LANÇANDO-SE NA RELAÇÃO… - por João Silva (Juca)


Se analisarmos em detalhe a complexidade existente na confrontação das relações entre treinador e atleta, constatamos que este será provavelmente um dos maiores desafios que o treinador enfrenta na liderança de um processo de trabalho. Não é possível viabilizar a concretização eficaz de um qualquer modelo competitivo, independentemente dos seus conteúdos, se não houver um compromisso coletivo em redor dos objetivos determinados. O rendimento coletivo deve incluir algo mais do que a participação de cada um. Este, deve admitir a ligação necessária entre os respetivos elementos, para que se produza a coesão pretendida. É justamente nesta ligação de comportamentos que reside uma das maiores dificuldades na orientação de um programa que vise, sobretudo, resultados desportivos. Ao treinador compete a sua viabilização prática.

Independentemente das características individuais, devemos manter um evidente cumprimento das regras básicas de funcionamento e acautelar um correto entendimento sobre o respeito relativamente às diferenças observadas para cada um dos elementos. Não aceitar as especificidades de cada personalidade é condenar por antecipação todo e qualquer programa competitivo. Agir em função dos comportamentos, das atitudes, é assegurar, com elevada probabilidade, o sucesso de uma resposta coletiva adequada às exigências competitivas.

Neste sentido, será obviamente percetível a ideia que dar a mesma resposta a todos, isto é, assumir que as relações desenvolvem-se da mesma forma entre todos os elementos envolvidos, não poderá ser a postura mais ajustada embora, numa lógica de eventual boa pedagogia, por vezes se entenda que todos devem ser tratados por igual. A dificuldade subsiste precisamente no entendimento claro de como devemos ajustar a nossa ação em função das personalidades que orientamos. Se todos têm comportamentos e capacidades distintas, nada mais natural do que encontrar soluções variadas para lidar com essas especificidades. Confirmo que esta é uma tarefa complexa e, presumivelmente, mais exigente do que a seleção dos conteúdos técnico-táticos para o modelo competitivo a utilizar.

Através da participação coletiva, é possível um aumento progressivo da produtividade e, pela forma rigorosa como se deve proceder aos ajustes necessários, admitirmos sempre a convicção plena de respeito pelas diferenças. Liderar de forma partilhada aumenta significativamente a responsabilidade dos autores relativamente às decisões tomadas, facilitando a aceitação das consequências que daí possam advir.

A relação estabelece-se fundamentalmente através da comunicação dinâmica, domínio este determinante para a promoção de atitudes e comportamentos que validem a consecução do programa a desenvolver. Neste quadro, o treinador assume um significado imprescindível na formação de jovens ao qual, deve corresponder com um conjunto de princípios, conceitos e valores que, por sua vez, vão condicionar a atividade proposta no processo de ensino/aprendizagem. Se numa saudável relação de trabalho adicionarmos talento e empenho, será naturalmente percetível que estamos perante um ambiente facilitador da aprendizagem e de onde irão surgir condições adequadas a um desenvolvimento equilibrado dos atletas envolvidos.

Perante a sofisticação inerente a este tipo de relação, é determinante existir um conjunto de comportamentos que colaborem na fortificação desse compromisso entre treinador e atleta. Neste sentido, pretendo partilhar algumas atitudes que, na minha visão, serão essenciais para que ambas as partes se sintam integrantes e confortáveis no seu desempenho relativamente ao projeto que visam promover. Ao treinador cabe liderar e saber que significativa parte dessa responsabilidade advém da partilha que estabelece com os seus atletas. Perante este facto, treinador e atleta devem, entre os muitos conteúdos a trabalhar, conhecer e comprometer-se de forma coerente na sua relação. Sabemos também que este tipo de compromisso e coerência, contribui para simplificar a tomada de decisão relativamente a eventuais adversidades que surjam no percurso de trabalho.   

É necessário investir com qualidade no relacionamento estabelecido entre treinador e atleta. Esta constatação advém da permanente convivência que estes mantêm no desenvolvimento da sua ação. O ato de compreensão, entendimento, conhecimento do outro, requer que ambos queiram conhecer-se, não sendo esta tarefa uma conduta de fácil execução. Porém, gostaria de salientar algumas das atitudes que um e outro devem dominar para que a sua ligação seja dinamicamente saudável.

Entre os muitos comportamentos verificados no decurso do seu relacionamento, deve o atleta saber que algumas das suas atitudes não agradam o treinador, sendo naturalmente desejável que as possa evitar, ou mesmo anular, durante o seu processo de formação. Entre as muitas que aqui possamos enquadrar, destacarei aquelas que no meu entendimento são mais pertinentes:

- LINGUAGEM CORPORAL DESADEQUADA - conjunto de movimentos, posturas, gestos, pequenas expressões evidenciadas que são percecionadas pelo treinador como rejeição à sua informação ou desinteresse pelo trabalho. Este comportamento prejudica significativamente o empenhamento do atleta na tarefa solicitada;

- IMPEDIR O MOVIMENTO DA BOLA – sabemos que o movimento da bola juntamente com o dos jogadores é um dos aspetos mais determinantes para o sucesso atacante. Sendo assim, atletas que no momento da receção não demonstrem “agressividade” na tomada de decisão (lançar, progredir com o drible ou passar) impedem fortemente a criatividade coletiva, tornando assim mais previsíveis as soluções ofensivas da equipa;

- UTILIZAÇÃO EXCESSIVA DO DRIBLE – a utilização do drible deve obedecer a regras que promovam a progressão no campo na direção pretendida, nomeadamente no ataque ao cesto. A utilização excessiva do drible pode comprometer o envolvimento coletivo, tornar mais previsível as ações ofensivas de uma equipa e assim, facilitar as ações defensivas;

- MÁ SELEÇÃO DE LANÇAMENTO – embora os jogadores possam dominar a técnica de lançamento (COMO lançar), devem estes saber concretamente QUANDO e ONDE devem lançar de acordo com as condições criadas para esse efeito. Caso contrário, a eficácia do lançamento será comprometida;

-  NÃO PARTICIPAR NO BLOQUEIO DEFENSIVO – temos a clara noção que um dos aspetos que mais significado tem em termos ofensivos são os segundos lançamentos. Esta capacidade de ressaltar ofensivamente, permite às equipas corrigirem os lançamentos falhados e assim, aumentarem a sua capacidade de concretização. Anular defensivamente esta provável vantagem ofensiva, passa necessariamente por todos participarem no bloqueio defensivo. Este é um dos conteúdos que mais coesão promove na estrutura defensiva de uma equipa;

- IGNORAR O “SCOUTING REPORT” (PLANO DE JOGO) – individualizar excessivamente o seu comportamento no jogo, ignorando algumas das regras programadas no plano coletivo, evidencia desconexão entre os elementos e, sobretudo, anula a possibilidade para que a equipa possa cumprir as ações devidamente preparadas para a especificidade de determinado jogo. A criatividade dos jogadores não pode ser confundida com indisciplina generalizada relativamente ao plano previsto: ser criativo perante um contexto de organização coletiva;

- JUSTIFICAR OS FRACASSOS – nada mais perturba os treinadores do que jogadores que justificam sempre os seus fracassos, mesmo que esporádicos, com base no comportamento de outros. Aceitar os episódios de correção faz parte do processo de ensino/aprendizagem e devem os jogadores ter a perceção que a modificação de comportamentos inapropriados parte essencialmente da sua própria vontade. Não aceitar esta noção, inviabiliza o normal funcionamento do trabalho e inibe o conforto na relação entre jogador/treinador. 

 

Naturalmente que pela reciprocidade na relação entre treinador e atleta, a liderança deve ser vista numa logica de partilha de ideias sem que isso comprometa obviamente a excelência da influência do treinador neste processo. Que cada um compreenda as suas responsabilidades no processo, elevando assim a maturidade emocional dos intervenientes e, por via desse facto, se possa desenvolver uma saudável consciência pelo trabalho ambicionado. Pois, com base nesta lógica de recíproca relação, deve o treinador estar consciente para algumas atitudes que o atleta não gosta de observar no elemento que o lidera: o seu treinador. Uma vez mais farei menção daquelas que no meu entendimento são as mais pertinentes:

- FALTA DE LEALDADE – Ao líder (treinador) compete preservar a sua honestidade e honrar compromissos. Se por algum motivo estas características deixarem de ser observáveis, será naturalmente difícil manter uma boa relação entre todos os elementos;

- DESCONTROLO EMOCIONAL – As atitudes do treinador perderão credibilidade perante os seus jogadores se estes observarem no seu líder comportamentos egocêntricos: não reconhecer as suas fraquezas, não conseguir gerir as suas emoções e, sobretudo, falta de sensibilidade para perceber as emoções dos seus atletas (saber ler os silêncios dos seus atletas);

- COMUNICAÇÃO INAPROPRIADA - A comunicação é um aspeto essencial para a criação de um ambiente de trabalho favorável a um bom desempenho, nomeadamente porque assume um papel determinante na liderança. A ausência total, parcial ou inapropriada de comunicação resulta em comportamentos desconexos relativamente aos objetivos definidos, originando um mau desempenho e omissão de consciência organizacional. Se aos atletas for percetível no seu treinador uma inaptidão para dominar este tema então, a sua relação será naturalmente inservível. Neste sentido, é fundamental que o treinador tenha noção da importância de saber comunicar e, particularmente por esse facto, possa praticar a sua forma de transmitir/absorver informação. Sendo assim, deve o líder treinar as suas habilidades de comunicação tendo como referência os seguintes aspetos:

  • Pedir o feedback da equipa;
  • Ouvir antes de falar;
  • Responder de forma direta;
  • Adequar a mensagem ao público-alvo.

 

- NÃO PROMOVER O PENSAMENTO ESTRATÉGICO/CRIATIVIDADE – Na minha perspetiva a liderança será sobretudo sustentada num processo de partilha de informação. Para que esta ideia seja executável, é importante os atletas sentirem que têm oportunidade de participar de forma criativa no desenvolvimento do programa de trabalho, encontrando respostas adequadas aos problemas que vão surgindo, enquadrados numa lógica de ação coletiva. Ao constatarem que o treinador não promove o pensamento estratégico dos seus atletas, que apenas desenvolve sistemas que visam reproduzir de forma rígida o seu próprio pensamento, que impede qualquer tipo de ação criativa, os atletas tendem para comportamentos desviantes e, em função da sua desmotivação, vão criar perturbações graves na relação com o seu líder;

 

- NO INSUCESSO EVITA ASSUMIR A RESPONABILIDADE – É necessário saber lidar com o fracasso. Ignorar que existirão momentos menos bons no decurso do processo de desenvolvimento de um programa de trabalho é colocar-se numa posição desajustada com a realidade. Ficar aquém das expectativas deve ser motivo para viabilizar novas oportunidades de crescimento através do pensamento criativo. Ao líder compete assumir a responsabilidade pela transformação de uma dificuldade numa oportunidade para corrigir, motivando todo o grupo de trabalho nesse sentido. Evitar este facto e justificar o fracasso, muitas vezes em exclusivo, com base no comportamento dos atletas será obviamente inibidor de um relacionamento satisfatório. Tal como os seus atletas, o treinador deve praticar o domínio das suas responsabilidades e assumir nesses momentos menos agradáveis a liderança do processo:

  • Tomando decisões quando os objetivos não forem atingidos e apresentar soluções;
  • Explicando as razões porque esses objetivos não foram alcançados;
  • Apresentando formas práticas para resolver os problemas verificados.

 

- DEMONSTRA DESINTERESSE – Nada mais perturbante para a motivação dos atletas do que estes observarem atitudes do seu treinador que possam demonstrar desinteresse na sua ação. A paixão pelo jogo é um dos aspetos mais significativos para a criação de um ambiente de trabalho facilitador da aprendizagem. Por este motivo, deve o líder ser o principal mentor desta dinâmica educativa, evidenciando entusiasmo, compromisso, criatividade, dedicação, determinação. Assim sendo, o processo de desenvolvimento de uma equipa será naturalmente enquadrado dentro de um espírito conveniente e de maior probabilidade de ser bem-sucedido.

 

- NÃO CONHECER AS TENDÊNCIAS DA EVOLUÇÃO DA MODALIDADE – É exigível a um treinador conhecer e dominar em detalhe os conteúdos que fazem parte do programa a conduzir aos seus atletas. Se pensarmos que na atualidade existem permanentemente adaptações feitas para que o jogo seja mais espetacular, facilmente compreendemos da necessidade para seguir essas tendências e moderar a ação de acordo com a realidade. Ser persistente e procurar incessantemente aprender para ensinar. Não dominar as técnicas, táticas, a sua interação e tendências evolutivas, torna a ação do treinador com pouca evidência credível para os seus atletas. Por este facto, esta observação condiciona fortemente a relação entre treinado/atleta comprometendo o sucesso do trabalho que daí advém.

 

 

A intensão ao apresentar este conjunto de atitudes de atletas e treinadores visa demonstrar que a relação entre ambos tem como base um princípio de confiança recíproca, respeito, determinação, conhecimento, cooperação, comunicação e compreensão, sendo estes aspetos essenciais e que podem potenciar um desempenho de sucesso e satisfação. Por contraste, desrespeito, ofensa verbal, inaptidão cognitiva, dominância e falta de confiança são fatores nocivos, podendo lesar o bem-estar de ambas as partes e, por consequência, refrear o processo de desenvolvimento pretendido.


por João Silva (Juca)
12-11-2023












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