O TREINADOR DO TREINADOR - por Jorge Araújo


Na minha experiência profissional enquanto treinador profissional de basquetebol, preparei jogadores e equipas no sentido de lhes permitir identificar os aspetos mais importantes contidos na situação complexa e turbulenta que o jogo de basquetebol representava. Como objetivo central, habilitá-los do modo mais criativo possível para darem as respostas necessárias em cada situação de jogo. E procurei fazê-lo de modo que os jogadores fossem capazes de, por si, encontrarem essas respostas de modo conforme com as exigências contidas no facto de as situações de jogo estarem constantemente a alterar-se por motivo da oposição dos adversários. Preocupou-me conseguir que os jogadores adquirissem cada vez maiores competências e fossem capazes de desempenhar as tarefas respetivas com a eficácia e a confiança necessária. Incentivando-os à auto preparação e mobilizando a respetiva motivação[1]para que atuassem sempre no seio da equipa do modo o mais participativo e entusiástico possível. E insisti, quanto possível, para que a equipa a que pertenciam, fosse tanto mais competitiva e obtivesse tanto mais sucesso, quanto eles se empenhassem no sentido de procurarem atingir individual e coletivamente os objetivos para que apontávamos.
     Cedo percebi entretanto quanto precisava de quem me ajudasse a refletir sobre o impacto que tinha sobre os jogadores e a equipa que treinava. E assim recebi durante um determinado período de tempo o apoio do que designámos como treinador do treinador. E um exemplo bem elucidativo do tipo de apoio prestado pelo meu então treinador do treinador, refere-se a um texto que o Professor Doutor José Miguez me entregou no início da disputa de uma das finais do play-off em que o F. C. Porto acabou por se sagrar campeão nacional e do qual passo a transcrever uma das partes que julgo veio a ser determinante na minha auto preparação:

1. A principal função do treinador é saber gerir paradoxos em situações com um grau de imprevisibilidade terrível. Não existem duas situações iguais, o que funciona agora otimamente, pode ser um “buraco” no momento seguinte. Exemplos: A equipa que mais e melhor surpreender o adversário começa cada jogo da final em vantagem, pois marca o ritmo e obriga a outra a tentar adaptar-se. Mas isso não é suficiente pois se esta consegue adaptar-se, ganha ela por sua vez vantagem através de um processo com fortes repercussões psicológicas (a que recupera ganha força anímica e confiança ao conseguir resolver um problema, a que vê os seus trunfos perderem efeito, se não encontra rapidamente soluções alternativas, perde força anímica e confiança). A história desta final do play-off vai ter muito deste cenário de “parada-resposta”, em que as fases positivas no interior dos jogos e de jogo para jogo, introduzem também elementos negativos que importa saber gerir.
2. As análises que “a posteriori” possamos fazer sobre os factos são potencialmente falsas e geradoras de enviesamentos na delineação das estratégias, pois têm tendência a “fechar-nos” o campo de análise e a perdermos capacidades de intervenção, “bloqueando-nos” quando a situação futura “cai fora” do "mundo que construímos. Ao centrar a estratégia seguinte da equipa, nas situações que funcionaram bem no jogo anterior, correm-se riscos enormes, porque não só os jogadores do jogo anterior “não são os mesmos” do próximo jogo, como também a equipa adversária não é estúpida e naturalmente vai-se preparar para “impedir” o que funcionou bem na outra equipa (os vídeos é para isso que servem!).
«Importa pois que o treinador para além de melhorar e afinar o que funcionou bem, também seja capaz de “prever” quais as acções que dentro da “gramática do basquetebol” serão mais viáveis que venham a ser utilizadas pela equipa adversária e preparar antídotos para essas acções se elas vierem a acontecer.
3. O próximo jogo será certamente, pela facilidade e/ou dificuldade, diferente do previsto. Prepara-te assim e aos jogadores para serem capazes de gerir o francamente imprevisível». «Não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador. Mais do que estratégias globais tipo “quartel-general numa guerra clássica”, importa preparar “mini-soluções” (instrumentos) para serem interpretados e utilizados pelos jogadores, numa vasta panóplia de soluções versus soluções possíveis, tipo “grupo de combate” numa guerra de guerrilha.

E as ocorrências da final então disputada, vieram confirmar, em absoluto, como foi importante esta antevisão traçada pelo meu treinador do treinador! As paradas e respostas sucederam-se e culminaram, no quarto jogo, com o lance que decidiu a final a nosso favor do modo mais imprevisível possível!
A quatro segundos do final do jogo, recuperamos a posse da bola com o jogo empatado (o adversário podia ter ganho o jogo na posse de bola que lhe pertenceu a 24 segundos do final). Uma recuperação da posse da bola que só foi possível porque, na preparação feita antes do jogo, tínhamos treinado a solução defensiva adequada para o caso daquela situação acontecer. Mas, a partir daí, nada aconteceu como previsto. Durante o desconto de tempo solicitado, após a recuperação da posse da bola, decidimos o que fazer nos quatro segundos que restavam. Mas, ao retomarmos o jogo, foi de imediato visível que o adversário antecipara as nossas intenções. E ali estava o treinador, impotente, entregue à capacidade e criatividade individual do jogador com bola!
Como o meu «treinador do treinador» tinha razão, quando escreveu, não faças dos jogadores aplicadores “cegos” da estratégia engendrada pelo expert (ler esperto!) do treinador! Felizmente, os jogadores estavam preparados para serem capazes de gerir o francamente imprevisível.
Os seres humanos não reagem mecanicamente, mas sim de modo complexo e global, [2] numa interação continuada com outros que se enraíza no próprio modo humano de estar corporalmente no mundo. Idem quanto a que os nossos comportamentos dependem da criação de um determinado grau de envolvimento, mobilização e responsabilização no sentido de nos criarem as condições necessárias para que nos empenhemos o mais possível no processo de aprendizagem e treino.

por Jorge Araújo

Presidente da Team Work Consultores










14-11-2019



[1] Pink, D., Drive, (Lisboa, Editora Estrela Polar, 2009)
[2] Berns, B., Iconoclast, how to think differently, (Boston, Harvard Business School Publishing Corporation, 2008)


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