Na minha experiência profissional enquanto
treinador profissional de basquetebol, preparei jogadores e equipas no sentido
de lhes permitir identificar os aspetos mais importantes contidos na situação
complexa e turbulenta que o jogo de basquetebol representava. Como objetivo
central, habilitá-los do modo mais criativo possível para darem as respostas
necessárias em cada situação de jogo. E procurei fazê-lo de modo que os
jogadores fossem capazes de, por si, encontrarem essas respostas de modo
conforme com as exigências contidas no facto de as situações de jogo estarem
constantemente a alterar-se por motivo da oposição dos adversários.
Preocupou-me conseguir que os jogadores adquirissem cada vez maiores
competências e fossem capazes de desempenhar as tarefas respetivas com a
eficácia e a confiança necessária. Incentivando-os à auto preparação e
mobilizando a respetiva motivação[1]para que atuassem sempre no
seio da equipa do modo o mais participativo e entusiástico possível. E insisti,
quanto possível, para que a equipa a que pertenciam, fosse tanto mais
competitiva e obtivesse tanto mais sucesso, quanto eles se empenhassem no
sentido de procurarem atingir individual e coletivamente os objetivos para que
apontávamos.
1. A
principal função do treinador é saber gerir paradoxos em situações com um grau
de imprevisibilidade terrível. Não existem duas situações iguais, o que
funciona agora otimamente, pode ser um “buraco” no momento seguinte. Exemplos:
A equipa que mais e melhor surpreender o adversário começa cada jogo da final
em vantagem, pois marca o ritmo e obriga a outra a tentar adaptar-se. Mas isso
não é suficiente pois se esta consegue adaptar-se, ganha ela por sua vez
vantagem através de um processo com fortes repercussões psicológicas (a que
recupera ganha força anímica e confiança ao conseguir resolver um problema, a
que vê os seus trunfos perderem efeito, se não encontra rapidamente soluções
alternativas, perde força anímica e confiança). A história desta final do
play-off vai ter muito deste cenário de “parada-resposta”, em que as fases
positivas no interior dos jogos e de jogo para jogo, introduzem também
elementos negativos que importa saber gerir.
2. As
análises que “a posteriori” possamos fazer sobre os factos são potencialmente
falsas e geradoras de enviesamentos na delineação das estratégias, pois têm
tendência a “fechar-nos” o campo de análise e a perdermos capacidades de
intervenção, “bloqueando-nos” quando a situação futura “cai fora” do
"mundo que construímos. Ao centrar a estratégia seguinte da equipa, nas
situações que funcionaram bem no jogo anterior, correm-se riscos enormes,
porque não só os jogadores do jogo anterior “não são os mesmos” do próximo
jogo, como também a equipa adversária não é estúpida e naturalmente vai-se
preparar para “impedir” o que funcionou bem na outra equipa (os vídeos é para isso
que servem!).
«Importa
pois que o treinador para além de melhorar e afinar o que funcionou bem, também
seja capaz de “prever” quais as acções que dentro da “gramática do basquetebol”
serão mais viáveis que venham a ser utilizadas pela equipa adversária e
preparar antídotos para essas acções se elas vierem a acontecer.
3. O próximo
jogo será certamente, pela facilidade e/ou dificuldade, diferente do previsto.
Prepara-te assim e aos jogadores para serem capazes de gerir o francamente
imprevisível». «Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia
engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador. Mais do que estratégias
globais tipo “quartel-general numa guerra clássica”, importa preparar
“mini-soluções” (instrumentos) para serem interpretados e utilizados pelos
jogadores, numa vasta panóplia de soluções versus soluções possíveis, tipo
“grupo de combate” numa guerra de guerrilha.
E
as ocorrências da final então disputada, vieram confirmar, em absoluto, como
foi importante esta antevisão traçada pelo meu treinador do treinador! As paradas
e respostas sucederam-se e culminaram, no quarto jogo, com o lance que
decidiu a final a nosso favor do modo mais imprevisível
possível!
A
quatro segundos do final do jogo, recuperamos a posse da bola com o jogo
empatado (o adversário podia ter ganho o jogo na posse de bola que lhe
pertenceu a 24 segundos do final). Uma recuperação da posse da bola que só foi
possível porque, na preparação feita antes do jogo, tínhamos treinado a solução
defensiva adequada para o caso daquela situação acontecer. Mas, a partir daí,
nada aconteceu como previsto. Durante o desconto de tempo solicitado, após a
recuperação da posse da bola, decidimos o que fazer nos quatro segundos que
restavam. Mas, ao retomarmos o jogo, foi de imediato visível que o adversário
antecipara as nossas intenções. E ali estava o treinador, impotente, entregue à capacidade e criatividade
individual do jogador com bola!
Como
o meu «treinador do treinador» tinha razão, quando escreveu, não faças dos
jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler
esperto!) do treinador!
Felizmente, os jogadores estavam preparados para serem capazes de gerir o francamente imprevisível.
Os seres humanos não reagem mecanicamente, mas
sim de modo complexo e global, [2] numa interação continuada
com outros que se enraíza no próprio modo humano de estar corporalmente no
mundo. Idem quanto a que os nossos comportamentos dependem da criação de um
determinado grau de envolvimento, mobilização e responsabilização no sentido de
nos criarem as condições necessárias para que nos empenhemos o mais possível no
processo de aprendizagem e treino.
por Jorge Araújo
Presidente da Team Work Consultores
14-11-2019
[1]
Pink, D., Drive, (Lisboa, Editora
Estrela Polar, 2009)
[2]
Berns, B., Iconoclast, how to think
differently, (Boston, Harvard Business School Publishing Corporation, 2008)
#basquetebol #basquetebolportugues #lideranca #ideiasparaobasquetebol