FORMAÇÃO DE TREINADORES … E NÃO SÓ - por José Curado


FORMAÇÃO DE TREINADORES … E NÃO SÓ 

PROCESSO(S) EM CONSTANTE EVOLUÇÃO

Um País, uma federação desportiva, que queira construir uma prática desportiva de FUTURO e COM FUTURO terá de trabalhar profundamente sobre, entre outros, os seguintes aspetos:

A - De acordo com dados de investigação bastante recentes é possível identificar as seguintes funções primárias a desenvolver pelos treinadores (entendendo-se por funções primárias as que englobam tudo aquilo que os treinadores têm de fazer no seu dia a dia):
  1. Estabelecer a visão e definir a estratégia;
  2. Moldar o ambiente;
  3. Construir relações;
  4. Conduzir o processo de treino e preparar e gerir as competições;
  5. Ler e reagir ao que se passa no terreno;
  6. Refletir e aprender.
A capacidade para se envolverem em cada uma destas funções exige aos treinadores a aplicação de um vasto conjunto de conhecimento, habilidades e competências profissionais, as quais, por sua vez, dependem dos contextos específicos e das exigências aí colocadas (não é a mesma coisa treinar num clube de uma pequena localidade do interior ou noutro de um grande centro do litoral).

Basta um olhar atento sobre que se passa no mundo das práticas atuais para nos darmos conta de que, com honrosas exceções, a maioria dos programas de formação de treinadores em execução colocam o acento quase só sobre conteúdos da 4. Há, portanto, um enorme défice de conteúdos na atual formação de treinadores que urge preencher através de significativo upgrade da atual oferta formativa;
B - As carências de formação apontadas em A têm como um dos resultados vermos a maioria dos treinadores serem muito maus comunicadores, não dominando as competências de comunicação mais básicas. A comunicação de má qualidade leva à diminuição da autoestima das crianças e jovens, com tudo o que de muito negativo daí decorre, sendo que o abandono do Desporto nem será das consequências mais graves;

C - Do mesmo modo, os treinadores continuam, em geral, a usar um estilo de liderança top-down (de cima para baixo, como na hierarquia militar). Em sociedades democráticas até mesmo as crianças aceitarão cada vez menos esta forma de estar. As crianças e jovens do futuro não aceitarão treinadores com pensamento e atitudes do passado;

D - “As crianças não são adultos em miniatura” – quantas e quantas vezes não lemos ou ouvimos isto? Quantas vezes isto mesmo não foi já repetido em milhentas aulas de Pedagogia? Mas, então e apesar disso, por onde andam abordagens a um processo de treino verdadeiramente CENTRADO NA CRIANÇA?

Este problema, o do processo de treino das crianças e jovens e também o das raparigas e mulheres ser normalmente réplica do dos adultos masculinos, é apenas um dos muitos que afetam a prática desportiva tanto a nível nacional como internacionalmente.

O jogo prazenteiro, a pura diversão, têm de preceder o treino puro e duro. Esta é uma constatação imposta pelo mais elementar bom senso, sendo certo que, para além disso, ela é suportada por investigação séria. Os jovens têm de adorar a modalidade que praticam para estarem disponíveis para as agruras que o processo de treino visando resultados elevados implica;

E – Esta questão remete de imediato para a necessidade de se repensarem os quadros competitivos disponibilizados para a prática desportiva das crianças e jovens. Estes também são, no geral, cópias dos regulamentados para os adultos, embora às vezes disfarçados de “outras coisas”. Mas há outros caminhos. Seria bom refletirmos sobre o que se decidiu a Federação de Futebol da Bélgica a qual, já há uns anos, eliminou todos os quadros competitivos formais e todos os rankings até ao escalão de sub 14, tanto para rapazes como para raparigas. E os resultados são:

  • O número de jovens de ambos os sexos a entrarem para o futebol não para de aumentar;
  • Aparecem cada vez mais jovens belgas que encaixam naquilo que tradicional e genericamente se designam por talentos;
  • E, qual cereja no topo do bolo, a Bélgica lidera o ranking da FIFA! A Bélgica, um pequeníssimo País, imagine-se …

Há mais exemplos de sucesso a provarem que o que necessitamos é de GRANDES IDEIAS e de CORAGEM para as implementar. A História das grandes ideias mostra que, no início, são consideradas “estupidas” e/ou inúteis. Depois passam à categoria de controversas, para, finalmente, entrarem no nosso quotidiano sem grandes reservas;

F - O ATLETA É O CENTRO DO PROCESSO DE TREINO, O TREINADOR LIDERA ESTE E A ORGANIZAÇÃO (clube, associação, federação …) APOIA.

A consequência disto é que tem de ser o atleta o centro do processo de tomada de decisão em tudo o que respeita ao desenvolvimento da atividade. Será isso que está a acontecer, ou continuamos a discutir principalmente os problemas das organizações em vez dos problemas dos atletas?

G - Outra das consequências do tópico anterior é que é preciso ultrapassar rapidamente a existência de formação apenas para os treinadores e árbitros, sendo que os gestores das organizações terão de ter muito melhores qualificações do que as que (não) têm atualmente;

– É absolutamente indispensável garantir um PACTO DE CONTINUIDADE na formação dos jovens. É urgente criar uma mentalidade de desenvolvimento a longo prazo. Talvez não seja a solução para tudo mas arriscamos pensar que o domínio da construção de planos plurianuais ajudaria muito. E estamos a pensar nisto ao nível do clube, do pequeno clube. Os respetivos treinadores terão de desenvolver muito bem as competências que isto requer, salvaguardando assim a defesa dos interesses dos praticantes. Estes TÊM DIREITO ao seu plano de desenvolvimento e não ao de que cada treinador que lhe calha em sorte se lembra de aplicar;

– E, para terminar, vou voltar aos treinadores com a sugestão da criação de um plano para a VALORIZAÇÃO DO PAPEL DOS TREINADORES DE JOVENS E DO SEU IMPORTANTE CONTRIBUTO SOCIAL. É indispensável que estes tenham reais oportunidades de se centrarem sobre o desenvolvimento holístico dos jovens praticantes em vez de sobre os “resultados” tal como estes são geralmente entendidos. Como é sabido, estes são, infelizmente, quase a única “tábua de salvação” na procura de uma eventual carreira (profissional?). E isto está a revelar-se dramático.

Arrisco enquadrar todos os conteúdos deste pequeno documento debaixo da seguinte palavra-passe – CRIAR UMA MENTALIDADE DE MUDANÇA. E, já agora, quem não acredita na MUDANÇA não pode fazer parte da organização.


José Curado









2019.09.02

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