Vivemos através da nossa experiência constante na relação com os
outros e com a realidade que nos rodeia, numa convivência estreita que nos
permite adquirir uma verdadeira sabedoria comportamental.
Não é o mundo que vem até aos
sentidos, são os sentidos que mergulham no mundo…A perceção não interpreta
simplesmente as mensagens sensoriais, ela é constrangida pela ação.[1]
O que reforça a nossa tese do aprender a fazer, fazendo, através da experiência
corporal, do movimento, importando acima de tudo o que emocionalmente nos fazem
sentir. E também o que designámos entretanto como o treinar como se joga integrado na nossa tese metodológica de
treino comportamental “Pensar e Intervir como um Treinador”.
Tudo o que diz respeito ao corpo tem assim um significado
existencial e, tudo o que diz respeito à nossa existência, tem uma manifestação
corpórea.[2] E é através
de um corpo experiencial e uma consciência incorporada que criamos condições
para a nossa própria existência. Um corpo que percebe e se faz perceber e que
não é só um espaço expressivo, pois evidencia uma constante capacidade de
adaptação em profunda convivência com o mundo exterior e aqueles com quem se
relaciona.
Este plano mais arqueológico da
vivência corpórea do mundo indicia, segundo Merleau Ponty, uma familiaridade
tácita que, em relação às coisas, lugares e corpos do mundo, parece ser desde
sempre desenrolada pela motricidade corporal.[3]
Movimentamo-nos e relacionamo-nos assim num diálogo
comunicacional continuado, interagindo e mantendo um contacto constante com as
coisas e os outros. E nas nossas diversas ações, expressamo-nos através da
nossa motricidade corporal.


Ao movimentar-nos, fazemo-lo sempre integrados em experiências,
culturas, emoções, [4] sentimentos e intenções
que não só correspondem à complexidade do ser humano, como o respetivo estudo
exige que os seus conteúdos sejam definidos com base na realidade social,
cultural, política e económica da sociedade em que nos integramos.
Ciência e filosofia têm por isso aprofundado ultimamente a
expressão e a comunicação humanas enquanto fenómenos fundamentais, considerando
que não há solução para o homem que se
movimenta quase sempre sem saber para onde vai, apesar de pretender ser sempre
preciso e estar no controlo de todos os seus movimentos. [5] E acrescentando
que expressar o que existe é uma tarefa
interminável. [6]
e que, a expressão é como um passo dado
no nevoeiro, ninguém consegue dizer onde nos leva, se é que nos leva a algum
lado. [7]
Possuímos um corpo sensível que se torna humano através da palavra
e utiliza a linguagem como meio fundamental de perceção dos outros. Uma perceção
que tem sempre na sua origem uma experiência pré-objetiva, anónima, pré-pessoal
que incorpora o mundo através de uma via intersubjetiva. Uma comunicação através das palavras que proferimos, reforçadas pelo tom de
voz que utilizamos, os gestos que fazemos e a fisionomia que apresentamos a
cada momento. Uma linguagem que constitui uma forma de cantarmos o mundo, enquanto verdadeira
operação vital muito para além de um simples ato intelectual. Sendo esta a razão por que, ao falarmos com os outros, revelamos não só
os nossos pensamentos, mas também a respetiva fonte desses pensamentos e a
nossa maneira de ser fundamental.
Entretanto e de modo complementar,
"carregamos" ao comunicar, todo o nosso passado de experiências,
crenças, inseguranças, etc.
Concluindo, através da nossa perceção,
adquirimos o sentido estrutural das nossas vivências no mundo e ao comunicarmos
com os outros, percecionamos os seus gestos, movimentos e o próprio corpo, tal
como eles procedem exatamente da mesma forma. Pura experiência vivida através
de uma perceção mútua que nos permite comunicar corporalmente no mundo através
da nossa corporeidade e motricidade. Não só por via de um corpo que é a
dimensão que permite vivenciar os fenómenos da realidade, mas também da
linguagem e dos nossos afetos, onde o papel expressivo do corpo tem uma enorme
importância, compreendendo esse mundo porque nele estamos envolvidos.
Acrescendo ainda a importância cada vez maior da nossa comunicação
intersubjetiva, pré-reflexiva, automática e na maioria das vezes inconsciente,
onde o fenómeno das designadas “primeiras impressões” é um exemplo que nos deve
fazer refletir.
[1] Bernard Andrieu, Le corps dans l’acte
de son cerveau, Presses Universitaire
de Nancy, 2010, Página 201
[2]
Lionel Naccache, L’Introspection de la
perception visuelle,mythe et realité, Le corps en Acte, Presses
Universitaires de Nancy, 2010, página 29, O
cérebro é capaz de antecipar e corrigir todo um conjunto de parâmetros
sensoriais, tendo como base determinadas expectativas probabilísticas do
sistema de simulação interna da ação.
[3] Luis
Umbelino, Filosofia do corpo e inventário
da dor, Revista Filosófica de Coimbra, nº 52, Separata, página 296
[4]
Segundo Alain Berthoz, no seu artigo intitulado La conscience du corp, publicado em Le Corps en Acte quando da
celebração dos 100 anos do nascimento de Merleau Ponty, pela Presses
Universitaire de Nancy, página 21, A
emoção não é somente uma reação, nem só como propõe Damásio uma forma de
homeostasia, é também uma forma de antecipação que permite ao organismo
preparar-se para a ação futura.
[5]
Merleau Ponty, Sense and Non Sense,
Northwestern University Press, 1964, página 4
[6]
Merleau Ponty, Sense and Non Sense, Northwestern
University Press, 1964, página 15
[7]
Merleau Ponty, Sense and Non Sense, Northwestern University Press, 1964, página
3
#basquetebol #basquetebolportugues #estrategia #lideranca #comunicacao #comunicaremocionalmente #ideiasparaobasquetebol