Regulamentos: Sim ou Não? – por João Oliveira


Quando comecei a jogar Basquetebol, os jogos de Basquetebol disputavam-se em jornadas concentradas, nos escalões de Minis e Iniciados.

Não sabia que havia qualquer RTP (Regulamento Técnico Pedagógico), mas sabia que todos os jogadores tinham de jogar 1 período, durante a primeira parte, e que as equipas tinham de apresentar 8 jogadores.

Nos últimos anos, assistimos a algum desconforto com o RTP e a FPB deixou-o cair, recentemente.

TERÁ SIDO UMA BOA DECISÃO?

Para os insatisfeitos foi-o com certeza. Contudo, tentei ir um pouco mais além e, ao fazê-lo, fui “brindado” com a seguinte ideia:

A grande maioria dos problemas das organizações resultam de estruturas incoerentes, "castradoras" e limitadoras da expressão e desenvolvimento individual e coletivo.

O QUE É QUE ISTO QUER DIZER?

Que as organizações necessitam de estruturas, entre elas sistemas e processos, para fazer acontecer o que desejam. Porém, essas estruturas poderão aprisionar e limitar ou poderão libertar e potenciar as pessoas a agirem, a executarem. 

Por isso, a questão não está nas estruturas (sistemas e processos), que são necessárias a execução, mas na sua QUALIDADE.

COMO PODEMOS AVALIAR A QUALIDADE DESSAS ESTRUTURAS?

Entre outros, podemos identificar três critérios de base. 

UM) O primeiro é o da coerência. Isto é, as estruturas servem a execução desejada. Por isso, estão dependentes do que se deseja. Por sua vez, o que se deseja faz parte de um outro pilar das organizações, o da Estratégia (visão, missão, valores, plano estratégico). Por isso, para avaliar a qualidade dessas estruturas (sistemas e processos, como o RTP), necessitámos de averiguar a coerência dessa estrutura e esta depende da resposta a questão: estas estruturas aproximam-nos ou afastam-nos da estratégia (do que se deseja)?

Se aproxima é coerente, caso contrário é incoerente.

Todavia, para responder a esta questão, necessitamos de clarificar a Estratégia da organização. Ou seja, saber se o RTP (ou qualquer outra estrutura) é coerente ou não exige sobrepô-lo à Estratégia. Conteúdo, se não existir uma estratégia partilhada e mobilizadora na organização, então responder a esta questão torna-se frustrante.

DOIS) O critério que surge num segundo nível é o da liberdade. Ou seja, se essas estruturas dão possibilidade de as pessoas fazerem as suas próprias escolhas ou se estas, as escolhas, são determinadas exteriormente.

Neste enquadramento, pode-se perguntar se a incorporação ou a anulação do RTP (enquanto estrutura para concretizar um desejo) resultou de uma escolha que envolveu os principais interessados ou se lhes foi imposta por terceiros.

TRÊS) A um terceiro nível, podemos considerar o critério potenciar. Isto é, a estrutura em causa (seja um RTP, um Regulamento de Provas, um Regulamento de Transferência, um Plano de Comunicação e Marketing, o Processo de Escolha de Treinadores, Jogadores, Colaboradores, ...) potência o desenvolvimento do que se deseja ou limita-o?

Por isso, neste momento, poder-se-ia perguntar: será que aceitar ou rejeitar qualquer estrutura (como o RTP ou outras) sem considerar este conjunto de questões é a melhor forma de tomar decisões no Basquetebol Português, ao longo do tempo?

Por outro lado, para além dos critérios de qualidade das estruturas, podemos considerar ainda mais algumas ideias.

IDEIA: Considerando que o RTP afeta o jogo e seu ensino, imagine-se um Treinador que vai ensinar pessoas a jogar basquetebol. 

No início, o Treinador experimentou lançar a bola ao ar e deixar que os miúdos aprendessem a jogar por ensaio erro. A liberdade era máxima. Contudo, o resultado foi a anarquia, o caos e o domínio dos mais fortes (no momento).

Insatisfeito com este resultado, o Treinador decidiu ensinar jogadas. Passou a impor posicionamentos e movimentos. O caos deu lugar a organização, mas com um custo elevado ao nível da liberdade e criatividade, pela promoção da acefalia, e ao nível da atitude, com alguns jogadores a desistirem, outros a contestarem e uns quantos a resistir dissimuladamente ou a cumprirem apenas com o essencial.

Desconfortável por estar a tratar as pessoas como objetos, o Treinador necessitava de encontrar uma forma de ensinar a jogar que promovesse a cooperação animada, o compromisso assumido e o entusiasmo criativo. O desafio passava por encontrar uma forma de ensinar que conjugasse o melhor de dois mundos, o da liberdade com o da organização. Por essa altura, descobriu que se ensinasse regras de ação ou conceitos de jogo, então podia libertar o potencial das pessoas ao mesmo tempo que organizava a equipa e, ainda, conseguir a cooperação animada, o compromisso assumido e o entusiasmo criativo. Lembrou-se do provérbio chinês "não dê o peixe, ensine a pescar" e passou a ensinar os jogadores a jogar.

Os RTP's e todas as estruturas de uma organização podem passar por processos semelhantes ao deste Treinador: serem inexistentes ("lançar a bola ao ar e esperar que as pessoas aprendam"); serem limitadoras ("ensinar jogadas"); ou serem libertadoras e potenciadoras ("ensinar a jogar"). O RTP que estava em vigor poderia estar a ser limitador. Extingui-lo poderá ter levado, no exemplo “daquele Treinador”, a retroceder para "lançar a bola ao ar e esperar que as pessoas aprendam a jogar por ensaio e erro".

No contexto do Basquetebol Português, considerando o número de praticantes, as suas características morfológicas, (…), SERÁ QUE O MELHOR CAMINHO PARA CONSEGUIRMOS O QUE DESEJAMOS É CONFIAR NO ENSAIO E ERRO?

Curioso é que mesmo no País pátria do Basquetebol (em que existe uma enorme quantidade de jogadores) a desregulação tem produzido repetidamente surpresas negativas evidentes e tem levado os responsáveis a lançar, por exemplo, programas de formação de Treinadores online.

Ou seja, aprender quer por dedução (“ensaio e erro”), quer por imposição (“ensinar jogadas”) não deixa todas as pessoas confortáveis a médio e longo-prazo, nem produz o que se deseja.

QUAL PODERÁ SER A ALTERNATIVA?

Construindo a partir do exemplo partilhado do Treinador, a alternativa poderá ser “ensinar a jogar”. Ou seja, do mesmo modo que um Treinador necessita de encontrar regras de ação ou conceitos de jogo para libertar e potenciar os jogadores e as equipas, as organizações necessitam de encontrar as estruturas (sistemas e processos) que os ajudem a tomar decisões coerentes, libertadoras e potenciadoras.

Voltámos a uma das questões iniciais, a da estratégia. Como não desejámos ser redundantes, parece oportuno REFLETIR SE DAS QUATRO UMA:
  1. Não há estratégia e, por isso, torna-se impossível qualificar a decisão de manter ou extinguir o RTP ou qualquer outra estrutura ou;
  2. Há estratégia, mas não é partilhada e mobilizador e, consequentemente, só alguns podem qualificar com propósito a decisão ou;
  3. Há estratégia partilhada e mobilizadora e uma parte das pessoas pensa que a extinção do RTP pode ser qualificada como positiva, enquanto outra como negativa, dependendo se acredita em aprender a jogar por “ensaio e erro” ou “ensinando jogadas” ou;
  4. Há uma estratégia partilhada e mobilizadora, mas o processo de decisão em si é incongruente, imposto e/ou limitador.

Todas elas encerram excelentes oportunidades de desenvolvimento.

A propósito, o processo que conduziu a esta decisão é ele mesmo uma estrutura do Basquetebol Português. Por isso, PODERÁ SER PERTINENTE PERGUNTAR:

Essa estrutura (processo ou sistema de decisão de manter ou extinguir o RTP, não dispomos de informação se melhorá-lo tivesse sido uma opção) é congruente, libertadora e potenciadora?

Depende da qualidade da estratégia. Por isto, sabendo que a execução - tornar real o que desejamos – é muito importante, primeiro ajuda desenvolver uma estratégia partilhada e mobilizadora. Caso contrário, poderemos estar a construir a casa pelo telhado e a discutir como colocar “telhas” e “tijolos” e não a construir a casa que desejamos.

Do mesmo modo que alguém perguntou a dois trolhas “o que estavam a fazer”, enquanto estes assentavam tijolos e um deles respondeu “estou a construir uma parede” e o outro “estou a construir uma catedral”, poderá ajudar refletir sobre, se estamos a construir “paredes” ou “catedrais”, enquanto cada uma das pessoas interessadas pelo Basquetebol Português está a contribuir.

Regulamentos: Sim ou Não?



por João Oliveira
26-12-2019












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