Ataque - Que início? – por João Oliveira


Há uns dias, a falar com um amigo, a propósito da participação de uma equipa jovem, num Torneio Internacional, perguntei-lhe em que é que os jogadores tinham sido bons.

A resposta foi curiosa e desencadeou a reflexão que aqui partilho.




Tivemos dificuldade em iniciar o ataque com o passe ao extremo, mudar o lado da bola e lidar com uma pressão a que não estávamos habituados. Para não tornar o texto muito extenso, abordarei apenas a primeira dificuldade:

·       DIFICULDADE EM INICIAR O ATAQUE

Recordei-me, imediatamente, de duas situações. 

A de uma equipa sénior que treinei, no início deste processo, em que queria começar o ataque com passe ao extremo, mas os adversários criavam tal pressão, que fazíamos muitos turn-overs, começávamos a dizer a nós próprios que era difícil começar o ataque, sentíamo-nos irritados com colegas e com os jogadores e não só perdíamos o equilíbrio emocional, mas também contaminávamos a relação na equipa, não era a melhor, e os resultados.

A segunda situação que recordo ocorreu num Campeonato do Mundo entre o Team USA e uma Seleção Africana. Esta última tentava iniciar o ataque com passe ao extremo, mas A Seleção dos EUA colocava tamanha pressão na bola e nas linhas de passe ao extremo, que os roubos de bola e contra-ataque com "afundanços" se sucediam.

Ou seja, embora este problema possa ser mais frequente na iniciação, atrevo-me a dizer que é comum em jogos entre equipas desequilibradas, quando pelo menos uma delas assume a defesa como identitária ou quando os ataques são previsíveis.

Mas e se estivermos a treinar uma equipa com “limitações” ainda por superar e que vai jogar contra outra “mais” forte e que defenda. O que fazer para não perdermos sucessivamente a bola, para dizermos a nós mesmos que conseguimos, mantermos o equilíbrio emocional e obtermos o resultado desejado?

O QUE FAZER PARA INICIAR O ATAQUE SEM PERDER A BOLA?

Recordo situações em que as equipas alinhavam como nas figuras 1 e 2 e os extremos cortavam nas costas à sobremarcação.




Uma solução habitual, que hoje só vista pontualmente, envolvia a subida do poste à linha de lance livre, com corte nas costas do extremo sobremarcado, em que habitualmente se exploravam duas situações, a do passe direto para o corte nas costas ou “à tabela” utilizando o passe ao poste alto e deste, vezes sem conta, picado e de costas com a mão exterior. Esta era uma daquelas ações que, independentemente do pavilhão ou equipa, arrancava um forte aplauso do público e comentários elogiosos dos comentadores televisivos.



Outra solução utilizada envolvia o drible e aclaramento. Isto é, com o base a driblar na direção do extremo e este a cortar para o cesto podendo continuar o movimento com corte para o lado contrário, ficar a poste baixo (neste caso o poste poderia subir) ou repondo a posição do base (figura 4).



Entretanto, foram surgindo novas soluções para resolver este problema. Durante uns anos, foi frequente assistir a equipas que começavam o ataque com os extremos dentro da área restritiva, saindo sobre bloqueios dos jogadores “grandes” (figura 5).



Com o tempo, identificámos e usámos uma outra solução, a do drible bola à mão. O base driblava para o extremo sobremarcado e este podia cortar nas costas, receber a bola à mão e o base podia entregar a bola à mão e bloquear o defensor que sobremarcava ou penetrar para o cesto, quando a defesa já esperava que entregasse a bola ao extremo (figura 6 e 7)



Ao recordar o que muitos dos meus treinadores me diziam, quando jogava (a base), houve outra solução que me ocorreu e que utilizei com bons resultados. Provavelmente, não se ouve muitas vezes nos pavilhões, mas as pessoas que tenho treinado recordarão o que vou partilhar, porque é algo que estou sempre a dizer nos treinos. “Dividir antes de passar”, isto é, o jogador com bola tem de atacar o cesto com o drible antes de passar e com este comportamento o defensor que está a sobremarcar passa a ter duas preocupações em vez de uma. A de sobremarcar e a de ajudar sobre a penetração, ficando dividido por duas coisas e não concentrado numa delas. Consequentemente, se ajuda a linha de passe fica aberta e o passe acontece ou se continua a sobremarcar, então o base deve “castigar” a defesa continuando a penetração para marcar ou assistir (figura 8).


Hoje em dia, é frequente assistir-se à colocação dos extremos nos cantos e os grandes fora da área restritiva, em diferentes alinhamentos. Num deles, os extremos sobremarcados vão para os cantos e os “grandes” saem da área restritiva. Recordo de uma equipa sénior que treinei, no tempo da A1 e A2, que tinha este problema e que na altura esta solução se revelou essencial para começar o ataque, sem perder a bola. Por essa altura, muitas equipas, quando viam os “grandes” fora da área restritiva “davam-nos de borla” e por isso o base tinha linha de passe para começar o ataque (figura 9). Por vezes, depois de passar até ia buscar a bola à mão.



Por muitas equipas começarem o ataque com este passe, para os “grandes” fora da área restritiva, muitas das equipas “mais fortes”, para conseguirem exercer o seu domínio, na defesa, começaram a pressionar estes “grandes”, os que saem fora da área restritiva e o jogo apresentou-nos mais duas oportunidades.
A destes jogadores fazerem bloqueios diretos inversos aos bases (figura 10) para começarem o ataque (esta situação é frequente) e, nos últimos anos, fruto da cada vez maior pressão sobre estes jogadores, a dos jogadores “grandes” se bloquearem entre si antes de abrirem linhas de passe (figura 11).



Agora, os extremos estão sobremarcados, mas nos cantos, na maior parte das posses de bola das melhores equipas, os “grandes” estão igualmente sobremarcados, fora da área restritiva, pelo que a oportunidade de as equipas “mais fortes” poderem recuperar a bola se concentra na pressão do jogador com bola. O que fazer, nestas circunstâncias?

Nestas circunstâncias, Željko Obradović, numa formação, disse que a solução passava por “esquecer” o ataque, abrir o jogo e fazer de imediato bloqueio direto ao base, onde quer que estivesse a ser pressionado (figura 12).


ATAQUE - QUE INÍCIO? HÁ ALGUM INÍCIO MELHOR?

Deixamos aqui 12 formas de começar o ataque (há mais), em resultado da sobremarcação dos extremos.

Numa perspetiva tradicional do jogo, poderá haver duas tendências. Uma, de “dar uma jogada” para resolver o problema. Contudo, embora essa jogada possa resolver o problema contra as equipas equivalentes ou “mais fracas”, dificilmente serve esse propósito contras as equipas “mais fortes”, por se tornar previsível.

Agora, note-se, se acredita na perspetiva tradicional de ensino do jogo, então irá “arranjar” jogadas para todos os problemas. Provavelmente, terá muitas “jogadas”, enquanto os jogadores pouca autonomia, liberdade e possibilidade de escolha e de determinarem o que irão fazer. Para além disso, poderá ter que passar muitas horas de treino a fazer 5x0, para os jogadores “memorizarem” essas jogadas.

Contudo, vejam-se as ironias:
  • Acredita que os treinadores devem ter jogadas, para resolver os problemas que os adversários lhes coloquem, mas ao se tornarem previsíveis e não deixarem grande margem de adaptação aos jogadores, embora resolva o problema contra os “mais acessíveis”, essas jogadas poderão comprometer tudo, contra as equipas “mais fortes”;
  • Para os jogadores executarem todas aquelas jogadas, alguns treinadores passam grande parte do treino, uma boa parte da época, a “jogar” 5x0, mas depois, chegados ao jogo, contra os “mais fortes”, nem sequer conseguem começar o ataque e todo aquele tempo de 5x0 e jogadas nem sequer foi necessário, quanto mais utilizado, porque nem conseguiram começar as jogadas;
  • A memorização será facilitada pelos marcadores somáticos associados à experiência e a utilização do que memorizamos será facilitada ou prejudicada pela qualidade desses marcadores. Quanto a experiência nos dá a possibilidade de escolher, ligar a valores e propósitos importantes e demonstrar competência o marcador somático não só facilitará a memorização, como potenciará a sua utilização. Contudo, quando comprometemos as possibilidades de os jogadores terem a iniciativa de jogarem (naturalmente segundo um quadro de conceitos, não de anarquia), quando limitámos a possibilidade de nos ligarmos a valores e propósitos importantes e quando, em consequência, não demonstramos competência, como a começar o ataque, os jogadores terão alguma dificuldades em memorizarem, mas pior, dificilmente utilizarão a preceito as jogadas treinadas. No caso do problema hoje abordado, nem sequer as irão realizar, porque nem sequer conseguiram começar o ataque. 
Numa perspetiva moderna do jogo a tendência será encontrar e explorar um conceito que regule a ação dos jogadores, em função do problema, e treinar a solução em situação o mais próximo possível do jogo.

QUAL É A MELHOR FORMA DE COMEÇAR O ATAQUE, CONTRA EQUIPAS MAIS FORTES?

As circunstâncias, por exemplo de treinarmos ou jogarmos em equipas que ainda não atingiram todo o seu potencial, poderá determinar os resultados. Assim poderá ser, se pensarmos dessa forma e tivermos essas crenças.

Contudo, o facto de uma equipa “mais forte” sobremarcar não determina obrigatoriamente, que não possamos ser bem-sucedidos. 

Apresentadas algumas possibilidades – 12 – para contribuir para a resolução desse problema. Deixo ao livre arbítrio do leitor a melhor escolha.

João Oliveira
20-10-2019

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