiente.
d) MENTORIA
FORMAL – Ao contrário da situação anterior, aqui existe uma ação
deliberada, consubstanciada num programa de mentoria, com objetivos bem
definidos e a que o aluno se submete voluntariamente. A este propósito convirá
aqui fazer uma ou outra chamada de atenção:
1 – É absolutamente decisivo compreender
que a relação mentor-treinador é única e irrepetível (cada treinador é um caso,
algo quase completamente ignorado pelos processos de formação mais tradicionais);
2- O exercício da mentoria não se pode
confundir com o tradicional processo de ensino (não se trata de “dar aulas”);
3 – Os mentores atuam fundamentalmente
no sentido de ajudarem os treinadores a reconhecer e aproveitar as
oportunidades de aprendizagem, mas nunca esquecendo que a iniciativa deverá
pertencer sempre ao treinador.
e) APRENDER COM
UM TREINADOR EXPERIENTE – Mesmo que seja apenas através da observação
daquele em ação existirá sempre algo que nos fará pensar. E se for possível
conversarmos com ele tanto melhor. Felizmente são muitos os treinadores mais
velhos, com anos e anos de experiências nas “frentes de batalha”, que se
mostram disponíveis para ajudar os “novatos”.
f) EXPERIÊNCIA
COMO ATLETA – São muito raros os treinadores que não foram praticantes
da modalidade em que treinam. Assim sendo, e embora haja quem treine quando
ainda é atleta, situação que francamente não se recomenda, quando alguém decide
abraçar a condução do processo de treino já passou por uma carreira enquanto
atleta:
- Que terá sido mais ou menos longa;
- Em que se atingiram níveis elevados ou
muito elevados (atleta internacional … olímpico) ou, pelo contrário, se ficou
apenas pela mediania;
- Em que se viveram momentos de grande
realização, satisfação e alegria e outros de muita frustração e tristeza;
- Em que foram treinados por treinadores
que os influenciaram positiva e/ou negativamente. Existem, aliás, muitos relatos
das histórias de vida de muitos treinadores nos quais eles revelaram que a
decisão de se tornarem também treinadores foi profundamente influenciada por
aqueles.
Seja por uma ou outra razão, ou por
várias delas, as nossas vivências enquanto praticantes influenciarão sempre a
nossa visão sobre o modo como encaramos o processo de treino e as relações que
estabelecemos com os atletas que treinamos.
g) PRÁTICA
SUPERVISIONADA – Tal como, por exemplo, aquela que ocorre durante o
Estágio indispensável para concluir o curso de treinadores de Grau I, sendo que
o mesmo implica a presença de um orientador da entidade formadora, bem como
outro do clube onde o Estágio tem lugar, de modo a garantir que o Estagiário
possa contar com o apoio de pessoas mais experientes.
h) CLINICS,
SEMINÁRIOS, CONFERÊNCIAS … - São tudo variantes da formação não formal
que fazem parte da cultura própria de cada modalidade desportiva. E em que os
treinadores marcam presença, normalmente com o objetivo de descobrirem um ou
outro pormenor, um ou outro exercício ou solução, que os ajudem a melhorar as
suas práticas e as relações com os atletas que treinam.
i) OBSERVAÇÃO DE
OUTROS TREINADORES – Para além daquilo que já foi referido mais atrás na
alínea e) recomenda-se também que observemos treinadores de outras modalidades
em ação. Bem sabemos que não é uma prática muito frequente, até porque o tempo
escasseia muitas vezes. Mas, tal como nós na nossa modalidade também eles nas
suas sentem problemas e procuram soluções e, quem sabe, se não descobriram já
uma que nos tem escapado?
j) REFLEXÃO
GUIADA – Refere-se ao processo de que falaremos mais abaixo em II e à
necessidade de estruturarmos o processo de treino, que nos leve a criar o
hábito de refletir. A criação deste hábito poderá começar por exercícios muito
simples e acessíveis e ser completada por formação especializada.
k) TENTATIVA E
ERRO NA PRÁTICA – Trata-se seguramente do mais velho método de
aprendizagem utilizado pelo Homem. E não é pelo facto de já ser muito antigo
que perdeu utilidade. Quantas e quantas vezes, no nosso processo de treino, não
fomos já surpreendidos por situações inesperadas? E a questão é que temos os
atletas ali à nossa frente a precisarem de respostas – há que tentar e ver como
resulta! E quantas vezes não quisemos já experimentar uma nova solução tática e
não sabemos como poderá resultar? E será que deixamos de tentar? Claro que não.
l) TRABALHO DE
CASA (LEITURAS, VÍDEOS, INTERNET) – Se pensou que já tinha acabado
enganou-se! Os treinadores que realmente se preocupam sabem bem como será
importante ler aquele artigo recentemente publicado, observar o vídeo do
“inimigo” em ação ou “dar uma voltinha” pela internet, para ficar a saber os
últimos acontecimentos. É claro que são muitas (mais) coisas para fazer e isso
levanta a questão do tempo “que não temos” e que precisamos de “inventar”. Por
tudo isto, sugerimos que os treinadores frequentem um curso de gestão do tempo,
se possível logo quando decidem abraçar esta complexa, mas muito gratificante
atividade que é ser treinador. Esta necessidade pode até ser reforçada pelo
facto de que num dos programas de formação de treinadores institucionalizado
nos Estados Unidos da América esta matéria fazer parte do programa do nível
inicial. O tempo deverá ser encarado como um recurso e, enquanto tal, precisa
de ser bem gerido.
m) COMUNIDADES
DE PRÁTICA – Trata-se de um conceito relativamente recente na literatura
da especialidade e que se pode definir como “um conjunto de pessoas que
partilham uma preocupação comum, um conjunto de problemas ou uma paixão sobre
um tema e que aprofundam o conhecimento e a perícia nesta área interagindo de
forma continuada”. Embora manifestando o nosso máximo respeito pela modernidade
do conceito, ousamos afirmar que de há muito que já temos, no basquetebol e não
só, comunidades de prática naturais. Elas são as velhas secções de
modalidade existentes nos nossos clubes e às quais a definição acima se pode
aplicar quase na perfeição, sendo que em muitas já é desenvolvido trabalho de
comunidade muito meritório. Mas também é claro que não podemos deixar de
referir e lamentar que, em muitas delas, ainda não são devidamente aproveitadas
as enormes potencialidades que têm para se transformarem em comunidades de
prática muito produtivas. É um passo que é preciso dar alterando tal situação.
Até porque, a nosso ver, é aí, na intimidade da secção da modalidade, que se
deverá refletir e discutir profundamente a elaboração de planos plurianuais de
desenvolvimento dos jovens praticantes que os coloquem a salvo dos “humores”
permanentemente variáveis de (alguns) treinadores, dirigentes e pais. Os jovens
têm direito a um desenvolvimento harmonioso, contínuo e progressivo e a serem protegidos
de soluções casuísticas, pontuais e, não raras vezes, “birrentas”. E deverá ser
também aí que os jovens treinadores deverão encontrar as suas primeiras fontes
de apoio.
Provavelmente existirão ainda outras
fontes de aprendizagem – o processo de treino não para de nos surpreender com
frequência. Convenhamos, no entanto, em que já temos aqui uma lista que dá
muito que pensar.
II – Mas, sabe que mais? Toda esta
enorme riqueza de fontes de aprendizagem de pouco valerá se não for devidamente
acompanhada por um processo de AUTORREFLEXÃO devidamente estruturado. Aliás, se
prestarmos um pouco de atenção à literatura da especialidade, poderemos
constatar que, desde há muito, vários têm sido os autores que nos têm chamado a
atenção para o seguinte:
1 – Estar durante dez anos a treinar sem
refletir é simplesmente um ano de treino repetido dez vezes; e
2 - Aprender não pode ser assumido
simplesmente como resultado da prática do treino. Para a aprendizagem ter lugar
é indispensável que um profissional se envolva ativa e deliberadamente num
processo de reflexão.
Dito isto, temos de reconhecer que não
se trata de um processo fácil. De facto, encontrar tempo para refletir de modo
límpido e sistemático é difícil, quando as nossas vidas são muito ocupadas e
com muitas coisas que precisam de ser feitas. No entanto, a reflexão é um passo
essencial para a aprendizagem através da prática. Trata-se de uma capacidade
que pode ser desenvolvida e afinada – pode, portanto, treinar-se e, em
resultado desse treino, transformar-se num hábito.
III – 70-20-10 por cento
Não é comum encontrar na literatura
relacionada com a formação de treinadores a distribuição das fontes de
aprendizagem por percentagens. No entanto, noutras áreas da formação
profissional há investigação que aponta para que as aprendizagens se fazem
fundamentalmente:
- 70% através da prática;
- 20% através de outras pessoas
(conversas e networks);
- 10% através do treino formal.
Do nosso ponto de vista, mais do que nos
prendermos ao rigor das percentagens, o que é realmente importante é podermos
ver, uma vez mais, que a formação deverá abranger um largo espectro de
fontes, sendo que a prática, devidamente estruturada e refletida, ocupa um
lugar de grande relevo.
IV – Características dos ADULTOS enquanto
APRENDIZES
- Os adultos são aprendizes voluntários;
- Têm uma vasta
gama de capacidades;
- Tendem a relacionar a sua aprendizagem
com as experiências anteriores;
- Aprendem devido a uma necessidade atual;
- São capazes de assumir responsabilidade pela sua própria aprendizagem.
V – Como é que os treinadores APRENDEM
MELHOR?
Aceitando-se, tal como nós fazemos, que a
formação de treinadores deve ser entendida e enquadrada na formação de adultos,
podemos dizer que eles aprendem melhor quando:
- A sua experiência
e competências são reconhecidas e são encorajados a refletir e apoiar-se nelas;
- Sentem a necessidade
de aprender e a relevância das matérias;
- São encorajados a assumirem a responsabilidade pela sua própria aprendizagem;
- O clima é
positivo e de apoio, minimiza a ansiedade, encoraja a experimentação e desafia cada indivíduo de forma adequada;
- Têm muitas oportunidades de se envolverem na prática e a aplicarem a informação ao
seu próprio contexto;
- Sentem algum sucesso
e recebem feedback que fortalece a sua autoconfiança;
- O modo como eles gostam de aprender é
tomado em consideração e se reconhece que tal pode ser incidental
(algo que acontece no decurso de uma determinada situação) e idiossincrático (peculiar e pessoal, muito íntimo,
que só a própria pessoa compreende).
VI – TREINADORES DO ALTO RENDIMENTO
Embora esta “enorme minoria” dos
treinadores que atuam nas frentes das mais altas competições nacionais,
continentais, mundiais e olímpicas justifique, por si só, uma alargada e
específica abordagem das suas necessidades de formação, deixamos desde já aqui
uma caracterização de algumas das suas competências, as quais, por si
só, revelam necessidades de formação altamente exigentes e sofisticadas.
Assim, eles deverão ser capazes de:
- Desenvolver uma clara VISÃO sustentada por uma profunda FILOSOFIA;
- Terem a capacidade para verem para dentro do futuro;
- Serem capazes de simplificar a complexidade;
- Terem um plano
de ação completo que deverá prever todos os pormenores que poderão
interferir com a obtenção dos máximos resultados;
- Serem capazes de o rever constantemente e ajustar.
Em resumo, têm de possuir uma VISÃO
que entre em linha de conta com o CONTEXTO, o AMBIENTE, o ENVOLVIMENTO, as
PESSOAS, tudo enquadrado por uma sólida FILOSOFIA e VALORES.
REFERÊNCIAS
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Resource Management Service of Serbia
por José Curado
20-09-2021
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