A Defesa Livre - por Mário Silva


Os conceitos "A bola é nossa" e "Defesa livre" são fundamentais no ensino da defesa nos escalões de formação.

Ao explicar a uma criança de 8 a 12 anos que a bola "é nossa", mesmo quando está com a outra equipa, ela tende a reagir com um desejo natural de recuperá-la. Essa abordagem ajuda a promover a competitividade desde cedo, com o treinador a ensinar a técnica e a tática individual, para concretizar esse objetivo.

A "Defesa Livre" incentiva os jogadores a lerem as situações de jogo e a decidirem a melhor opção defensiva em cada momento. Essa abordagem desenvolve a capacidade de tomar decisões em campo, baseada na vontade de vencer, experiência adquirida e hábitos. Para o treinador, isso exige um conhecimento mais profundo e a habilidade de guiar os jogadores na aquisição desses hábitos, sem proibições que limitem a aprendizagem.



O conceito de "Defesa Livre"

O Clube Estoril Basket recebeu os experientes treinadores catalães Jou Marimon e Jordi Serra (Figura 1). Os treinadores do clube tiveram a oportunidade de trocar ideias e conhecer o trabalho desenvolvido na modalidade em Espanha.

Figura 1 – Jou Marimon e Jordi Serra, treinadores  da Catalunha. Foto Mário Silva.

Troco correspondência com ambos regularmente e, em um dos últimos e-mails (18/11/2023), eles reforçaram o que já haviam dito no Estoril: "Defensa libre es tan solo la idea que utilizamos en el club para que nuestros jugadores de U10 a U13 aprendan a leer las situaciones del juego y decidan cuál es la mejor opción defensiva en cada."

A expressão "Defesa Livre" refere-se a um conceito tático no qual os jogadores são incentivados a avaliar a situação do jogo em tempo real e tomar decisões defensivas adequadas. Em vez de seguir um esquema rígido, o objetivo é que os jogadores desenvolvam a habilidade de ler o jogo, identificar ameaças e escolher a melhor estratégia defensiva para cada momento específico. Essa aprendizagem é especialmente crucial para os atletas mais jovens, que precisam desenvolver a capacidade de interpretar as situações do jogo e decidir a melhor opção defensiva para cada circunstância.

Assim, como fazemos no ataque, queremos que o jogador compreenda, na defesa, o motivo de suas decisões táticas, o que elas implicam e como reagir às decisões dos companheiros. A abordagem geral no trabalho defensivo não se limita apenas aos hábitos necessários no 1x1, mas também enfatiza a tomada de decisões na defesa, favorecendo-a em vez de impor rotações defensivas. O fundamental é insistir na defesa 1x1 como o conceito básico, sem o qual não podemos progredir.

 

Uma defesa livre e proativa

A defesa livre e proativa no basquetebol tem como objetivo iniciar a ação a partir da defesa, reconhecendo que o jogo é uma constante troca de ações e reações. Embora não seja possível defender de forma proativa o tempo todo, essa abordagem  destaca-se pela sua imprevisibilidade, antecipando as jogadas do ataque e envolvendo todos os jogadores numa ação coletiva. A comunicação é crucial, especialmente em momentos-chave, como após descontos de tempo, lances livres ou no início dos quartos.

O objetivo da defesa proativa não é apenas roubar a bola, mas também impedir que o ataque execute as suas movimentações habituais, criando caos e enriquecendo a tática da equipa.

No entanto, é fundamental avaliar os custos e benefícios dos riscos envolvidos. A defesa proativa caracteriza-se por ações que surpreendem o ataque, impedindo-o de executar as suas jogadas desejadas. Para que isso aconteça, é essencial que os defensores possuam uma compreensão profunda do jogo, o que lhes permite antecipar as jogadas adversárias e tomar decisões defensivas eficazes.

A defesa proativa não se limita a reagir ao ataque; ela procura influenciá-lo e controlá-lo, garantindo que a equipa adversária não consiga atuar da forma que gostaria.

 

Exemplos de defesa livre e proativa

Vamos tomar como exemplo a aplicação individual do conceito de defesa livre e proativa na marcação ao jogador com bola em drible por todo o campo. O defensor avalia a situação do jogo e as características do adversário direto para tomar decisões apropriadas em tempo real.

A técnica defensiva para evitar a penetração do atacante em direção ao cesto envolve uma combinação de posicionamento, distância, movimentação e uso adequado do corpo para bloquear o caminho do adversário.

O objetivo do defensor é impedir que o atacante penetre em direção ao cesto. Para isso, ele deve seguir a regra básica de manter sua posição entre o atacante e o cesto, evitando que o adversário realize uma entrada fácil.

Figura 2 – Qual a distância ideal para mancar Curry? A grande dúvida de todos os adversários. Foto

Em relação à distância de marcação ao jogador com bola em drible, em situações normais, uma distância de um braço (Figura 2) é geralmente apropriada. No entanto, a variabilidade na abordagem defensiva em relação à distância de marcação resulta de uma combinação de fatores, como as características dos jogadores, a situação do jogo, a estratégia da equipa e a leitura das ações em tempo real.

Numa defesa livre e proativa, os jogadores são treinados para criar incertezas e dúvidas no atacante, influenciando suas decisões no jogo. Para isso, eles variam a distância de marcação, alternando entre distâncias mais curtas e mais longas, o que cria dificuldades para o atacante e, em alguns casos, força uma violação da regra dos 8 segundos.

Luis Riera, treinador espanhol de basquetebol, é conhecido por enfatizar o uso inteligente do corpo na defesa, destacando a importância de controlar o espaço e aplicar pressão de maneira estratégica para desestabilizar o adversário.

Figura 3 . Luis Riera. Foto Wikipedia 2024.

Riera (Figura 3) ensinou: “como variar a distância de marcação e como utilizar o corpo de forma adequada para influenciar as opções e o comportamento do atacante, ajudando a desenvolver jogadores que aplicam técnicas defensivas eficazes” Riera (2022).

Para acompanhar o atacante, o defesa usa o “slide” e o “cross step”, cada um com uma função específica na contenção do atacante.

O slide é o movimento lateral básico que o defensor utiliza para acompanhar o atacante enquanto mantém uma postura baixa e equilibrada. A ideia é que o defensor seja capaz de se mover rapidamente, mantendo sempre o atacante à frente e controlando o espaço de forma eficaz.

O cross step, ou passo cruzado, é utilizado em situações em que o slide não é suficiente para acompanhar a velocidade ou a mudança de direção do atacante.  Neste movimento, um pé cruza na frente do outro, permitindo uma rotação rápida do corpo.

Figuras 4 e 5 - Para acompanhar  o atacante o defesa usa oslide” e ocross step”. Foto SINEB 2022.

Ambos os movimentos são importantes para a defesa, e sua aplicação correta depende da situação específica no campo. O slide é ideal para manter o equilíbrio e a posição quando o atacante se move lateralmente, enquanto o cross step é útil para se ajustar rapidamente a mudanças inesperadas na direção do atacante. O treino dessas técnicas pode ajudar a desenvolver a habilidade do defensor em aplicar uma defesa eficaz e inteligente.

Figuras 6, 7 ,8 e 9 - Riera enfatiza o uso do peito e dos ombros para absorver o contato e criar resistência sem cometer faltas. Foto SINEB 2022.

A forma mais básica de usar o corpo na defesa (Figuras 6, 7 e 8) é garantir um bom posicionamento inicial entre o atacante e o cesto, mantendo uma postura baixa e equilibrada, o que permite realizar movimentos laterais com rapidez. Embora o uso excessivo das mãos seja limitado, o contato corporal é legal e necessário.

 

O “Hand checking” e o cilindro…

No basquetebol, as regras sobre o controle do atacante com a bola e o uso das mãos, como o "hand checking" e a interferência no cilindro, são fundamentais para garantir um jogo justo e seguro, conforme estabelecido pelas regras da FIBA (2018).

Figura 10 - O “hand checking” é uma ação em que o defensor usa as mãos ou os braços para tocar, empurrar, ou restringir o movimento do atacante com a bola. Foto FIBA 2024.

Segundo as regras em vigor, o "hand checking" ao driblador é ilegal. Os defensores não podem usar as mãos ou os braços para controlar ou desviar o atacante de sua trajetória em drible. Isso é considerado uma falta e resulta em penalização. Pequenos contatos acidentais podem ser permitidos, mas qualquer uso das mãos que impeça a liberdade de movimento do atacante deve ser sancionado.

O princípio do cilindro refere-se ao espaço vertical que um jogador ocupa no campo. Imagine um cilindro invisível ao redor de cada jogador, que se estende desde o chão até acima de sua cabeça. Dentro desse cilindro, o jogador tem o direito de se movimentar sem ser invadido por outro jogador. Tanto os atacantes quanto os defensores têm o direito de manter-se dentro de seu próprio cilindro. O contato físico que ocorre fora desse cilindro, como invadir o espaço do oponente ou empurrar com o corpo ou braços, é geralmente considerado uma falta.

Assim, o defensor deve manter sua posição dentro de seu cilindro ao contestar o movimento do atacante. Ele não pode estender braços ou pernas para fora desse espaço, pois isso poderia restringir o movimento do atacante.

Essas regras são essenciais para preservar o espírito do jogo. Os jogadores não podem recorrer ao físico em detrimento da habilidade e da técnica, que são os principais fatores determinantes no desempenho das equipas.

 

“Novas regras”  nos J.O.

Contudo, nos recentes Jogos Olímpicos, a seleção do Canadá adotou uma abordagem defensiva agressiva em relação ao portador da bola, que claramente subverte as regras estabelecidas. O jogo entre Grécia e Canadá revelou uma “nova” realidade defensiva, destacando uma forma de jogar que desafia as normas tradicionais de defesa.

Figura 11 – Jordi Fernández , treinador do Canadá formou-se em Educação Física na Universidade de Barcelona e iniciou sua carreira de treinador no basquetebol em nível universitário e nas ligas menores da Catalunha. Foto FIBA 2024.

A seleção nacional de basquetebol do Canadá apresentou um estilo defensivo distinto e eficaz nos Jogos Olímpicos, refletindo a filosofia e a abordagem tática de Jordi Fernández (Figura 11). Fernández é conhecido por sua capacidade de adaptar estratégias defensivas conforme as características dos adversários.

A equipa canadiana frequentemente ajustou suas abordagens defensivas durante os jogos para explorar as forças e fraquezas dos oponentes. Adotando uma abordagem agressiva, o Canadá aplicou pressão constante no portador da bola, forçando erros como dribles ou passes imprecisos. A equipa demonstrou uma sólida compreensão das estratégias defensivas, utilizando essa inteligência para criar turnovers e explorar os erros dos adversários. A seleção foi treinada para manter uma agressividade disciplinada, focada em evitar faltas desnecessárias, enquanto mantinha boas posições defensivas.

Figuras 12,13,14,e 15 - Todos os jogadores da equipa Olímpica do Canadá defenderam o portador da bola com o recurso ao “Hand Checking”.FIBA 2024.

A seleção do Canadá utilizou técnicas defensivas como o "hand checking" para aplicar pressão sobre o portador da bola e controlar o jogo (Figuras 12, 13 e 14). Essa abordagem foi eficaz em muitos aspetos, permitindo que a equipa muitas vezes defendesse de maneira mais agressiva do que o regulamento permite. O ajuste da defesa às exigências do jogo e às interpretações das arbitragens nos Jogos Olímpicos foi fundamental para o relativo sucesso da seleção.

Figuras 16 e 17  - Outros  jogadores levaram mais longe o contacto e usaram o antebraço para controlar o portador da bola. FIBA 2024.

O uso do antebraço para controlar o portador da bola foi uma prática recorrente de muitas seleções na França (Figuras 16 e 17). No contexto da seleção olímpica do Canadá, o uso do antebraço como ferramenta defensiva foi particularmente notável, especialmente devido à abordagem física da equipa.

Utilizar o antebraço permite ao defensor manter um contato físico adicional com o portador da bola, oferecendo um meio extra de controle e direcionamento. Isso é útil para prevenir penetrações e manter o atacante fora de sua trajetória ideal. Além disso, o antebraço foi empregue para interromper ou desestabilizar o movimento do portador da bola, forçando-o a ajustar seu jogo e potencialmente cometer erros.

Embora essa técnica seja eficaz, deve ser utilizada com cuidado para não violar as regras e evitar penalidades, garantindo que a defesa se mantenha dentro dos parâmetros regulamentares. No entanto, essa precaução nem sempre foi observada durante a competição.



Figuras 18,19,20 e 21 – Defesa com contacto com o peito e escondendo as mãos. FIBA 2024.

O uso do contato com o peito e a técnica de mostrar as mãos são métodos defensivos importantes para controlar o portador da bola e minimizar a possibilidade de faltas. O contato com o peito (Figuras 18, 19, 20 e 21) permite ao defensor manter uma presença física constante, bloqueando o caminho do atacante e evitando penetrações. Além disso, essa técnica ajuda a desestabilizar o jogador adversário, forçando-o a ajustar sua posição e tomar decisões mais difíceis. No entanto, durante os Jogos Olímpicos, nem sempre as regras foram cumpridas em relação a essas técnicas.


Figuras 22 e 23 - No basquetebol, técnicas defensivas como o uso da mão exterior para roubar a bola e posicionar a mão na linha de passe são essenciais para criar oportunidades de turnovers e interromper o ataque adversário. Fotos FIBA 2024.

O roubo de bola com a mão exterior (Figura 22) envolve o defensor usando a mão que está mais longe da linha central do corpo para tentar capturar a bola sem expor completamente seu próprio corpo. A eficácia dessa técnica depende do “timing” e da técnica, com o defensor precisando antecipar o movimento do atacante e estender a mão exterior no momento certo.

Já a técnica de colocar a mão na linha de passe (Figura 23) consiste em posicionar a mão para intercetar ou desviar passes do adversário, seja bloqueando a visão do passador ou cortando a trajetória do passe. A leitura do jogo é crucial para posicionar a mão corretamente e aumentar as chances de intercetação.

Ambas as técnicas são essenciais para interromper o ataque adversário e criar oportunidades para a defesa. É importante que sejam utilizadas de forma a respeitar as regras e evitar faltas, pois isso afeta significativamente o desempenho defensivo e a capacidade de controlar o jogo.

Lidar com a Agressividade

Figura 24 - Vassilis Spanoulis também expressou preocupações sobre o nível de contato físico permitido a defensores como Dillon Brooks e Lu Dort. FIBA 2024.

Vassilis Spanoulis (Figura 24) foi um dos maiores jogadores de basquetebol da Grécia e um ícone do basquetebol europeu, liderou a equipa olímpica grega.

Para lidar com a agressividade defensiva da equipa do Canadá, o treinador Spanoulis tentou várias abordagens.

"Fizemos muitos bloqueios iniciais para evitar a pressão" explicou Spanoulis sobre como tentou ajustar o ataque. "Tentamos levar a bola com o jogador oposto ao Dort, porque ele é muito bom na pressão da bola. Acho que começamos o jogo um pouco pressionados e eu não entendi isso. Levou-nos meio jogo para perceber que precisamos jogar um grande basquete, o nosso basquete, e mostrar nosso caráter. Esse tempo perdido foi muito" Basketnews. (2024).

De facto, tanto Brooks quanto Dort utilizaram e abusaram do contato físico na pressão defensiva, o que representou um desafio significativo para a equipa grega. A abordagem agressiva desses defensores criou dificuldades para Spanoulis e seus jogadores, exigindo ajustes táticos e estratégicos para lidar com a intensidade e a pressão impostas por eles.

Spanoulis também expressou preocupações sobre o nível de contato físico permitido aos defensores poderosos Dillon Brooks e Lu Dort.

"Acho que eles cometeram muitas faltas, mas os árbitros nada marcaram. Eles jogaram muitas vezes com as duas mãos e muitas vezes eu não entendia por que a situação era avaliada de forma diferente dos dois lados," disse Spanoulis. "Mas na segunda parte, aprendemos e fomos mais agressivos" Basketnews. (2024).

Conclusão:

A defesa livre permite que os jogadores corram riscos e tomem decisões dinâmicas. Para formar jogadores inteligentes, é essencial ensiná-los a ler o jogo e tomar boas decisões tanto no ataque quanto na defesa. Os jogadores precisam reagir rapidamente e ajustar as suas ações com base nas situações do jogo e nas reações dos companheiros de equipa.

Uma defesa proativa envolve uma atitude ofensiva na defesa. Defender de forma proativa significa atacar a equipa adversária com a defesa, criando problemas e incertezas para o ataque, o que aumenta a eficácia defensiva. Utilizar diferentes abordagens defensivas torna mais difícil para o ataque encontrar soluções, aumentando as dúvidas e dificuldades enfrentadas pelos atacantes.

Defender agressivamente é crucial para o sucesso. Uma atitude firme e uma técnica adequada ajudam a inibir o ataque e a controlar o jogo. O uso efetivo do corpo confere vantagens defensivas e pode inibir o ataque adversário. Recentemente, os Jogos Olímpicos mostraram uma tendência crescente do uso físico na defesa, especialmente contra o portador da bola. É necessário que a FIBA forneça orientações claras sobre o uso do corpo na defesa, para definir melhor os limites e permissões nas ações defensivas.

 

Bibliografia

Riera, L. (2022). Básicos defensivos en el baloncesto de formación. [YouTube video]. SINEB. Disponível em https://youtu.be/u--EBW5RHpQ?si=zdtXAhPSj8C3DDxg.

Basketnews. (2024, 27 de julho). Spanoulis reacts to Giannis' 34-point night, questions calls on Brooks and Dort. Disponível em https://basketnews.com/news-209716-vassilis-spanoulis-on-giannis-34-point-night-and-disagreement-over-brooks-and-dort.html.

FIBA. (2018). Regras oficiais do basquetebol. Federação Portuguesa de Basquetebol. https://www.fpb.pt/wp-content/uploads/2020/07/Regras_Oficiais.pdf

 

por Mário Silva

05-10-2024








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