QUAL É A IRONIA ESCONDIDA NA “TRANSIÇÃO”?
Nos anos 80, houve uma equipa que inovou na forma de jogar, ao passar a colocar 3 jogadores à frente da bola, na transição defesa-ataque, e com a incorporação do conceito de ataque rápido, “transição” ou “chegar jogando”, ao explorar o momento de conversão defensiva. Refiro-me aos Lakers de Pat Riley.
Esta inovação teve um enorme impacto no jogo, aumentando o número de situações em superioridade numérica, contra-ataque, e da rapidez com que se criavam situações de finalização em igualdade numérica, com o ataque rápido. Portanto, as pessoas que assistiam a este jogo divertiam-se, como se estivessem a assistir a um espetáculo e, por isso, este “estilo” de jogo foi batizado de “showtime”. Esta equipa ganhava? Sim, ganhou 5 Campeonatos da NBA.
Não sabemos ao certo qual foi a primeira equipa a explorar estas ideias em Portugal, até porque não vimos todos os jogos. Contudo, houve uma equipa com grande exposição que incorporou estas ideias. Recordo a equipa de basquetebol do F.C. Porto de Jorge Araújo, a sua “máquina” de fazer pontos e dar espetáculo. Esta equipa está entre um “punhado” de equipas, que ultrapassaram a fasquia da eficácia, ascenderam ao patamar da grandeza, de se tornarem memoráveis. Nesse “punhado” incluo, para o meu tempo de vida e até ao momento, o Sporting C.P. de Adriano Baganha, o S.L. Benfica de José Curado e depois de Mário Palma e a A.D. Ovarense de Luís Magalhães. Estas equipas foram dirigidas por pessoas que contrariaram a ideia de que “santos da casa não fazem milagres” e deixaram um legado. Por isso, merecem o devido reconhecimento.
A propósito e numa época de grande formação, seria louvável as entidades formadoras do Basquetebol promoverem um Clinic com estes Seis Srs. Treinadores a contarem como construíram equipas memoráveis. Estou certo que muitos poderiam aprender imenso com estes “case studies”. Aproveito para semear uma ideia, do mesmo modo que recentemente manifestei que veria com “bons olhos” haver o dia da defesa, também seria extremamente interessante haver o dia da gratidão, para se falar da história do basquetebol Português, reconhecendo o passado e projetando o futuro com as aprendizagens dos bons exemplos de jogadores, de equipas, de treinadores, de dirigentes que tenham contribuído para o enriquecimento da modalidade.
Voltando ao F.C. Porto de Jorge Araújo para chegar à ironia. Esta equipa estruturava-se em torno de quatro jogadores acima de dois metros e um base rápido, desequilibrador e lançador, e procurava sempre, como dizia Pep Laso (o Pai do atual Treinador do Real Madrid, Pablo Laso), que a bola deixasse jogadores para trás. Fazia-o quer em passe para qualquer um dos 3 jogadores à frente da bola, com especial destaque para o 1º “trailer”, agora convertido em “seta”; quer em drible, pelo base. Neste caso, o base “levava à letra” um dos conceitos ensinados aos bases, pela Point Guard Academy, nos EUA, isto é, o base dribla de “arco-a-arco”. Para os interessados em desenvolver bases, recomendo este programa.
Todas as situações em que o ataque estava em superioridade numérica eram para explorar, no contra-ataque. Este processo estimulou o treino da transição defensiva (ataque-defesa) e com ela, na dinâmica de evolução do ataque e da defesa, a procurar de novas possibilidades. Neste processo, percebeu-se que entre o momento em que as equipas recuperavam e começavam a defender havia uma janela de oportunidade. Isto é, as equipas estavam momentaneamente desorganizadas, o que levou, posteriormente, à melhoria da conversão defensiva, para colmatar este problema. Mas, entretanto, essa desorganização momentânea foi explorada pela referida equipa do F.C Porto, com a introdução da “transição” (ataque rápido ou chegar jogando). Poderia descrever minuciosamente os vários detalhes que esta forma de organização incluía, como por exemplo explorar o famoso “high-low”, mas com um ângulo completamente diferente, que diminuía o número de “turn-overs” e inibia as ajudas do lado contrário, mas não é esse o propósito.
A ideia a explorar é a de que a equipa procurava aproveitar a superioridade numérica, através do contra-ataque e, quando isso não era possível, tentava aproveitar-se da desorganização do processo de conversão defensiva, através da “transição” (como a designavam).
Esta equipa deixou de fazer contra-ataque? Não. Uma coisa (contra-ataque em superioridade numérica) é uma coisa e outra coisa (“transição” em vantagem organizacional) é outra coisa.
ISTO FUNCIONAVA?
Para quem nunca viu esta equipa jogar, inicialmente no Américo de Sá e depois no Rosa Mota, permitam-me descrever um pouco as experiências que provocava. O jogo era de uma intensidade, de uma velocidade, de uma antecipação, de uma eficácia e de uma beleza que dava gosto ver e ninguém ficava indiferente. As pessoas identificavam-se com a iniciativa da equipa, com o correr riscos (mesmo nas competições europeias), com o espetáculo, com os resultados e desfrutavam de uma experiência fantástica. Frequentemente a equipa tinha mais de 50 pontos ao intervalo e a jogar com equipas adversárias de muito bom nível.
ONDE ESTÁ A “PROMETIDA” ESCONDIDA IRONIA?
A “transição” surgiu como forma de continuar a jogar rápido, quando não havia superioridade numérica, isto é, a equipa corria para criar e aproveitar a superioridade numérica e só depois, e se não a conseguisse criar e explorar, é que tentava aproveitar a vantagem organizacional.
Contudo e ironicamente, hoje e com alguma frequência, assisto às equipas que querem jogar rápido a iniciarem a transição sem explorar o contra-ataque, desperdiçando o contra-ataque, a superioridade numérica e jogando lento, quando parece que querem jogar rápido. Portanto, facilitando o processo de recuperação e conversão defensiva da equipa adversária.
Levado ao exagero, seria como se a equipa construísse uma situação de 2x1 em contra-ataque, mas esperasse pelo segundo defensor para jogar 2x2 ou como um “surfista” deixar passar uma excelente onda (contra-ataque), na expetativa de que a seguinte (ataque rápido) pudesse ser melhor, como que trocando o certo pelo desconhecido. Estas equipas "querem" jogar rápido, mas ao procurarem o ataque rápido desperdiçam, paradoxalmente, o contra-ataque. Será que isto faz sentido, quando se quer jogar rápido?
UMA COISA (contra-ataque) é uma coisa e OUTRA COISA (“transição”) é outra coisa, não se deixe que a OUTRA COISA “mate” UMA COISA, se realmente se quiser explorar todas as potenciais falhas da equipa adversária, na transição ataque-defesa, jogando rápido.
As equipas não têm, não devem, nem provavelmente é aconselhável que joguem todas da mesma maneira, mas seria interessante que houvesse pelo menos uma, que explorasse estas ideias, em cada competição.
Até que um Clinic como o proposto aconteça, convido as pessoas com energia para FALAR DE BASQUETEBOL e que conheceram de perto as outras equipas memoráveis aqui referidas ou não mencionadas, a partilharem o que é que poderíamos aprender com Elas que ajudasse a melhorar o jogo no presente e no futuro.
Quem esquece o passado, desperdiça oportunidades de aprender, de emendar e esquecido será!
Quais foram as equipas portuguesas memoráveis para ti? Que ideias exploravam?
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