Passar ou driblar e o Terceiro Ingrediente – por Aniceto do Carmo


O jogador com bola poderá passar, driblar ou lançar – quando fazer cada uma dessas possibilidades?
A abordagem que vamos realizar integra um conjunto de componentes e segue vários pressupostos, vejamos:

1.      Se pretendemos estabelecer princípios leis ou regras, então temos de generalizar, ser abrangentes e universais, tal como em física a mãe de todas as ciências, em que basta uma regra não se verificar e apenas uma vez, para deixar de ser lei.
1.1.   Exemplo: A gravidade é uma lei porque se aplica a todos os corpos.

2.      Na forma como reflito sobre este tema, não é suficiente pensar em decidir passar ou driblar, sem saber para quê, qual o motivo.
2.1.   Devemos então conseguir enquadrar os motivos e a oportunidade de implementar um, ou outro gesto, e qual a razão ou o motivo da sua necessidade? Então precisamos de mais um ingrediente que é o lançamento.  
2.2.   Os fundamentos do jogo são lançar, passar e driblar e digo por esta ordem e não outra, porque penso que logo aqui definimos muito da importância da ORDEM, da sequência, e que ela não é inocente na compreensão do tema.
2.3.   Estes gestos lançar, passar ou driblar e sua prioridade são processos que só fazem sentido se contribuírem para conseguir o objetivo do jogo que é marcar pontos, isto é, lançar e talvez meter (determinismo e probabilidade).
3.      Se pretendermos caracterizar o momento de decidir lançar, passar ou driblar, talvez a pergunta pertinente seja; QUER, PODE OU DEVE LANÇAR? Resposta; Não quer, não pode ou não deve lançar. Então depois, e só depois a pergunta se é mais adequado passar ou driblar.
3.1.   Nesta perspetiva usando o advérbio de lugar – ONDE - é pertinente saber onde estamos no campo (referências), e esta é a primeira pergunta para a qual é preciso uma resposta.
3.2.   Não é por acaso que, no início, os jovens atletas dos minis se perdem no campo de jogo e as referências espaciais são uma das preocupações iniciais no ensino do jogo.  

4.      Neste caso mais uma vez, o conceito de ordem assume um papel disciplinador no processo de raciocínio e na decisão e sabemos que ela, a ordem, é intrínseca ao encadeamento dos processamentos mentais utilizados para as decisões.
4.1.   Através desta regra da ordem, o advérbio de lugar, ONDE; o adverbio de tempo, QUANDO; o advérbio de modo, COMO, e insisto nesta ordem, como resposta eficaz ao processo de decisões, principalmente quando estão em jogo propostas de processos e métodos em que pretendemos que seja o jogador, ou os jogadores a decidirem, e nesse caso, temos de patrocinar critérios comuns e universais de decisão.
4.2.   Antes da pergunta do COMO executar o passar ou driblar, está a pergunta do QUANDO o fazer. Esta resposta depende do resultado da perceção e da consciência de ONDE se está, tornando-se esta na base de todas as decisões.

5.      Reconhecido o local onde estamos, as respostas sequentes não estão pré-determinadas, são antes aleatórias, de livre arbítrio, imprevisíveis, residindo aqui muito da beleza do desporto. 

6.      MAS NÃO CHEGA APENAS saber onde, quando e como, é preciso cruzar a técnica com os valores, e introduzir outros conceitos necessários e condicionantes de uma boa decisão.
6.1.   Aliás deve ser assim na sociedade. Por exemplo, se pensarmos no perigo de sociedades ou grupos dominarem a ciência da energia atómica e não terem uma boa base de valores para a sua utilização, temos seguramente o caos, uma tragédia.   
6.2.   Decidir implica riscos e assumir responsabilidade, tanto mais necessária num clima de total LIBERDADE na escolha, mas também de IGUALDADE, pois as regras são iguais para todos, já que estamos a falar de valores.
6.3.   É preciso para a sustentabilidade do próprio sistema (diria, neste caso, para a estabilidade e vida do grupo, da equipa) introduzir outro conceito prático, o de ÁREA DE LANÇAMENTO, através da introdução da noção de probabilidade, em oposição ou contradição ao determinismo do sistema decorado, pois o basquetebol é um jogo de taxas de sucesso, vulgarmente traduzidas e interpretadas na estatística e na percentagem.
6.3.1.Exemplo por mais seguro e de elevada probabilidade de sucesso exista num lançamento, existem lançamentos falhados, e por mais improváveis e inconcebíveis sejam alguns lançamentos entraram no cesto. A imprevisibilidade ao serviço da emoção e da paixão.
6.4.   Precisamos de entender a necessidade do reconhecimento de área de lançamento, como uma zona de elevada probabilidade ou de elevada percentagem de sucesso. E porquê?
6.5.   Porque existe essa liberdade, é necessário a correspondente responsabilidade resultante e inerente à possibilidade de se puder decidir lançar de qualquer ponto do campo e por qualquer jogador.
6.6.   Porque existe essa possibilidade e não a podemos excluir por ser real, não a incluir tornaria a reflexão incompleta por exclusão de possibilidades, impossibilitando o caráter universal de uma teoria por não ser abrangente, por não cobrir todas as situações, ou todos os intervenientes.
6.7.   Não excluímos, portanto, as variáveis resultantes das qualidades de cada interveniente, por admitir haver especialistas em lançamentos “costa a costa”, que não sendo frequentes, são possíveis ou se quisermos não são impossíveis porque já aconteceram.
6.8.   Quando se introduz o valor da taxa de sucesso e o risco associado, o primeiro é inversamente proporcional à distância, isto é, quanto mais longe do cesto menor probabilidade de sucesso, e o risco diretamente proporcional, menor a distância menor o risco.
6.9.   Então fica claro que, por estas razões é útil e desejável aumentar a probabilidade e diminuir o risco, aproximando a bola do cesto (ou procurar alguém que tenha menor grau de oposição), porque assim aumentamos a possibilidade de sucesso no lançamento.

7.      Deixemos a componente velocidade necessária para evitar a oposição e facilitar o lançamento, para não divagarmos do tema.

8.      APROXIMAR ou DESCOBRIR SIM, MAS COMO? Então decidir se passar ou driblar fazem sentido?  

9.      Estas noções ainda tem a sua pertinência e oportunidade com a maturidade, com a idade, no fundo com o escalão.

10.   Mas as capacidades ou qualidades de cada escalão e de cada atleta variam no tempo. Por isso, estes conceitos têm ainda mais uma variável, a COMPONENTE TEMPORAL.
10.1.                 Dai a necessidade de uma estratégia, um modo de abordagem e ensino para as suas aquisições de acordo com a realidade concreta, de forma progressiva, como desejável em todos os processos de ensino aprendizagem ou de aquisição de conceitos e procedimentos EM TEMPO ÚTIL.
10.2.                 Nestes processos de aquisição com distribuição temporal e de progressão, também existe a necessidade de uma ordem, a que potencia o conhecimento adquirido, pois as capacidades intelectuais para percecionar e receber estas variáveis e conceitos sendo diferentes, potenciam-se e exponenciam-se.

11.   É o momento de realizarmos a IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO, DA DISTÂNCIA, DO LUGAR NO CAMPO E DO TEMPO COMO REFERÊNCIA, nem que seja pela simples razão que através da ordem e estabelecer um critério, ganhamos consciência que as causas antecedem sempre os seus efeitos.
11.1.                 Pensamos ser desejável conseguir resolver com os mesmos princípios e critérios independentemente do lugar em que nos encontramos no campo, palco onde somos chamados permanentemente a tomar decisões tais como lançar passar ou driblar, quer seja em transição ofensiva ou em ataque planeado ½ campo.
11.2.                 Exemplo: se introduzirmos a variável tempo, e o cronometro marca 1 ou 2 segundos de tempo de jogo, a decisão correta é lançar independentemente de onde se esteja. 

12.   Regressemos ao tema em que precisamos de sentir e definir se queremos, se pudemos ou se devemos lançar, no fundo identificar se estamos ou não em área de lançamento e da probabilidade de sucesso, (enquadramento, equilíbrio, grau de oposição, etc.), ou se por imposição da variável tempo não há alternativa senão lançar.
12.1.                 Sobre a decisão lançar nada mais há a dizer, (a não ser ir ao ressalto e preparar a recuperação defensiva, sinonimo da imprevisibilidade)
12.2.                 Se a decisão é não lançar então, passamos ou driblamos? Estamos em pleno mecanismo de decisão. Nesta hipótese precisamos da decisão seguinte;
12.2.1.   Passar, sim se for para lançamento, uma assistência, ou seja, a opção seguinte é de PASSE PARA LANÇAMENTO, e em alternativa, e só depois driblamos, e para quê driblar? Para lançar com melhor probabilidade de sucesso porque progredimos para uma área de maior percentagem, ou com menor grau de oposição.
12.2.2.   E se por qualquer imprevisibilidade própria do jogo, não se puder finalizar (imprevisibilidade novamente) não puder lançar, então passar para lançamento, novamente, a assistência, e não saímos dos mesmos critérios.
12.3.                 Estas regras com critérios sequenciais são para o Michael Jordan, para o Steve Nash, para mim para e para um jogador sub qualquer coisa, para qualquer personagem, em qualquer idade, lugar do campo, ou em qualquer parte do mundo.

13.   Só assim se pode transformar uma teoria em princípio, numa lei, numa regra, num axioma, num postulado ou no que se quiser, porque é geral, e se pode aplicar em todas e quaisquer circunstâncias.

14.   O que se fornece ao decisor, ao jogador, ou aos jogadores, são as REGRAS os CRITÉRIOS PARA DECIDIR não é a decisão, fornece-se regras e critérios compreendidos e entendidos como necessários para o decisor e para os restantes elementos do grupo, tornando-se num bem comum.

15.   Através das ordens de importância que decidimos atribuir, estas ou outras mas em concordância com os objetivos, estabelecendo sequencias temporais pela qual se formulam as respostas, de uma forma coerente, permanente e sistemática porque aplicada em todas as situações, constitui-se um conjunto de princípios aceites pelo grupo pela força da sua simplicidade e eficácia e pela coesão que possibilitam.

16.   O treino é para apreender e integrar essas regras, e a repetição melhora o tempo da decisão e a qualidade da execução promovendo a interiorização progressiva de quem decide é o jogador.

17.   Desta forma, estabiliza-se o método de raciocínio do decisor, base para uma boa decisão ancorada nos critérios e na sua sequência, ingrediente que fornece segurança para as situações futuras, permite autoconfiança, mas também confiança na decisão dos outros membros do grupo, e no processo proposto.

18.   Neste caso as sequencias ou ordem de importância no espaço/tempo são: 

ONDE – referências; QUANDO – o momento, timing; COMO – a técnica adquirida pelo treino.
18.1.                 Não temos tempo para a teoria da relatividade nem para Einstein porque nem o espaço nem o tempo são absolutos, e talvez uma das funções do treinador seja fazer com o espaço e tempo de cada jogador no seu referencial se aproximem o mais possível, diria através do treino)

Resultado da decisão são:
1.      ONDE estou no espaço e no tempo determina se lançar, passar ou driblar é o mais indicado.  
2.      QUANDO lançar, de acordo com a noção do sucesso possível, ou é melhor passar seguramente se é para um lançamento de maior probabilidade, e só depois o drible; e repete após o drible com o objetivo de lançar com maior probabilidade, (mais perto ou com menos oposição), e caso não lance, novamente passar para lançamento, assistindo.
3.      COMO lançar, passar e driblar. Gestos técnicos de acordo com o lugar e as circunstâncias, escolher e forma mais eficiente e acima de tudo mais eficaz para executar e isso diz respeito à técnica e ao estilo.
É apenas uma forma de abordar ou refletir, mas tem o predicado de definir com clareza, o que fazer, com uma dose de coerência e uma validade, com elevado grau de aceitação pelos jogadores da qual existe experiência de implementação, fugindo a idealismos teóricos e pode ser utilizada desde os minis até aos seniores, por isso a acho útil e poderosa,

Aniceto do Carmo 
23.12.2019














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