Tinha acabado de me sentar, na Esplanada “A Loja dos Pasteis de Chaves”, em
Coimbra. Pretendia tomar um café e começar a ler um livro, mas à minha frente, na calçada, encontrava-se um engraxador. Olhei para os
meus pés e vi as sapatilhas que calçava.
Levantei-me, dirigi-me ao engraxador e disse-lhe que uma das coisas que
gostava de fazer, na minha juventude, era ir à Rotunda da Boavista, engraxar os
sapatos, ao domingo de manhã, mas que por estar de sapatilhas, não o poderia
fazer. Perguntei-lhe como se chamava e respondeu-me – “chamo-me Carlos e há 42 anos que engraxo sapatos”. Respondi que
me chamava João Carlos, agradeci ter-me recordado bons momentos, cumprimentei-o
e apercebi-me das mãos fortes e ásperas, de muito trabalho.
Voltei para a mesa e, ao olhar para o Sr. Carlos, reparei que dentro de uma
mica estava a seguinte frase: “Hoje não
se fia, amanhã também não, o empregado não tem culpa, são as ordens do patrão.
Obrigado.”
O café tinha acabado de chegar e a frase “… o empregado não tem culpa, são as ordens do patrão” convidou-me
a refletir e escrever.
Podia tomar o café e começar a ler ou começar a refletir e escrever.
Escolhi conscientemente a segunda possibilidade.
O QUE É QUE REFLETI E ESCREVI?
Quem decidiu o infantário que frequentei? A escola primária onde andei? O
lugar em que me sentei, na sala de aula? A matéria que ia aprender ou as datas
dos testes? Quem decidiu a que horas ia acordar, o que ia vestir, comer ou
fazer, quando estava na “tropa”? Quem decidiu a que posição ia jogar, se
entrava de início ou ao banco, quando comecei a jogar?
Estas experiências “treinaram-me” a aceitar a ideia de ver a liderança como
uma “posição”.
Ao acreditar ver a liderança como uma “posição”, então quem tem “posição”
(pais, treinadores, professores, dirigentes, árbitros, …) é líder e quem não
tem “posição” não é líder.
Neste enquadramento, por exemplo, quando comecei a ser Treinador, passei a “ter
uma posição” e, por isso, era esperado que soubesse: o que era melhor para
todos; o que todas as pessoas pensavam e desejavam; corresponder aos anseios e
motivações de todos; preparar os jogadores e as equipas para jogar, como os
jogadores, os dirigentes e os adeptos pretendiam; resolver os conflitos entre
ele e os jogadores, entre os jogadores, entre os jogadores e os árbitros;
motivar os jogadores; e tantas outras coisas (…).
Por outro lado, a pessoas que desempenhavam um papel “SEM posição” não
lideravam. Por isso, percebi por que razão ficava à espera, que a pessoa que tinha
“posição” descobrisse e satisfizesse tudo o que esperava, desejava e necessitava,
quando jogava.
Ou seja, as pessoas com “posição” deviam decidir o que ser feito e as
pessoas “sem posição” esperar que alguém, com uma “posição formal”, lhes dissesse
o fazer e reagir conforme o que essas pessoas lhes dissessem.
Qual é a probabilidade de um pai, um professor, um treinador, um dirigente
(…) saber e corresponder a todos os desejos e necessidades das pessoas, que
nesta perspetiva, lideram?
Para além disso, o mesmo facto pode ter significados diferentes, para
diferentes pessoas. Por exemplo, quando uma pessoa movimenta a cabeça de cima
para baixo e novamente para cima, esse movimento é um facto. Podemos dizer que
esse movimento significa “SIM”, certo? Contudo, em alguns países, como a
Bulgária e em algumas regiões do Japão, da Grécia, da Itália, esse mesmo gesto
significa “NÃO”.
O que acontece à referida probabilidade, quando acrescentámos o significado?
Ou seja, qual é a probabilidade de a pessoa “com posição” corresponder aos
anseios das pessoas “que lidera”, quando juntamos “adivinhar” o que as pessoas
pensam e desejam aos factos poderem ter significados diferentes, para
diferentes pessoas?
Mesmo assim, ainda se espera que os pais, os professores, os treinadores, os
dirigentes, …, “adivinhem” e correspondam a tudo e quando não o fazem a culpa é
deles. Não estou a desculpabilizar as pessoas “com posição”, apenas a refletir
sobre a complexidade do seu papel, no enquadramento de ver a liderança como uma
“posição”.
O QUE PODE ACONTECER, QUANDO VEMOS A LIDERANÇA COMO UMA “POSIÇÃO”?
Como as pessoas “sem posição” ficava à espera que as pessoas “com posição”
dirigissem, quando as coisas não corriam bem, surgia a desculpativite, a
vitimização e o “apontar de dedos” às pessoas “com posição” e, quando tudo corria
bem, idolatrava-as.
Por as pessoas “sem posição” estarem relutantes em tomar a iniciativa, a
agirem autonomamente, então achava que se justificava, até que era esperado,
fazer alguma coisa, para que as pessoas “sem posição” fizessem alguma coisa, quando
tinha “posição”. Por isso, nesta perspetiva, se um jogador estava desmotivado,
então como treinador devia fazer alguma coisa para o motivar e assim
sucessivamente, o que acaba por me sobrecarregar e dispersar.
Por outro lado, se as pessoas “sem posição”, por exemplo os filhos ou os
atletas começavam a agir, sentia-me desautorizado e desrespeitado, quando tinha
“posição”. Por exemplo, isso podia acontecer, quando um jogador começava a
falar num desconto de tempo, para dar uma sugestão.
As consequências desta ideia - a liderança como uma "posição" - poderão ser múltiplas. Entre elas, a
passividade, a dependência, o apontar da culpa e a frustração das pessoas “sem
posição” e, por outro lado, uma atitude controladora e de represálias das
pessoas “com posição”, para com as pessoas “sem posição”, mas que tomem
iniciativas. Ou seja, as organizações (famílias, equipas, clubes, associações,
…) podem: deixar-se sugar pela energia “negativa”; desviar a sua atenção do
essencial, o interesse comum que liga as pessoas; e canalizar a sua energia
potencial para disputas, que condicionam a concretização das intenções iniciais.
Este problema poderá agravar-se e tudo comprometer, se o contágio se alastrar.
Que ironia.
As pessoas “sem posição” desejam que as pessoas “com posição” não só
conheçam, como também satisfaçam os seus anseios e desejos. Quando isso não
acontece, arranjam desculpas, vitimizam-se e/ou culpam-nas, comprometendo os
seus objetivos. Quando, por um golpe de “sorte”, essa satisfação acontece
idolatram a pessoa “com posição” e ficam dependentes da sua direção, o que
acaba por comprometer a sua iniciativa futura, por continuarem à espera que o “ídolo”
lhes diga o que fazer. Nas situações em que tentam ser proativas, ajudar a
resolver problemas, paradoxalmente podem “comprar” problemas.
As pessoas “com posição” desejam que as pessoas “sem posição” atuem, tomem
a iniciativa. Porém, quando elas são proativas, em vez de ficarem satisfeitas, por
o que desejam estar a acontecer e as apoiarem, podem pensar que a sua “posição”
está a ser desautorizada e criam-lhes problemas.
O QUE PODERÁ ESTÁ NA RAÍZ DESTE DESCONFORTO? ONDE PODERÁ ESTAR A
OPORTUNIDADE TRANSFORMADORA?
O desconforto que as pessoas “sem posição”, quando o que esperam não é correspondido
ou quando a sua dependência das pessoas “com posição” é reforçada e o
desconforto que as pessoas “com posição” sentem quando as pessoas “sem posição”
esperam em vez de agir ou quando agem sem a sua orientação, poderão NÃO
resultar dos factos, do que aconteceu, mas da forma como as diferentes pessoas
veem a liderança, no caso, como uma “posição”.
Construindo a partir de Shakespeare “não
existe nada nem bom nem mau, exceto se o pensamento assim o comandar”.
Quem é responsável pela forma de pensar de cada pessoa? Que pensamento tínhamos, quando criámos estes problemas?
Provavelmente, pensarmos e aceitarmos a ideia de ver a liderança como uma “posição”.
O que aconteceria a todo este desconforto, se mudarmos a forma de ver a
liderança?
Ver a liderança como uma “posição” não cria desconforto a ninguém? Ver a
liderança como uma “posição” satisfaz as nossas necessidades de aceitação,
desenvolvimento, fazer a verdadeira diferença e prosperarmos coletivamente? Ver
a liderança como uma “posição” provoca cooperação, compromisso e concretização
criativa, do que realmente se deseja? Ver a liderança como uma “posição” é o
melhor para todos, ao longo do tempo?
Queremos que as pessoas sejam proativas, que façam contribuições
construtivas, cooperando e com compromisso?
Será que ver a liderança como uma “posição” é a melhor coisa que
conseguimos fazer? Haverá alguma alternativa melhor?
QUAL É A IDEIA ALTERNATIVA, RELATIVAMENTE À LIDERANÇA?
Quando penso nas 5 pessoas mais marcantes do século XX, aquelas que
marcaram construtivamente, que fizeram realmente a diferença, uma delas é
Mohandas Karamchand Gandhi, mais conhecido como Mahatma Gandhi.
Gandhi tinha algum poder formal, alguma “posição”? Foi Presidente?
Foi Primeiro-Ministro?
Contudo, mesmo sem “posição formal” para liderar pessoas, foi fundamental
para tornar a Índia, o 2º País mais populoso do mundo, num Estado Independente.
Será que se Gandhi visse a liderança como uma “posição”, teria contribuído construtiva
e decisivamente e marcado um tempo?
Será que quando um jogador decide realizar uma ação, que não foi o que o
Treinador lhe pediu, mas foi ainda melhor, esse jogador vê a liderança como uma
“posição”?
COMO É QUE OS “GANDHIS” VEEM A LIDERANÇA?
Podemos ou não escolher a hora a que acordamos, o que vamos vestir, o
caminho e meio que vamos utilizar, para ir para a Escola ou trabalho, o que
almoçar e a que horas, …? Claro com consequências diferentes, para cada uma das
escolhas.
É ou não verdade que é essa liberdade de escolha ou, melhor ainda, que é essa
liberdade de escolha com consciência, que distingue os Humanos das outras
espécies?
Então, será que rejeitaram a ideia de ver a liderança como uma “posição” e aceitaram vê-la como uma “escolha”. Podemos ver a liderança como uma “escolha”.
Se aceitarmos ver a liderança como uma “escolha”, então todos (filhos e
pais, alunos e professores, jogadores e treinadores, treinadores e dirigentes,
pessoas e organizações) podem ser líderes, podem usar a sua liberdade de
escolher com consciência, para fazerem contribuições construtivas e duradouras.
Mas, poderá haver quem pense que as organizações não necessitam de pessoas
com iniciativa.
SERÁ QUE AS ORGANIZAÇÕES NÃO NECESSITAM DE PESSOAS COM INICIATIVA?
Quando John F. Kennedy, Presidente de uma potência, disse “my
fellow americans ask not what you country can do for you – ask what you can do
for your country”, será que não estava a sugerir às pessoas escolherem pela iniciativa, em vez da dependência? Ou ainda, quando disse “my
fellows citizens of the world: ask not what America will do for you, but what
together we can do for the freedom of the world”, será que não estava a
consciencializar as pessoas para a necessidade de escolher entre o trabalho de
equipa, a iniciativa coletiva em detrimento da dependência?
Ou seja, se até uma grande potência necessita da iniciativa individual e coletiva de pessoas "SEM posição”, para prosperar, por que razão não precisarão de iniciativa as Equipas, Clubes, Associações e Federação?
Ou seja, se até uma grande potência necessita da iniciativa individual e coletiva de pessoas "SEM posição”, para prosperar, por que razão não precisarão de iniciativa as Equipas, Clubes, Associações e Federação?
Se reenquadrarmos esta ideia, no Basquetebol, poderíamos escrever:
- Jogadores
não perguntem o que a Equipa pode fazer por vós, mas o que podem fazer
pela Equipa ou o que a jogar coletivamente podem conseguir
- Equipas
não perguntem o que o Clube pode fazer por vós, mas o que podem fazer pelo
Clube ou o que as diferentes Equipas do Clube a trabalharem coordenadamente podem conseguir
- Clubes
não perguntem o que as Associações podem fazer por vós, mas o que a
contribuírem coletivamente podem fazer pelo Associativismo
- Associações
não perguntem o que a Federação pode fazer por vós, mas o que a
trabalharem em equipa podem fazer pelo Basquetebol Português
- (…)
Nesta lógica, um Presidente poderia dizer aos jogadores, aos treinadores,
aos árbitros, aos dirigentes, às associações, aos adeptos, aos patrocinadores,
aos jornalistas, (…), não perguntem o que a Instituição poderá fazer
por vós, mas o que unidos e a trabalhar em equipa, podemos fazer, no caso, pelo
Basquetebol Português.
Qual das ideias – liderança como uma “posição” ou como uma “escolha” -
provoca menos desconforto às pessoas interessadas pelo Basquetebol Português?
Qual das ideias – liderança como uma “posição” ou como uma “escolha” - tem
mais hipóteses de prosperar consistentemente, ao longo do tempo?
Quais poderiam ser as consequências, se as pessoas interessadas pelo
Basquetebol Português estivessem de acordo quanto ao destino desejado, a como
lá chegar, trabalhassem em equipa e com ética?
O desenvolvimento do Basquetebol Português necessita de iniciativa
individual e, se possível, coletiva?
Relativamente à liderança, embora grande parte das nossas experiências de
vida nos possam convidar a vê-la como uma “posição”, há uma ideia
potencialmente transformadora e que depende da forma como cada um a
escolhe ver.
Podemos escolher vê-la como uma “posição” ou como uma “escolha”.
Que ideia, relativamente à liderança, quer escolher em consciência, para as
pessoas interessadas no Basquetebol Português (e não só) e que pode ser
transformadora?
QUAIS PODERÃO SER AS APLICAÇÕES DA IDEIA DE VER A LIDERANÇA COMO UMA "ESCOLHA"?
Vamos formar jogadores que ficam à espera, dependentes, sem iniciativa e
condicionados às “jogadas” ou vamos ensinar e treinar os jogadores a fazerem as
melhores escolhas?
Os treinadores vão ficar à espera que os Clubes mudem ou vão escolher
contribuir construtiva e sensatamente pela mudança que desejam?
Os dirigentes vão ficar à espera que as circunstâncias mudem ou vão
escolher criar as circunstâncias que aspiram?
As instituições e as pessoas com “posição formal” vão queixar-se da falta
de iniciativa e controlar a situação ou vão libertar o potencial humano?
O que poderá acontecer, na experiência das pessoas, se a ideia de ver a liderança como uma “escolha”
também passar a ser aceite nas diferentes organizações (famílias, escolas,
empresas, …)?
O café estava bom, mas tinha acabado, tal como a minha reflexão e escrita. Levantei-me e fui-me despedir do Sr. Carlos.
Se estiver ou for a Coimbra e gostar de engraxar os sapatos, então pode visitar
o Sr. Carlos e dizer-lhe que o João Carlos lhe manda um abraço.
P.S.: Neste momento, está a decorrer um processo coletivo, aberto a todos
os interessados, para encontrar um destino desejado, partilhado e mobilizador
para o Basquetebol Português. Se escolher conscientemente participar, então
clique AQUI.
por João Oliveira
27-05-2019
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