Competição: Ameaça ou Oportunidade? - por João Oliveira


Depois de estar suspenso por 3 meses e, portanto, impedido de competir, quando um jornalista o questionou sobre – “como tinha prejudicado a sua equipa,” a resposta de um atleta fez pensar o jornalista.


- "E também como me prejudicou a mim," - respondeu o atleta.

Não esperando aquela resposta, o jornalista perguntou - "como assim?"

- "Repare, durante 3 meses, estive impedido de competir e, por isso, não consegui perceber se tenho evoluí ou necessito de melhorar. Nós atletas preparamo-nos, treinamos e, depois, queremos ver o fruto desse treino. Como? Competindo e quando não competimos, perdemos a oportunidade de verificar e avaliar como estamos e o que necessitamos de fazer para conseguir o que desejamos," - respondeu o atleta.

Esta resposta levou o jornalista questionar-se sobre O que significa competir? 

Conhece alguém que veja a competição como uma disputa, rivalidade, concorrência ou luta? 

Se a vemos como uma disputa e ameaça, somos sequestrados pelo chimpanzé emocional (Peters, 2012), receamos a competição e ao fazê-lo, limitamos as nossas respostas a lutar, fugir ou paralisar (Peters, 2012), deixamos de aceder à possibilidade de aprender, de melhorar (Olson, 2014) e, mesmo que no curto-prazo se alcancem bons resultados, os resultados de longo-prazo podem ficar comprometidos.

Nesta lógica, impera o pensamento dicotómico, ganhar ou perder, bom ou mau, quem não está connosco está contra nós, (…). Nestes pressupostos, vemos a “concorrência” como uma ameaça.

Será que os resultados de ver a competição como uma disputa satisfazem as necessidades das pessoas e das organizações, ao longo do tempo? Como se irão sentir os atletas, treinadores, dirigentes ou equipas que não vencem a competição, se viverem a competição como uma disputa de algo com alguém?

Por outro lado, já conheceu algum atleta ou equipa que vencia sistematicamente? Será que viu alguma arrogância e desprezo pelos outros? Será que nos iremos confundir com os resultados e pensarmos e sentirmos que somos bons quando ganhamos e maus quando perdemos? Isto é o melhor para todos, ao longo do tempo.

Por esta altura, o jornalista voltou a perguntar: os resultados do comportamento que deriva de vermos a competição como a disputa de algo, como uma ameaça, (…) é o que irá funcionar melhor para todos ao longo do tempo?

Contudo, o que o atleta entrevistado relembrou ao jornalista é que existe a alternativa, de vermos e dizermos a nós mesmos o que esse atleta viu e disse. Isto é, que a competição pode ser uma oportunidade (em vez de uma ameaça) para sabermos se estamos bem ou se necessitamos de melhorar.

O jornalista tentou ir mais fundo na questão e começou a sistematizar duas ideias:

  1. A de uma competição ou concorrência forte
  2. A diferença entre o curto e o longo-prazo

Começou por explorar a primeira questão: a de uma competição ou concorrência forte

Quais são os possíveis comportamentos de vermos a competição como uma oportunidade? Como nos iremos sentir e comportar se ganhar é a prova da nossa capacidade naquele preciso momento e isso não nos tornar mais a nós, nem menos aos que perderam? O que muda ao pensarmos que perder também nos oferece a oportunidade de aprendermos e melhorarmos ainda mais?

Nesta lógica, os "adversários" são necessários para verificarmos o desenvolvimento e a necessidade de melhorarmos. Ou seja, os concorrentes acabam por cooperar connosco.

Por outro lado, e independente do ramo (desportivo, empresarial, ...), aqueles que veem e dizem a si mesmo que a competição é uma disputa/ameaça, acabam por poder serem os seus maiores adversários e por comprometerem o desenvolvimento de todos.

O que seria das grandes equipas sem competição que desafie o progresso e a melhoria?

Recentemente, Philipp Lahm do Bayern de Munique referiu o seguinte:

“O Bayern de Munique é o crónico campeão na Alemanha, mas tem um problema: a fraqueza da Bundesliga poderá também enfraquecê-lo a longo prazo(Expresso, 2020).

Na mesma notícia, pode ainda ler-se:

“O Bayern de Munique … conquistou o campeonato pela 10.ª vez seguida, escreve como o efeito eucalipto exercido pelos bávaros na Bundesliga já lhes está a minar o sucesso na Europa”.

O efeito eucalipto descrito parecia responder à última questão. Isto é, o “sucesso” num contexto de concorrência enfraquecida pode ser confortável no imediato, mas também pode comprometer o sucesso em palcos maiores ou no longo-prazo.

Desta mudança de mentalidade, da de insuficiência - não haver que chegue para todos - para a de abundância – existe mais do que o suficiente para todos - poderá resultar uma oportunidade ainda maior.

Aprofundando, se quisermos vencer destruindo os outros, podemos vencer no imediato, mas também podemos acabar por perder no longo-prazo, por não melhorarmos tanto quanto quando enfrentamos atletas, equipas ou empresas igualmente fortes.

Quando competimos com nós mesmos e vemos uma concorrência forte como necessária, não só nos apercebemos que essa concorrência coopera com o nosso desenvolvimento, como a vemos igualmente como algo que contribui para o nosso desenvolvimento.

Nesta lógica, os "adversários" cooperam connosco e, consequentemente, sentimo-nos mais confortáveis, conseguimos dar respostas muito para além do lutar ou fugir, como aprender, melhorar, descobrirmos novas soluções e desenvolvermo-nos.

A crença que juntos vamos mais longe ganha assim uma nova dimensão. À perspetiva tradicional das equipas necessitarem de cooperar internamente, junta-se uma perspetiva diferente do juntos. Isto é, quando os "adversários" se juntam e cooperam entre si, todos vão mais longe.

O que é que está o jornalista a tentar dizer a si mesmo?

Veja-se o exemplo de Inglaterra, dentro da Premiership. Uma coisa é desejar competição equilibrada e, com isso, “regar” uma competição desafiadora capaz de estimular uma avaliação correta e oportunidades de melhoria constantes. Outra é “regar” o efeito eucalipto, ficar iludido com o sucesso imediato e caseiro e minar o sucesso a longo-prazo e ao mais alto nível.

Por esta altura, o jornalista pensava – “não basta desejar, também é preciso fazer por isso”. Por exemplo a Premiership tem critérios claros para a distribuição de verbas e diferença entre as verbas recebidas entre o primeiro e últimos classificados não é pequena percentualmente. Enquanto o primeiro classificado recebe 6,24% do total das verbas o último classificado recebe 3,94% desse bolo (Ghosh, 2022). Esta é uma forma de evitar o efeito eucalipto e “regar” o sucesso de todos no longo-prazo.

 

O jornalista estava pronto para explorar a segunda questão, a da diferença entre o curto e o longo-prazo.

Isto fez-me relembrar balguns textos que li (Kohlberg, 1976, 1987; Oliveira, 2021, 2022; Smith, 2013) que me fizeram despertar para esta questão. Para além de outras mensagens importantes, estes documentos alertavam para a diferença entre o melhor para mim no imediato e no longo-prazo.

Isto é, poderá existir um conflito entre o que é o melhor para cada um, para cada equipa, para cada clube ou para cada organização no imediato e o que é o melhor para cada um deles ao longo do tempo.

Esta é uma das mensagens da entrevista de Philipp Lahm do Bayern de Munique. Ou seja, por vezes aquilo que poderá ser o melhor no imediato, por exemplo ganhar o campeonato desse ano, poderá comprometer o sucesso a longo-prazo (“minar o sucesso na europa”).

Chegado a este momento, o jornalista começou a pensar que tinha de mudar de paradigma.

 

Qual é o paradigma a mudar e o que significa esta mudança de paradigma?

O paradigma a mudar é do deixar de ver a competição e a concorrência como uma ameaça e passar a ver a competição e a concorrência como uma oportunidade para o desenvolvimento. Ou seja, duas equipas podem estar a competir e a disputar no imediato um resultado (uma das especificidades do marketing desportivo), mas também poderão estar simultaneamente a cooperar com o desenvolvimento recíproco a longo-prazo.

Quais poderão ser as consequências desta mudança?

Os atletas e as equipas sentirem-se mais confortáveis com a competição, deixam de ser sequestrados pelo chimpanzé emocional (Peters, 2012), passa a haver respeito recíproco, interdependência, colaboração, mas também a possibilidade de aprender e de melhorar (Olson, 2014), abordam as tarefas dificeis e exigentes como oportunidades (Lazaroiu, 2015) e, consequentemente, melhoram os resultados para todos, ao longo do tempo.

Alguns ramos da atividade económica já se aperceberam de tudo isto. Por exemplo, veja-se o caso dos agricultores com a criação das cooperativas (a colaboração e a associação de pessoas ou grupos com os mesmos interesses, a fim de obter melhores vantagens para todos ao longo do tempo).

 

Qual é o vínculo prático desta ideia?

Um exemplo claro e anteriormente referido é o da distribuição de verbas na Premiership, outro o Draft da NBA (e outras ligas norte americanas), mas não faltam oportunidades de aplicação desta ideia, seja em termos desportivos ou empresariais.

No desporto e por exemplo, desde a forma de disputa das competições, ao recrutamento de jogadores e treinadores, passando pela distribuição das verbas e não esquecendo as potenciais parcerias entre o que pode ser percebido como uma ameaça, as oportunidades de valorizar esta ideia são muitas.

 

“Rematando”:

Sem uma competição forte, sem uma concorrência desafiadora, podemos ficar iludidos com o sucesso imediato e minar o nosso sucesso em palcos maiores e no longo-prazo. Esta ideia leva-nos ao conceito de interdependência. Isto é, os nossos sucessos a longo-prazo também dependem de uma concorrência forte e desafiadora no imediato.

Podemos: (a) passar de lutar ou fugir para cooperar ou colaborar, (b) mudar de jogarmos sozinhos para jogar em equipa; (c) ver para além do resultado imediato e considerar também o de longo-prazo.

A finalizar, o jornalista colocou a si mesmo uma última questão: o que é o melhor para todos ao longo do tempo, ver a competição e concorrência como uma ameaça ou como uma oportunidade?

 

Referências

Expresso. (2020). O Bayern de Munique é o crónico campeão na Alemanha, mas tem um problema: a fraqueza da Bundesliga poderá também enfraquecê-lo a longo prazo. Retrieved May 3, 2022, from https://expresso.pt/tribuna/2022-05-03-O-Bayern-de-Munique-e-o-cronico-campeao-na-Alemanha-mas-tem-um-problema-a-fraqueza-da-Bundesliga-podera-tambem-enfraquece-lo-a-longo-prazo-fa285e37

Ghosh, S. (2022). Premier League 2022 Prize Money Distribution & Breakdown 2021/22. Retrieved May 4, 2022, from https://sillyseason.com/money/premier-league-prize-money-100681/

Kohlberg, L. (1976). Moral stages and moralization: The cognitive-developmental approach. In T. Lickona (Ed.), Moral development and behavior. New York: Holt, Rinehart, & Winston.

Kohlberg, L. (1987). The Measurement of Moral Judgement. Cambridge, Mass: Cambridge University Press.

Lazaroiu, G. (2015). Work Motivation and Organizational Behavior. Contemporary Readings in Law & Social Justice, 7(2), 66–75. Retrieved from https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=a9h&AN=111280613&lang=pt-pt&site=ehost-live&scope=site

Oliveira, J. C. (2021). O que as Mães nos podem ensinar? In J. C. Oliveira & M. Silva (Eds.), Ideias para o Basquetebol: Juntos Vamos Mais Longe (pp. 41–46). Monee, IL, USA: Independently published.

Oliveira, J. C. (2022). O “valor” da ética. In J. C. Oliveira & J. Curado (Eds.), Basquetebol com ideias (pp. 93–100). Wroclaw, Poland: Ideias para o Basquetebol.

Olson, K. (2014). The Invisible Classroom: Relationships, Neuroscience & Mindfulness in School. New York: W. W Norton & Company. Retrieved from https://read.amazon.com/?asin=B008RSH3K2

Peters, S. (2012). O Paradoxo do Chimpanzé: O Programa de Gestão Mental para ter Confiança, Sucesso e Felicidade. Alfragide, Portugal: Lua de Papel.

Smith, H. W. (2013). The Power of Perception: 6 Steps to Behavior Change. Juxtabook Digital Marketing.

 

por João Oliveira

08-05-2022








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