O basquetebol enquanto desporto amador: que futuro? - por Tiago Torégão

O desporto organizado em Portugal tem cerca de 200 anos, enquanto o basquetebol tem pouco mais de 100, desde a sua introdução em 1913, e está perto de atingir o centenário enquanto modalidade federada – a Federação Portuguesa de Basquetebol celebra 95 anos, em agosto.

Embora com altos e baixos, a modalidade apresenta um número de atletas federados relativamente constante, ao longo dos últimos 10 anos - média de 37.000 atletas na última década - depois de um incremento mais substancial no final da primeira década de 2000, e uma quebra nestes dois últimos anos de pandemia, que foi transversal a todas as modalidades.

Comparando o número de atletas federados nos últimos 25 anos, o Basquetebol apresentava em 2020 um crescimento de quase 50% face a 1996, com 26.600 atletas contra os 18.050 que apresentava em 1996. No entanto, o peso relativo dos federados basquetebolistas passa no mesmo período, de 6,80% do total de atletas, para 4,53%, o que revela a perda de peso, que a basquetebol sofreu para outras modalidades. No decorrer deste período, o Basquetebol deixa de ser a segunda modalidade com mais atletas federados, para passar a ser a quarta, tendo sido ultrapassada pelo Voleibol e o Andebol.

Quando comparado com alguns países da Europa, Portugal apresenta um número total de atletas federados, em todas as modalidades, que representa 6,5% da população, o que é manifestamente pouco quando comparado com a Alemanha que apresenta 29% da população, o Reino Unido com 20%, ou mesmo a Espanha com 8%. Portugal é mesmo o quinto país da UE com maior número de população que não faz qualquer atividade física. É o mesmo país onde a despesa no hospitalar aumenta, mas onde não se investe na promoção da saúde.

Na EU, somos um dos países onde o desporto mais depende do financiamento público. Este aspeto ganha proporções maiores para as modalidades desportivas, quando passamos por um período de crise económica, como aquele que vivemos na atualidade à escala global. A esta recente crise económica, acresce o facto de termos vivido nos últimos anos com uma redução significativa do investimento público, sendo Portugal um dos países com pior desempenho de investimento público em % do PIB e onde o desinvestimento de uma forma geral sofreu um forte impacto nos últimos anos – entre 2015 e 2021 o País não executou 4.000 milhões de euros de investimento aprovado em Orçamento de Estado e isto, num país em que o desporto nem participa nos processos de tomada de decisão do Orçamento de Estado.  Num país pobre, com poucos recursos e tão dependente do Estado, são números que têm naturalmente forte impacto em sectores de atividade já de si fragilizados.

É importante fazer este enquadramento porque não é possível dissociar as dificuldades porque passa a modalidade, sem enquadrar a mesma do ponto de vista económico com o país. Pese embora o referido, é possível verificar que com o mesmo enquadramento, e no mesmo período 1996-2021, há quem tenha conseguido melhores resultados no que respeita ao número de atletas federados. Vejamos por exemplo o caso do Atletismo que cresce 70%, o Futebol e o Judo crescem 100%, o Ténis 140%, o Andebol cresce 160%, a Ginástica e a Natação 400%, o Golfe 430%, o Ciclismo e o Voleibol 700%. Tudo exemplos com número de atletas federados superiores à dezena de milhar, segundo dados da Pordata e IPDJ.

Mas qual é então o caminho que o basquetebol deve percorrer para conseguir crescer e se afirmar como uma modalidade desportiva de futuro, capaz de atrair jovens, sócios, patrocinadores, espectadores e simpatizantes? Desde logo, e respondendo diretamente à pergunta, com mais profissionalismo e menos dependência do Estado.

O basquetebol está em competição com outras modalidades pela captação de jovens e tem pela frente uma cultura portuguesa algo sedentária. A luta pela atenção dos jovens é feroz e muitas vezes desigual, no que respeita aos meios ao dispor. A resposta reside em conseguir criar condições para ter cada vez mais profissionais a trabalhar nos clubes. Profissionais dedicados a 100%, capazes de aumentar o volume de trabalho, a qualidade do trabalho e a quantidade e qualidade dos serviços que são prestados. O incremento de trabalho resultante do profissionalismo aumentará os resultados e o desempenho dos clubes a todos os níveis. É preciso criar condições para que profissionais e atletas passem cada vez mais tempo nos clubes, se sintam acarinhados, e que os pais, patrocinadores e amigos da modalidade sintam que o dinheiro que lá investem é bem empregue.

Complementar a oferta desportiva com salas de estudo e o acompanhamento de monitores, um ginásio, nutricionistas e preparadores físicos que acompanhem os atletas, são alguns dos exemplos pelos quais é preciso lutar e criar condições para que existam. Isto pode e deve ser feito em estreita ligação com as escolas. Não se trata aqui de transformar os clubes em ATL’s, mas tão só garantir que há harmonia entre o treinar e o estudar. O desporto escolar sem os clubes, e o desporto federado sem o desporto escolar e ligação as escolas é um beco sem saída. Os clubes têm de ser complemento e a continuidade do meio escolar. Esta ligação fará com que todos os pais olhem para o desporto com outros olhos de ver.

Ao mesmo tempo, é necessário criar condições para aumentar as receitas que permitam fazer o investimento, permitindo aos clubes ganhar autonomia face aos apoios do Estado. O aumento de serviços permite aumentar mensalidades e aumentar receitas via captação de mais atletas. A venda de merchandising, vendas do bar, cobrança de entradas em jogos de equipas seniores, mesmo sendo valores simbólicos, ou desenvolvendo negócios, mesmo que nada tenham a ver com a modalidade, e que lhes permitam ter uma fonte alternativa de receitas para o clube.

O desafio é enorme. Clubes há que se encontram mesmo a anos-luz do cenário que descrevi, inseridos em zonas do interior ou de baixa densidade, com custos de operação relacionados com deslocações, por exemplo, que chegam a pôr em causa a sua existência. Clubes que não têm instalações próprias, pavilhão, e, muitas vezes uma sede condigna. Para estes, o futuro é mais cinzento sem o apoio do sector público, naturalmente. Mas até aqui é possível incentivar a criação de melhores práticas, dando majoração nos contratos programas a quem tem funcionários credenciados a tempo inteiro ou mesmo definindo nos contratos programa o pagamento a tempo inteiro de profissionais. Por outro lado, é também preciso que aqueles que desenvolvem a sua atividade fortemente suportados nos apoios públicos, se tornem mais ambiciosos. Os agentes desportivos devem assumir mais responsabilidade e fazer mais pelo desporto. Os apoios públicos devem passar também a ter essa ambição em consideração, no momento de apoiar, obrigando a que sejam apresentados projetos de crescimento das modalidades e ter apoios condicionados à obtenção de resultados. O peso do financiamento público nas receitas dos clubes deve ser também objeto de avaliação, forçando os clubes onde mais de 50% do financiamento é estatal a procurarem alternativas. Menos acomodação e mais sustentabilidade na hora de apoiar, irão certamente contribuir para melhorar os resultados e acabar por distinguir os projetos que têm qualidade, dos outros que consomem recursos, mas não apresentam resultados.

As medidas que atrás elenquei são alguns dos exemplos, que permitirão criar alicerces mais fortes nos clubes, desenvolver com mais e maior qualidade os atletas de formação, e que funcionarão como base para darmos um salto qualitativo no futuro, com natural impacto no Basquetebol sénior e profissional, quer seja ao nível das competições domésticas, quer internacionais, onde, parece, parámos no tempo. Enquanto lá não chegamos, é preciso olhar para o espetáculo e dotá-lo de elementos que tornem o Basquetebol novamente atrativo para levar os espectadores aos pavilhões e atrair patrocinadores.

É fundamental voltar a criar um elán em torno do Basquetebol, em particular nos escalões seniores, adicionando as características que fazem de muitos desportos um fenómeno cultural de massas e de vendas, pelo entretenimento que proporcionam e os ídolos e referencias que geram. Muitas das competições de sucesso que vemos hoje em dia nos media são pertencentes a organizações privadas, que tiveram a capacidade de criar em torno delas um ecossistema capaz de proporcionar espetacularidade, doses de entretenimento, audiências e receitas, muitas vezes até em desportos inesperados, como o tiro ao arco, ou o snooker.

O caminho do profissionalismo e de uma maior autonomia financeira é um caminho que tem de ser percorrido por aqueles que acreditam na modalidade, no papel fundamental que desempenha na formação de jovens e atletas e em nome de um dos desportos mais espetaculares do planeta, e que em Portugal não tem a dimensão e importância que lhe é reconhecida além-fronteiras.

Infelizmente, muitos ficarão pelo caminho, mas essa será uma seleção natural, que resultará da maior ou menor capacidade de cada um dos agentes desportivos, dos agentes económicos que os rodeiam e do facto de os recursos serem limitados.

 

por Tiago Torégão

29-05-2022

Economista

Presidente da Assembleia Geral da A.B. Algarve







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