Quando comecei a jogar Basquetebol, os jogos de Basquetebol disputavam-se
em jornadas concentradas, nos escalões de Minis e Iniciados.
Não sabia que havia qualquer RTP (Regulamento Técnico Pedagógico), mas sabia
que todos os jogadores tinham de jogar 1 período, durante a primeira parte, e que as
equipas tinham de apresentar 8 jogadores.
Nos últimos anos, assistimos a algum desconforto com o RTP e a FPB deixou-o
cair, recentemente.
TERÁ SIDO UMA BOA DECISÃO?
Para os insatisfeitos foi-o com certeza. Contudo, tentei ir um pouco mais
além e, ao fazê-lo, fui “brindado” com a seguinte ideia:
A grande maioria dos
problemas das organizações resultam de estruturas incoerentes,
"castradoras" e limitadoras da expressão e desenvolvimento individual
e coletivo.
O QUE É QUE ISTO QUER DIZER?
Que as organizações necessitam de estruturas, entre elas sistemas e
processos, para fazer acontecer o que desejam. Porém, essas estruturas poderão
aprisionar e limitar ou poderão libertar e potenciar as pessoas a agirem, a
executarem.
Por isso, a questão não está nas estruturas (sistemas e processos), que são
necessárias a execução, mas na sua QUALIDADE.
COMO PODEMOS AVALIAR A QUALIDADE DESSAS ESTRUTURAS?
Entre outros, podemos identificar três critérios de base.
UM) O primeiro é o da coerência. Isto é, as estruturas servem a execução
desejada. Por isso, estão dependentes do que se deseja. Por sua vez, o que se
deseja faz parte de um outro pilar das organizações, o da Estratégia (visão,
missão, valores, plano estratégico). Por isso, para avaliar a qualidade dessas
estruturas (sistemas e processos, como o RTP), necessitámos de averiguar a
coerência dessa estrutura e esta depende da resposta a questão: estas
estruturas aproximam-nos ou afastam-nos da estratégia (do que se deseja)?
Se aproxima é coerente, caso contrário é incoerente.
Todavia, para responder a esta questão, necessitamos de clarificar a
Estratégia da organização. Ou seja, saber se o RTP (ou qualquer outra
estrutura) é coerente ou não exige sobrepô-lo à Estratégia. Conteúdo, se não
existir uma estratégia partilhada e mobilizadora na organização, então
responder a esta questão torna-se frustrante.
DOIS) O critério que surge num segundo nível é o da liberdade. Ou seja, se
essas estruturas dão possibilidade de as pessoas fazerem as suas próprias
escolhas ou se estas, as escolhas, são determinadas exteriormente.
Neste enquadramento, pode-se perguntar se a incorporação ou a anulação do
RTP (enquanto estrutura para concretizar um desejo) resultou de uma escolha que
envolveu os principais interessados ou se lhes foi imposta por terceiros.
TRÊS) A um terceiro nível, podemos considerar o critério potenciar. Isto é,
a estrutura em causa (seja um RTP, um Regulamento de Provas, um Regulamento de
Transferência, um Plano de Comunicação e Marketing, o Processo de Escolha de Treinadores,
Jogadores, Colaboradores, ...) potência o desenvolvimento do que se deseja ou
limita-o?
Por isso, neste momento, poder-se-ia perguntar: será que aceitar ou
rejeitar qualquer estrutura (como o RTP ou outras) sem considerar este conjunto
de questões é a melhor forma de tomar decisões no Basquetebol Português, ao
longo do tempo?
Por outro lado, para além dos critérios de qualidade das estruturas, podemos
considerar ainda mais algumas ideias.
IDEIA: Considerando que o RTP afeta o jogo e seu ensino, imagine-se um
Treinador que vai ensinar pessoas a jogar basquetebol.
No início, o Treinador experimentou lançar a bola ao ar e deixar que os
miúdos aprendessem a jogar por ensaio erro. A liberdade era máxima. Contudo, o
resultado foi a anarquia, o caos e o domínio dos mais fortes (no momento).
Insatisfeito com este resultado, o Treinador decidiu ensinar jogadas. Passou
a impor posicionamentos e movimentos. O caos deu lugar a organização, mas com
um custo elevado ao nível da liberdade e criatividade, pela promoção da
acefalia, e ao nível da atitude, com alguns jogadores a desistirem, outros a contestarem
e uns quantos a resistir dissimuladamente ou a cumprirem apenas com o essencial.
Desconfortável por estar a tratar as pessoas como objetos, o Treinador necessitava
de encontrar uma forma de ensinar a jogar que promovesse a cooperação animada,
o compromisso assumido e o entusiasmo criativo. O desafio passava por encontrar
uma forma de ensinar que conjugasse o melhor de dois mundos, o da liberdade com
o da organização. Por essa altura, descobriu que se ensinasse regras de ação ou
conceitos de jogo, então podia libertar o potencial das pessoas ao mesmo tempo
que organizava a equipa e, ainda, conseguir a cooperação animada, o compromisso
assumido e o entusiasmo criativo. Lembrou-se do provérbio chinês "não dê o
peixe, ensine a pescar" e passou a ensinar os jogadores a jogar.
Os RTP's e todas as estruturas de uma organização podem passar por
processos semelhantes ao deste Treinador: serem inexistentes ("lançar a
bola ao ar e esperar que as pessoas aprendam"); serem limitadoras
("ensinar jogadas"); ou serem libertadoras e potenciadoras
("ensinar a jogar"). O RTP que estava em vigor poderia estar a ser
limitador. Extingui-lo poderá ter levado, no exemplo “daquele Treinador”, a
retroceder para "lançar a bola ao ar e esperar que as pessoas aprendam a jogar por
ensaio e erro".
No contexto do Basquetebol Português, considerando o número de praticantes,
as suas características morfológicas, (…), SERÁ QUE O MELHOR CAMINHO PARA
CONSEGUIRMOS O QUE DESEJAMOS É CONFIAR NO ENSAIO E ERRO?
Curioso é que mesmo no País pátria do Basquetebol (em que existe uma enorme
quantidade de jogadores) a desregulação tem produzido repetidamente surpresas
negativas evidentes e tem levado os responsáveis a lançar, por exemplo,
programas de formação de Treinadores online.
Ou seja, aprender quer por dedução (“ensaio e erro”), quer por imposição (“ensinar
jogadas”) não deixa todas as pessoas confortáveis a médio e longo-prazo, nem produz o
que se deseja.
QUAL PODERÁ SER A ALTERNATIVA?
Construindo a partir do exemplo partilhado do Treinador, a alternativa
poderá ser “ensinar a jogar”. Ou seja, do mesmo modo que um Treinador necessita
de encontrar regras de ação ou conceitos de jogo para libertar e potenciar os
jogadores e as equipas, as organizações necessitam de encontrar as estruturas
(sistemas e processos) que os ajudem a tomar decisões coerentes, libertadoras e
potenciadoras.
Voltámos a uma das questões iniciais, a da estratégia. Como não desejámos
ser redundantes, parece oportuno REFLETIR SE DAS QUATRO UMA:
- Não há estratégia e, por isso, torna-se impossível qualificar a decisão de manter ou extinguir o RTP ou qualquer outra estrutura ou;
- Há estratégia, mas não é partilhada e
mobilizador e, consequentemente, só alguns podem qualificar com propósito a
decisão ou;
- Há estratégia partilhada e mobilizadora
e uma parte das pessoas pensa que a extinção do RTP pode ser qualificada como
positiva, enquanto outra como negativa, dependendo se acredita em aprender a jogar
por “ensaio e erro” ou “ensinando jogadas” ou;
- Há uma estratégia partilhada e
mobilizadora, mas o processo de decisão em si é incongruente, imposto e/ou limitador.
Todas elas encerram excelentes oportunidades de desenvolvimento.
A propósito, o processo que conduziu a esta decisão é ele mesmo uma
estrutura do Basquetebol Português. Por isso, PODERÁ SER PERTINENTE PERGUNTAR:
Essa estrutura
(processo ou sistema de decisão de manter ou extinguir o RTP, não dispomos de
informação se melhorá-lo tivesse sido uma opção) é congruente, libertadora e potenciadora?
Depende da qualidade da estratégia. Por isto, sabendo que a execução -
tornar real o que desejamos – é muito importante, primeiro ajuda desenvolver
uma estratégia partilhada e mobilizadora. Caso contrário, poderemos estar a
construir a casa pelo telhado e a discutir como colocar “telhas” e “tijolos” e
não a construir a casa que desejamos.
Do mesmo modo que alguém perguntou a dois trolhas “o que estavam a fazer”,
enquanto estes assentavam tijolos e um deles respondeu “estou a
construir uma parede” e o outro “estou a construir uma catedral”,
poderá ajudar refletir sobre, se estamos a construir “paredes” ou “catedrais”, enquanto
cada uma das pessoas interessadas pelo Basquetebol Português está a contribuir.
Regulamentos: Sim ou Não?
por João Oliveira
26-12-2019
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