Introdução:
Os
jogadores inteligentes são os que têm capacidades para resolver problemas, vêm
e pensam o jogo de forma clara, decidem de forma autónoma, são criativos, mantem
o foco no que é importante, antecipam decisões, sabem jogar em equipa e criam muitas
dificuldades aos adversários.
Ao processarem a informação, a grande velocidade, conseguem
não só controlar os adversários e companheiros como também têm em conta a
importância do tempo e do marcador.
O que separa um bom jogador de um grande jogador é o
seu QI de basquetebol. O bom jogador só passa a ser um grande jogador quando
consegue melhorar o seu QI da modalidade.
Assim, um jogador inteligente conhece e domina os
aspetos mentais do jogo e está apto a tomar boas decisões.
A inteligência não está contemplada na folha da estatística,
mas é determinante nas vitórias e derrotas das equipas.
Um jogador inteligente está sempre um passo à frente
de todos, lê a defesa e o ataque e descobre o que vão fazer ajustando-se rapidamente.
Ao ler o livro de
Johan Cruyff é fácil entender a definição jogador inteligente:
“Todos
los entrenadores hablan sobre movimiento, sobre correr mucho. Yo digo que no es
necesario correr tanto. El fútbol es un deporte que se juega con el cerebro.
Debes estar en el lugar adecuado, en el momento adecuado, ni demasiado pronto
ni demasiado tarde”,
Para
Cruyff o jogador necessita não só de alta resistência física para se destacar
no futebol, mas também de outras capacidades como a orientação espacial, a habilidade
para calcular a velocidade de uma jogada e sobretudo concentração. Estas aptidões,
somadas à capacidade de resolução de jogadas, é o que preocupa os técnicos para
melhorarem os jogadores. Passou a ser conhecida como neuro-futebol, que não é
mais que a utilização de elementos da neurociência para a formação de jogadores
mais inteligentes.
O exemplo de Nicola Jokic
Atualmente na NBA pela capacidade atlética domina LeBron James tal
como no passado o fizeram Karl Malone ou Wilt Chamberlain.
Pela inteligência sempre gostei de ver Larry Bird, Magic Johnson ou
John Stockton e agora sigo com atenção Kevin Durant e o jovem sérvio Nikola
Jokic (Denver Nuggets).
Larry Bird (Boston Celtics) disse um dia: “O que mais me irritava quando
jogava era ter um atleta branco a defender-me. Para mim era igual se o defesa
fosse vermelho, amarelo ou negro, o que eu não queria mesmo era um branco
porque isso era desrespeitar o meu jogo. O basquetebol é um jogo de
Afro-Americanos.”
Bird não era tão rápido nem saltava tanto como os seus adversários negros,
mas era inteligente, dominava no lançamento, no passe, no conhecimento do jogo
e na tomada da decisão.
O basquetebol de Nikola Jokic (https://www.youtube.com/watch?v=sQgKvP2tsxM) e de Larry Bird (https://www.youtube.com/watch?v=3lt1x-k3QGU)
caracteriza-se pela
imprevisibilidade e eficiência. Provavelmente enquanto jovens não foram
sujeitos a processos de treinos lineares, e não lhes destruíram a capacidade improviso
e de resposta. Algumas vezes não seguiram certamente as indicações dos
treinadores e provavelmente repudiaram as práticas repetitivas de situações
invariáveis nos treinos com uma estrutura mecanicista.
Como se forma um basquetebolista inteligente?
Não
é fácil opinar se o talento dos ditos jogadores inteligentes é inato, fruto do
treino, ou dos dois.
Sabemos sim que a
inteligência tática também se educa. Para isso nada melhor que os treinadores criarem
condições para que os jogadores adquiram um conhecimento estratégico e tático do
jogo que lhes permita jogar de forma inteligente e que lhes facilite a tomada
decisões num meio hostil e em constante mutação.
As novas perspetivas da
aprendizagem do basquetebol têm
sofrido uma importante revolução com a ligação à neurociência.
Os conteúdos passam a ter não só as partes técnico-táticas, motoras (condicionais
e coordenativas), mas também levam em conta a parte psico-cognitiva.
Os jogadores aprendem
a partir de tarefas com implicações cognitivas e sempre relacionadas com o jogo. Tendo por base as habilidades
coordenativas, com as tarefas baseadas no trabalho em multiáreas (realizar
diferentes tarefas de forma a obrigar a trabalhar diferentes zonas do cérebro).
O grande objetivo é formar
jogadores inteligentes para o rendimento desportivo. Para isso temos de passar
dos modelos estanques e fora do contexto do jogo para modelos construtivistas
com base no treino cognitivo. O treino de basquetebol não faz grande sentido
descontextualizado já que não terá transferência para o jogo. Assim devemos
contextualizar as tarefas. Como diz o Prof. Jorge Araújo: “Treina como queres
jogar”.
O
Jogador como protagonista
No passado nos
desportos de equipa os treinadores tinham um excesso de protagonismo e faziam
quase tudo, oferecendo na maioria das vezes práticas descontextualizadas e sem
significado para o jogador, com aprendizagens fora da situação real de jogo.
No treino moderno os
treinadores definem os objetivos da tarefa e ajudam o jogador a encontrar o
caminho para lá chegar, antecipando as ações, ficando com mais tempo para
elaborar a resposta adequada. Os mecanismos visuais são os mais importantes
para entender os elementos do jogo. A atenção e a antecipação são determinantes
e estão ligadas ao conhecimento do jogo.
As necessidades
percetivas do basquetebol (espacial, temporal e corporal) estão relacionadas
com a posse da bola ou não, consigo e com os adversários e colegas de forma a
obter a informação.
Sabe-se também que
para que a aprendizagem seja duradoura é necessário que esta seja baseada em experiências
emocionais. As emoções influenciam na perceção, atenção e concentração, memória
e tomadas de decisão, rendimento físico e motivação.
O que se pede num
jogo de basquetebol é que cinco jogadores resolvam problemas em cenários com
grande imprevisibilidade de forma a concretizarem o objetivo do jogo: marcar
cesto.
Para isso temos de
deixar de ensinar a jogar de forma fechada e temos de passar a ensinar a jogar
de forma inteligente tomando em conta a incerteza do jogo.
Criar
incertezas
Como em todos os desportos
de invasão o basquetebol é incerteza. As dimensões reduzidas do campo obrigam a
tomar decisões instantâneas em função do que fazem companheiros e adversários.
O trabalho de
incerteza potenciará a inteligência e a criatividade tática.
A manipulação da incerteza
é o que provoca maior compromisso cognitivo no treino e por isso despertará
mais emoções e aprendizagens mais significativas.
Procuramos
assim novos desafios, situações supressivas e inesperadas provocando aprendizagens
implícitas à própria tarefa, onde o treinador não tenha de dar informação sobre
a decisão a tomar (Rivilla et al., 2018).
Com esta nova
metodologia a ideia é adaptar o músculo e o cérebro à imprevisibilidade e à
espontaneidade do basquetebol.
Como já referimos
esta metodologia alternativa é baseada no jogo.
Devemos também aumentar
a complexidade percetiva para isso temos de aumentar o número, velocidade e
tempo exposição aos estímulos.
Por outro lado,
devemos usar estratégias de inibição com elementos de distração, estímulos
inesperados e troca de papéis.
Do mesmo modo devemos
realizar exercícios que apelem à atualização da memória de trabalho (por
exemplo uso de duas bolas), tendo grande flexibilidade cognitiva (outras
soluções para um problema motor, diferentes meios técnico-táticos).
O basquetebol não é
um jogo simples porque temos de coordenar a tomada de decisão dos cinco jogadores.
Daí a procura dos jogadores e de um jogo inteligente que leva em conta não só a
fase de execução, na tomada da decisão, mas também a fase anterior da perceção.
Só com uma melhoria da leitura percetiva podemos conseguir jogadores mais
inteligentes, rápidos e com capacidade de antecipação.
O treino mudou
Com
a aposta na neurociência também o treino do basquetebol mudou. O treino atual
concentra a sua atenção no enriquecimento das habilidades cognitivas. A ideia é
incluir um estímulo cognitivo apropriado que provoque uma sobre estimulação no
jogador em cada tarefa do treino.
As
aprendizagens associativas, construtivas e com modelos técnicos
descontextualizados estão hoje ultrapassadas e o que impera é o treino
cognitivo e contextual.
Estas
alterações são naturalmente controversas e mantenho a opinião que os conceitos
podem ser complementares. Mas uma coisa é certa tanto nos modelos técnicos como
nos táticos, o processo gira à volta do treinador e do seu conhecimento.
Nos exercícios fechados o jogador apenas tem
uma solução, um caminho.
O desenho das tarefas vai exigir ao treinador
esforço e desafio antes e durante o treino e perde muito do controle do mesmo,
deve observar, analisar e corrigir. Quanto mais aberta a tarefa menos filas
teremos, menos jogadores estáticos e menos rotações complexas.
Tive
recentemente oportunidade de trabalhar com um jovem treinador (David Pascual)
que segue a denominada Escola da Catalunha. Por outro lado, o meu amigo Toni
Carrilo ofereceu-me recentemente o seu último livro: El entreno. Esto es Minibásquet. Sigo também, na net, o catalão Gabo Loaiza
Pérez (https://twitter.com/gaboloaizaperez) e
o canadiano Chris Oliver (https://basketballimmersion.com).
Em
comum todos eles utilizam a neuro ciência para ajudar na melhoria técnica dos
jovens atletas e para a formação treinadores.
A
escola tradicional dos Sérvios e Russos, que faziam da técnica individual (1x0)
o fator determinante, está algo desajustada. Creio, contudo, que isto não significa que os exercícios de repetição,
ou menos abertos, devam ser eliminados. Podem e devem ser complementares.
O
treino integral não se limita ao fortalecimento do físico e da técnica
individual. Por isso, na estrutura das
equipas de elite, além dos treinadores é comum a participação de psicólogos e neurocientistas.
Assim, para conseguirem a transferência do treino para o jogo, os treinadores têm
de construir tarefas que reproduzam ou simulem as condições reais da competição
numa aprendizagem baseada na resolução de “Situações -problema”. As tarefas abertas predominam sobre os exercícios
fechados (mais “tradicionais”).
Caraterísticas
do jogador inteligente
Os
jogadores inteligentes têm em comum algumas caraterísticas antropométricas,
genéticas e contextuais:
- Serem ambidextros e com uma bagagem motriz rica;
- Terem notáveis capacidades para tomar decisões;
- Responderem bem às incertezas;
- Conseguirem
assumir o risco com naturalidade, integrado num processo de crescimento e
melhoria;
- Estarem dispostos a treinar e competir durante 10 anos de forma
intensa, constante e planificada;
- Gostam apaixonadamente do seu desporto;
- Estão dispostos a sacrificar seu ego individual pelo coletivo.
O
inato não chega, pois, para chegar ao rendimento. A quantidade e a qualidade
das práticas são fundamentais. Um jogador inteligente tem uma representação
mental da atividade diferente do jogador “normal”.
Os que seguiam o jogo
no passado bem se lembram das ações do
Carlos Lisboa ( https://www.youtube.com/watch?v=lBK68ytXgck , quem
não viu aconselho que aproveite vale a pena ), e os que o
seguem agora a LPB encontram o
pequeno José Barbosa (Oliveirense ) sem grande potencial físico mas que interpreta
muito bem o papel referido .
O que têm em comum estes atletas inteligentes? Muito talento e uma vasta gama de recursos
técnicos, que lhes permite executar com rapidez, precisão e coordenação
assombrosas pese o facto de a maioria não ter um físico descomunal.
O basquetebol atual atingiu uma nova dimensão. O treino técnico é
outro e está diferente do modelo tradicional das repetições de 1x0. Une
recursos técnicos, qualidades físicas, perceção, tomada de decisões e execução
no âmbito competitivo… e parece que funciona.
O
que devem os exercícios contemplar?
Com a nova
metodologia devemos ter em conta na criação dos exercícios o seguinte:
1. A realidade do jogo:
Normal
Cones
/Portas
1x1
defesa dá estímulos…visuais /sonoros
2. Decisões de ação
(defensiva) e reação (ofensiva)
3. Cesto ou transição
até meio campo
4. A surpresa
(incerteza): 2x1…1x2...2x2…3x3
5. O Jogo em superioridade
temporal
Superioridade,
inferioridade, igualdade numérica 1x1:
Handicap
ataque
Handicap
defesa
6. A Tarefa prévia
Rodas
cognitivas 2x0…1x1 DDM 3x0…3x3 Handicap
Trabalho
coordenativo + Trabalho técnico
Elementos
condicionais (Físicos + Técnicos)
7. A Comunicação
8. A Integração de vários fundamentos. 2/3
Esforços/Decisões
9. O Jogo nos dois campos…até marcar
10. O Jogo sem
bola
Os treinadores preparam assim os jogadores para as caraterísticas
do jogo atual.
Um exemplo
prático
Consideremos a titulo de simples exemplo o trabalho de 1x1 a partir da
tomada de decisão.
O conceito
tático é simples: atacar o cesto para receber a bola com o defesa em situação
de “handicap“ em perseguição, procurando usar as ferramentas técnicas adequadas
à situação.
A ideia é incluir um
estimulo cognitivo apropriado que provoque uma sobre estimulação no jogador em
cada tarefa do exercício.
Se o atacante
falhar o lançamento ataca para o outro cesto e jogam 1x1 em todo o campo (1x0x1 meio
campo …1x1 campo inteiro).
Poderíamos
ainda incrementar a dificuldade do exercício colocando mais um defensor, dentro
do semicírculo de não-carga, o que iria aumentar o número de tomadas de
decisão.
Para integrar o
trabalho multiárea poderíamos dar a este último defensor também uma bola de
modo que o defensor teria que levar a cabo um trabalho bilateral, onde o foco
de atenção seria não só defender como também controlar a sua bola. 
Reformular
metodologias e conteúdos
No passado recente
lecionei na boa companhia do Prof. Teotónio Lima, Prof. Jorge Araújo, Eng. Adriano
Baganha, Prof. Olímpio Coelho, todos eles referências
do melhor que se fazia no basquetebol português, e muitos outros os
cursos de nível 2 e 3. No presente apenas me pedem para lecionar no nível 1,
mas não é por isso que deixo de fazer o que sempre fiz: ensinar.
Estou, pois, em boa
posição para afirmar que é tempo de reformular conteúdos dos cursos de
treinadores, acertar com os preletores dando lugar a quem tem mais trabalho e
capacidades para a função.
Não podemos querer
ter jogadores inteligentes se continuarmos a ensinar à “moda do século passado”.
Também aqui temos de
acertar rapidamente o passo.
por Mário Silva
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