A árvore do Treinador - por Mário Silva


No desporto norte-americano. principalmente no universitário, existe um conceito dificil de traduzir para português, mas que considero muito interessante: "Coaching Tree" (McKeon, 2018).

Estas palavras, que significam algo como a “Árvore do Treinador “, dizem respeito a uma espécie de árvore genealógica dos treinadores principais em relação aos seus auxiliares que, posteriormente, se tornam primeiros treinadores e assim por diante, criando uma espécie de relação de ancestralidade entre os treinadores que se influenciam uns aos outros, através de seus ensinamentos e exemplo.

Esta “árvore” tem diferentes ramos, que indicam a influência de alguns treinadores sobre outros, não sendo essa relação sempre a de treinador principal com a de adjunto.

 

Johm Wooden influênciou com o exemplo.

Figura 1 – John Wooden. Foto SI 2010.

Esta relação de ascendência de alguns treinadores é muito acentuada nos EUA onde o respeito e gratidão pelo passado são uma constante.

Sem a menor dúvida, John Wooden, UCLA (figura 1), foi o treinador mais influente do século passado.

Em 2009, a revista Sporting News (“Sporting News’ 50 Greatest Coaches,” 2009) publicou uma lista dos 50 melhores treinadores de todos os tempos e John Wooden foi eleito o maior da história do desporto norte-americano.

Depois de se reformar, após 42 anos como treinador, passou os 34 anos seguintes a escrever livros, a dar palestras e a influenciar treinadores de todo o mundo.
Os treinadores que procuram um mentor podem aprender muito com John Wooden um dos maiores treinadores da história do basquetebol.

Na UCLA, venceu o campeonato da NCAA por 10 vezes, no período de 1964 a 1975, com uma grande variedade de jogadores, sem que os seus princípios tenham sido alterados.

Figura 2 – Três mentores tiveram uma profunda influência no estilo de liderança de John Wooden – Foto em Wooden (2005).

John Wooden foi igualmente influenciado por três treinadores (figura 2), cada um deles contribuiu significativamente para a sua formação como treinador, nomeadamente no que ensinava e como ensinava.

Wooden treinou gerações de jogadores ensinando os fundamentos do basquetebol, a disciplina, a paciência e o trabalho de equipa. Ao mesmo tempo que influenciou também a vida de muitos treinadores com o seu exemplo

 

Os muitos discipulos do coach “K”.

Mais recentemente Michael William Krzyzewski, mais conhecido por "Coach K", foi referência, para treinadores de todo o mundo.

A “árvore” deste treinador faz parte da história da NCAA, juntamente com os títulos nacionais conquistados e o número recorde de vitórias na prova.


Figura 3 - O 'coaching tree' de Mike Kryzewski, legendario treinador de Duke - Foto

Duke Basketball on Instagram 2007.

A lista de seguidores do coach “K”, (figura 3), é vasta e entre outros contempla: David Henderson trabalha no “scouting” dos Cleveland Cavaliers; Tommy Amaker é o actual treinador principal da Universidade de Harvard; Quin Snyder é técnico do Utah Jazz; Johnny Dawkins, depois de liderar a Universidade de Stanford de 2008 a 2016, agora treina a Universidade da Flórida Central; Billy King foi “G.M” dos Philadelphia 76ers e dos New Jersey/Brooklyn Nets; Danny Ferry foi “GM” dos Cavaliers e Atlanta Hawks e New Orleans Pelicans. O atual “GM” dos Sixers é Elton Brand, que jogou em Duke no final dos anos 90. Mike Dunleavy Jr. é assistente de “G.M.” dos Golden State Warriors, enquanto Shane Battier é consultor dos Miami Heat.

Bobby Hurley, um base dominante de Duke no início dos anos 90, é o técnico principal do Arizona State; Grant Hill é proprietário minoritário dos Hawks; e Trajan Langdon é GM dos Pelicanos. Mike Brey, treinador principal do Notre Dame desde 2000, é ex-assistente de Krzyzewski. Outros treinadores universitários que jogaram no Duke pelo Coach K incluem Jeff Capel (Pitt), Chris Collins (Northwestern), Kenny Blakeney (Howard) e Greg Paulus (Niagara).

O sucessor do técnico” na Universidade de Duke é jovem Jon Scheyer, que jogou para Krzyzewski.


A escola “Jugoslava” e a escola Espanhola.

Esta relação de ascendência de alguns treinadores sobre outros é muito acentuada nos EUA, mas também ocorre na Europa, onde o cenário de trabalho é um pouco diferente.
No basquetebol europeu são reconhecíveis várias “Coaching Tree” com o basquetebol da antiga Jugoslávia e da Espanha a terem papel importante:


• Aleksander 'Asa' Nikolic unanimemente considerado o pai do basquetebol jugoslavo e, portanto, do sérvio, do esloveno, do croata, do montenegrino e bósnio, teve como adjuntos, no passado, em clubes ou selecções nacionais, Mirko Novosel, Ranko 

Zeravica e, mais recentemente, Bozidar Maljkovic, Bogdan Tanjevic, Dusan Ivkovic, 

Svetislav Pesic e Zeljko Obradovic, todos eles são campeões europeus, em diferentes clubes ou selecções nacionais.

Fig. 4- Obradovic com Asa Nikolic, o pai do basquetebol jugoslavo – Foto Košarkaška nostalgija 2018.

É impressionante como Nikolic, (figura 4), conseguiu influenciar tantos treinadores que moldaram o basquete europeu durante décadas.


• Aíto García Reneses a maior referência do basquetebol espanhol continua a influenciar treinadores.

Figura 5 – Aito e eu no banco dos suplentes. Foto 2023.


Num passado recente acompanharam o Mestre Aito, (figura 5) no banco: Sito Alonso, Israel González, Manel Comas Joan Plaza, Carles Durán ou Joan Montes entre muitos outros.

 

E em Portugal qual é a principal “Coaching Tree”?

Figura 6 – No meu caso particular, comecei a treinar muito jovem com o Professor Mário Lemos, um treinador por todos respeitado, que teve grande sucesso no Sporting, foi seleccionador nacional e treinou também o Técnico, o Benfica e o CIF. Foto 2023.

Ao longo de vários anos, o professor Mário Lemos ensinou a jogar um número incontável de grandes jogadores.

Com ele, aprendi a gostar da modalidade, a dar importência aos fundamentos técnicos e que, independente do número de jogadores e das condições atmosféricas, tinhamos sempre treino. Muitas vezes treinávamos ao ar livre com ou sem chuva.

O Prof. Mário Lemos, (Figura 6), foi um dos maiores educadores do basquetebol nacional, com grande prestígio internacional, introduziu o Minibásquete em Portugal quando era professor no Colégio Militar. Recordo com saudade os seus torneios-convívio, onde dei os primeiros passos como treinador. Para surpresa de muitos o Professor aceitava nos seus torneios equipas mistas e equipas constituídas por jovens de clubes diferentes.

 

O Prof. Eduardo Monteiro, também meu ex-treinador, resume bem a importância que teve do Professor, em todos nós treinadores, “Mário Lemos, foi o Professor, o educador, o grande Mestre que todos nós escutámos, respeitámos e procurámos imitar nos mais pequenos pormenores” (“Prof. Mário Lemos faria hoje 86 anos,” 2008).

 

O Mestre dos Mestres

Figura 7 – Em 1972/73 o Prof.Teotónio Lima regressou ao S.L. Benfica com novos objetivos, uma vez que o clube queria competir a um nível europeu. Foto 2023.

Para esse efeito, a equipa foi reforçada com um jogador norte-americano com grande currículo no basquetebol universitário (Seabern Hill).

A equipa era constituída por três figuras: o internacional José Alberto (recentemente falecido), Joaquim Carlos e Armando Simões, a quem se juntaram vários talentos mais jovens onde eu estava incluído.

Essa época marcou claramente a minha carreira de jogador e de treinador. Avançado no tempo, o Prof. Teotónio Lima, figura 7, marcou muitas gerações de treinadores e naturalmente a mim também.

O Mestre dos Mestres Prof. Teotónio Lima não foi excepção e também ele seguiu o treinador norte-americano Claire Bee, Figura 8:

“Eu tive de aprender a fazer, tive de procurar os modelos a seguir e tive de treinar a execução de todas as técnicas do basquetebol. Para o conseguir passei a consultar a bibliografia que vinha dos Estados Unidos, em especial os livros de Clair Bee, treinador da Universidade de Long Island, que nos esclareciam sobre todos os aspectos fundamentais das técnicas e das tácticas do basquetebol” (Lima, 2014).

Figura 8– The Science of Coaching (The Clair Bee Basketball Library). Foto 1942 
O treinador dos treinadores.

 

Figura 9 – Quem sempre partilhou informação e procurou ajudar outros a melhorar competências foi o Prof. Jorge Araújo que foi meu treinador numa Seleção Nacional de Juniores e ainda hoje é o meu “orientar técnico” -. Foto 2023.

No final da década de 1960 o Prof. Jorge Araújo, Figura 9, começou a deslocar-se com regularidade a Espanha, onde em Salamanca assistiu a um Clinic dirigido por Ed Jucker que o marcou para toda a carreira.

Amigo de Aito, cedo entendeu que na Catalunha a modalidade tinha outra expressão.
Ao longo dos anos, sempre foi o meu mentor, confidente, professor, guia, ouvinte e um solucionador de problemas até aos dias de hoje

 

Conclusão

Os Professores Mário Lemos, Teotónio Lima e Jorge Araújo tinham em comum a capacidade de nos ouvirem, mesmo que nós soubéssemos que não era fácil chegar a eles.
Faziam perguntas, incentivavam a que encontrássemos as nossas próprias respostas dando não só “feedbacks” positivos, como também críticas construtivas.
Nem sempre me diziam o que queria ouvir, mas sempre foram honestos e diretos comigo.
Não me restam dúvidas da necessidade dos treinadores continuarem a procurar um mentor que os possa ajudar a crescer, desenvolver e a atingir seu potencial máximo.

Um bom mentor pode ajudar um treinador a ter sucesso.

Mesmo sabendo que o número e a qualidade dos mentores não abundam na atualidade fica aqui o desafio aos mais jovens: procurem um Mentor.

 

Referências

 

Lima, T. (2014). De Jogador a Treinador: Um contributo para a história do treino e da pedagogia do desporto. Visão e Contextos.

McKeon, K. (2018). Coaching Trees: A Family Affair. Retrieved October 12, 2018, from https://www.three-man-weave.com/3mw/2018/5/16/coaching-trees-a-family-affair

Prof. Mário Lemos faria hoje 86 anos. (2008). Retrieved December 18, 2008, from https://www.planetabasket.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4270:prof-mario-lemos-faria-hoje-86-anos&catid=114:lendas-mario-lemos&Itemid=335

Sporting News’ 50 Greatest Coaches. (2009). Retrieved August 2, 2009, from https://pickinsplinters.com/2009/08/01/sporting-news-50-greatest-coaches/

Wooden, J. (2005). Wooden on Leadership: How to Create a Winning Organizaion. New York, NY, USA: McGraw-Hill.

 

por Mário Silva

1-11-2023








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