A saga da Tática Individual – por Aniceto do Carmo

O termo Tática Individual embora com duas palavras encerra um conceito, e encontra-se disseminado no léxico da modalidade. Penso entender as razões da sua perfilhação e utilização, mas não concordo que seja aplicado pelos que decidiram ver o basquetebol pelo chamado “método por conceitos”, designação também ela estranha, porque as outras formas de ver o basquetebol também têm os seus próprios conceitos, mas adiante.

Se fosse apenas uma questão de linguística não teria a importância que de facto acho que tem, porque é também uma questão de conteúdo, e na forma como vejo o basquetebol este termo é absolutamente desnecessário, por supérfluo, e no mínimo redundante, o que tentarei justificar porquê.


Compreendo que os treinadores adotem os processos que muito bem entendam e com os quais se sentem mais confortáveis, e os achem os mais adequados aos fins em vista, nomeadamente aqueles baseados em prévias escolhas de sistemas táticos ou jogadas, e neste universo o termo tática individual seja necessário, mas já tenho muita dificuldade em entender que treinadores que se reclamam do jogo denominado “por conceitos”, o utilizem.
Só se percebe se simpatizantes do método dito “por conceitos” utilizem este termo, se de facto ainda não realizaram, ou não compreenderam a sua essência, e as suas profundas diferenças para o método de implementação de sistemas.  

Como se verá não se pode ter nada contra o termo, quando devidamente aplicado a universos diferentes do que escolhi, mas tenho necessidade de refletir sobre a justeza da sua aplicação ao universo do basquetebol em que acredito e que defendo, e que denominei por falta de melhor designação por “basquetebol de introdução progressiva de conteúdos”, que é vulgarmente também designado “por conceitos”,

Como vejo o termo utilizado no basquetebol que gosto, entendo que o termo nos afasta da sua essência e da sua filosofia, apaga ou confunde a diferença fundamental entre métodos. Para diferentes conteúdos e conceitos, diferentes significados e terminologias.

Não interessa a origem do termo, o certo é que se instalou no seio da modalidade basquetebol, foi a dado momento perfilhado, o que leva a concluir que algo mudou para provocar a necessidade do termo,  pois há muito que se faz basquetebol, e do bom basquetebol sem este termo.  

O basquetebol foi em dada altura referência, estatuto discutível nos dias de hoje, mas seria desejável que o fosse, e nessa medida deve refletir e aprofundar sobre pormenores que a outros escapam, e este parece merecer atenta reflexão.

O termo parece aparecer pela necessidade de resolver zonas de sombra na tradicional classificação de atos ou ações da técnica individual ou da tática, para descrever conteúdos um pouco no limbo, necessitando de uma nova terminologia e linguística.

As referências criam e substituem conceitos, no seu normal esforço de progresso, dentro de processos evolutivos. As referências não copiam, não adotam, quanto muito adaptam, mas seja como for é um facto que o termo é largamente utilizado por outras modalidades, em escritos, na linguagem de eruditos da modalidade, em cursos de formação e de treinadores.

Posso aceitar que uma certa forma de ver os desportos coletivos precisem dele, mas na forma como vejo em particular o basquetebol, acho que é um termo forçado e desnecessário, desde logo etimologicamente; A tática sempre foi um termo abrangente de uma visão operacional global, que na sua origem de atividade militar, dizia respeito a todos e a mais do que um, a uma otimização na disposição e utilização de todas as forças em presença, quer no espaço quer no tempo. Por isso reduzir a um o que era de muitos, reduzir a uma unidade, ao individual parece-me uma utilização em si mesmo disruptiva em relação ao seu significado mais global e tradicional. E a história e a tradição contam.

Sobre a necessidade de classificação importa referir que talvez Carlos Lineu quando empreendeu a "divisão e denominação", como forma de organizar a compreensão dos organismos vivos, na sua obra “Systema Naturae”, tinha por certo a consciência da necessidade e da importância direta nos seus estudos botânicos e do mundo animal, mas talvez não tivesse consciente do quanto importante e influente viria a ser o seu método de classificação, pela adoção desta metodologia no futuro de muitos ramos da ciência, com a generalização de métodos da classificação em todos os ramos do saber, onde a sistematização são o primeiro passo para a compreensão. Por certo o basquetebol não deverá ser diferente. Classificar é necessário para melhor conhecer e compreender. A área da técnica e da tática estavam claramente definidas, separadas e sem promiscuidades, e parece-me bem.

Sobre a linguagem digamos que pode ser um sistema de sinais para codificação e descodificação de informações e conceitos.  

Uma das características da linguagem é que ela resulta e consagra a necessidade de comunicar, e para comunicar é preciso emissor e recetor, e nesse sentido entende-se a necessidade de mais que um, do plural, de um grupo, de uma comunidade.

Enquanto grupo e comunidade, a utilidade e a necessidade de comunicação para informação e entendimento mútuos, ou esclarecimentos, contam com a linguagem como um veiculo de comunicação, que no caso particular dos humanos enquanto espécie que melhor desenvolveu esta técnica, ela pode ser efetuada através de linguagem verbal, sons, ou não verbal, gestos e palavras, mas tendo sempre associado um significado, um propósito, de dizer ao outro o que se pensa, o que se sente, ou o que se quer, o que se pretende.

Quando se utiliza o termo tática individual pretendem dizer qualquer coisa, e o quê? Basta agarrarmo-nos às palavras que a compõem, e deduzimos que existem umas coisas da tática, do grupo, que supostamente envolvem ou dizem respeito a todos, porque afetam o coletivo, mas sabe-se lá por que razão são concentradas no individuo, no singular, promovidas pelo individual, dizem respeito a um, é ele por sua iniciativa que determina. Esta é a minha perceção do objetivo, da necessidade da criação e da utilização deste termo tática individual. Leitura momentânea do jogo, na cabeça de um individuo com consequências na decisão e na ação.

Na linguagem basquetebolística tradicional definimos por exemplo técnica individual ofensiva ao lançamento ao passe e ao drible, aspetos intrinsecamente do individuo, e tínhamos, e temos ainda para muitos os sistemas táticos eleitos, outro universo, agora do coletivo, enquanto conjunto de ações que articulam e coordenam os membros da equipa.

Em desportos coletivos podemos imaginar as consequências de algumas combinações da valia destes dois componentes; A qualidade técnica dos jogadores e a qualidade das táticas desenvolvidas pelos treinadores, e assinalemos as combinações mais evidentes, para realçar as possíveis consequências desses arranjos:

Bons jogadores tecnicamente/ Más táticas = vitorias e derrotas em alternância
Bons jogadores tecnicamente/ Boas táticas = maioritariamente vitórias regulares

É por isso que no desporto competição e na modalidade de maior visibilidade, o futebol, o resultado está resolvido e centrado nos cinco dedos da mão de Jorge Jesus. Ele sabe a importância do ingrediente de capital/dinheiro, porque só com ele (o capital) se contratam bons treinadores, ele próprio, e com ele, sabe-se quem são, ou podem vir a ser os bons jogadores. Combinação imbatível até ao dia em que perdem, e ninguém explica bem porquê. Coisas do além, acontecimentos difíceis de explicar, porque fica por entender a derrota, quando há muito dinheiro, treinador conceituado e bons jogadores, tudo do melhor, e perdem! Pois é, o desporto não é matemática e muito menos financeira, o todo não é igual à soma das partes.

Infelizmente esta forma de fazer a modalidade assente num profissionalismo a prazo, correspondeu ao desaparecimento de muitos dos projetos, de clubes, que regressam contundidos à atividade exclusiva de formação, deixando rastos de incumprimentos e insolvências. 

Diria ainda neste mar de referências em que o basquetebol se tem deixado contaminar, o exemplo baseado em factos e não em opiniões; Mourinho demonstrou ser um excelente treinador para clubes onde as equipas eram constituídas maioritariamente por jogadores médios, médios superiores, conseguindo com eles construir equipas excelentes, elevou o seu grau de competitividade, primeiro no Porto, depois no Chelsea principalmente nos dois primeiros anos, e confirmou no Inter de Milão. O todo foi mais que soma das partes. Estaremos de acordo que não conseguiu os mesmos desígnios no Real Madrid ou do Manchester, não conseguiu os êxitos expectáveis, e até revelou ser um treinador normal e vulgar quando em clubes com capacidade financeira, recheados de excelentes jogadores, as equipas e o desempenho em média foram inferiores às expectativas criadas. Nestes casos o todo foi inferior à soma das partes.

Mas saindo da competição e nos reportarmos ao desporto formação aí o capital/dinheiro é o capital humano, e esse capital humano interessa muito ao futebol porque tem a particularidade de se poder transformar em dinheiro, que também concordemos é uma arte, arte cada vez mais bem financiada, e que até tem a adoração dos decisores políticos.   

Mas vamos ao que interessa:

Nos desportos coletivos, entre a técnica individual e tática, existem pelo meio umas coisas chamadas de combinações táticas, e por serem combinações têm de ser entre alguém, ter mais do que um, pelo menos entre 2 jogadores, e outras vezes entre 3, ou mais.

Nestes casos em que estas combinações ocorrem, dentro do todo, já não sabemos bem se são ações só e exclusivamente desses 2, ou desses 3 jogadores, ou daqueles que diretamente participam, ou se são também de todos os outros, também dos que não participando diretamente no entanto são facilitadores, por que não atrapalham, pelo espaço que libertam,  ou se quiserem simplesmente porque assistem.  

Particularizando ainda mais, e como exemplo no basquetebol, e apenas caricaturando, nos finais de tempo, ou para se resolver um qualquer aperto vemos frequentemente 1 jogador com bola ao centro ou só de um lado, e quatro dando espaço a assistir, e nestes casos podemos perguntar se é uma coisa da tática e coletiva, ou se é aproveitamento puro e duro das qualidades da técnica individual do próprio jogador, ou a que se deve? À tática ou à técnica? O que prevalece? Uma das duas coisas. Outro exemplo no futebol é um jogador que pega na bola a ½ campo e leva a bola em drible até marcar golo, é técnica dele ou tática da equipa. 

É que existe no desporto uma coisa que são as cabeças de cada um, que por vezes resolvem e noutras estragam tudo, porque são constituídas por cérebros que tem neurónios sujeitos a correntes elétricas que precisam de pilhas, e elas gastam-se, precisando de serem carregadas com o tónico da motivação, por isso, por vezes estão bem e noutras mal. Não há lugar a teorias gerais, existem apenas ocorrências especificas para aquelas circunstâncias, e indivíduos e equipas que nuns dias decidem e funcionam bem e noutros não, sem lugares comuns, ou conclusões para repetição, situações iguais, e não há direito a replicações automáticas. A psicologia não é uma ciência, e muito menos exata, onde 1+1 sabe se lá se vão ser, ou não 2

E é nesta confusão de técnicas de um lado, táticas do outro, e por vezes complicados comportamentos psicológicos por outro, que aparece o termo tática individual, termo criado e necessário para resolver um problema de conceitos, de arrumação de um sentir, e na tentativa de classificar, tentando resolver a contradição entre o individual e o coletivo. Cuidado que na resolução de contradições é bom que sejam bem resolvidas, e devemos começar pela clarificação da resolução encontrada não só no conteúdo, mas também o que quer ela dizer pelo lado da terminologia, da linguagem.

Comecemos pelo conteúdo, que parece ser a necessidade de expressar um acontecimento para a qual o basquetebol pelos vistos não tinha um lugar claro para a arrumar ou colocar, isto é, pertence à técnica ou à tática?

Temos uma iniciativa individual, do jogador, exclusivamente pessoal, particular e privada, bem-sucedida, que resulta bem para o coletivo, para o bem comum, mas vista na perspetiva do que é de mais tradicional, não cabe nas gavetas nem da técnica nem da tática, porque sendo do jogador, portanto técnica individual, também é do foro da equipa de todos os jogadores, logo da tática. Atenção que a tática tendencialmente, e bem, é da lavra e da pertença do treinador.  

Para melhor compreender este termo viajemos pelas ações defensivas, individuais ou HxH, que em certa medida são referência para restantes processos defensivos, onde também é usado o termo tática individual. Neste caso ainda me parece mais desnecessário e porquê? Porque se no ataque existe uma qualidade diferenciadora entre os membros, 1 jogador tem bola e os 4 restantes não têm, na defesa, são todos iguais, estão todos na mesma condição, ninguém tem bola, e o êxito como sabemos está numa resposta eminentemente coletiva, hoje materializada no conceito de que todos defendem o homem com bola, por certo por reconhecer a sua singularidade, e que só ele com bola pode marcar.  

Sabemos também que na defesa uma resposta individual por si só é completamente improcedente, reconhecendo a justeza da tradicional afirmação, “pressão na bola, corte das linhas de passe e ajuda”. Só essa ação conjunta produzia eficácia. A defesa desde o jogador que pressiona o jogador com bola, diria na posição básica defensiva, claramente usando a sua técnica individual, até aos que pressionam as linhas de passe e aos que se posicionam em ajuda e desencadeiam os processos de rotações e bloqueio defensivo, todos eles usando gestos típicos da técnica individual, pertencentes à gaveta da técnica individual, curiosamente e em simultâneo, neste caso da defesa, fazendo parte, também pertencentes a toda uma manobra coletiva, ao todo do processo defensivo, no fundo à tática defensiva. Então se na defesa parece haver uma pertença simultânea, a uma e a outra gaveta. Então porque será diferente quando se fala de ataque?

Neste exemplo da defesa, a técnica individual e a tática fundem-se, confundem-se, e pergunta-se, é da técnica ou da tática, e se é dos dois na defesa, porque será diferente quando falamos de ataque?

Interessa perguntar se hoje existe algo para além do que sempre existiu, que mereça a classificação híbrida, dualista de tática e de técnica individual. Será que as leituras de hoje são muito diferentes das que existiam, ou é por serem mais inesperadas, mais espontâneas ou não preparadas? Será por não estarem consagradas nos sistemas de ataque ou de defesa, porque desse modo saberíamos onde pertenciam. Será que uma boa leitura e decisão individual, é tão estranha que mereça um tratamento especial? O que escapou ao domínio da tática? Será porque precisamos que essas boas leituras, estando fora do que estava planeado, são necessariamente um ato tão bizarro que precisem de uma designação especial, nomeadamente de tática individual?  

Já agora e certamente só por maldade pergunto, porque não se cria ou se inventa o termo técnica coletiva? Ou seja, qualquer coisa do individual que pertence a todos! Será para evitar o abuso, ou por preconceito ideológico de coletivização, isto é:  

Tática - individual = coisa de todos, de iniciativa ou que pertence a um (contradição)
Técnica - coletiva = coisa de um, que por sua iniciativa pertence a todos (contradição)

Já temos matéria que chegue para sustentar a argumentação, as razões e a reflexão sobre algo que parece estar confuso e mal explicado, na adoção deste termo tática individual, mesmo admitindo a sua necessidade no contexto dos sistemas e das táticas, que tradicionalmente separam o que é da técnica individual e do jogador, do que é da tática, do coletivo e do treinador. Mas o termo tática individual, no contexto do basquetebol “dito por conceitos”, continua a ser desnecessário e porquê?

No caso do basquetebol “dito por conceitos”, já vimos designação infeliz porque todas as formas de ver o basquetebol têm os seus próprios conceitos, ao caracterizarmos a técnica individual como valências individuais de um jogador, tais como lançar passar e driblar, e a tática como aspetos da organização do coletivo, não precisamos de mais nenhum nível de classificação para caracterizar as ações ou para perceber o que se passa quer na técnica individual e na tática, não precisamos de mais nada para compreender e resolver as ações do jogo, porque estes aspetos individuais quer da defesa ou do ataque, não podem ser vistos como só exclusivamente da técnica OU da tática, mas sim, são obrigatoriamente tidos como sendo da técnica E da tática

Carlos Lineu sentiu a necessidade de dividir, de classificar, de partir para melhor compreender, e o basquetebol na linha do conhecimento científico, também necessita para análise de classificação analítica, mas apenas para caracterização e estudo. As duas áreas, a da técnica e a da tática, e a sua separação estão bem, mas repito, exclusivamente para classificação, e nessa perspetiva a classificação clássica é necessária e suficiente.  

No sentido clássico do basquetebol, que opta pela eleição de uma tática ou vulgarmente de sistemas táticos, estamos a falar da utilização das ferramentas do individuo, da sua disponibilidade técnica, dos fundamentos do jogo, tais como lançar passar e driblar, para com elas construir soluções em sistemas táticos, para com elas jogar, mas os domínios estão assumidamente separados. As decisões sobre a utilização das técnicas individuais, tais como o quando lançar passar ou driblar, subordinam-se à tática, a sua sequência tem como objetivo o cumprimento de um dado sistema tático, que se convenciona prevalecer sobre qualquer leitura do individuo, ele não está lá preferencialmente para ler, e decidir sobre o que fazer, ele está lá para executar o que está previsto, e repetidamente treinado para que aconteça, na generalidade o sistema tático prevalece sobre a técnica individual, e principalmente sobre o que respeita a uma eventual leitura, a “jogada tática” prevalece sobre a técnica.

Perante um eventual desvio ocasional da jogada, se não se cumpriu com o desígnio da jogada, e ocorreu um manifesto insucesso, vem para o banco, se correu bem o treinador procura que se interprete como um acidente, e nalgumas vezes até assobia para o lado.   

Contrariamente no chamado basquetebol dito “por conceitos” esta divisão só existe naturalmente no plano analítico, na classificação, e desaparece no método de ensino e particularmente no momento da decisão. No jogo e na ação, não existem dois campos separados, as leituras e as decisões do jogador são sempre mandatárias, ele é convidado e instigado a ler e a decidir permanentemente, e não, a seguir um guião predeterminado. Naturalmente sobre uma ordem de prioridades igual para todos, que constituem convenções e que facilitam a tomada de decisão de qualquer um em total liberdade. São as leituras em cada momento a essência da tática, fazem parte integrante da tática, todas as ações de diagnóstico, inclusive as classificadas como técnica individual, são elas próprias a tática, e se quisermos o “sistema”, ou “sistema tático”. Usando a tradicional classificação do que é da técnica e do que é da tática, são elas suficientes para classificar e caracterizar em cada momento as ações, e tanto faz se foi da técnica individual, ou conjugada com as combinações táticas a solução, e não vemos necessidade de mais nada para compreender o que se está a passar.  

O que é da técnica individual e da tática fundem-se para dar lugar a uma solução. Por isso não faz sentido chamar de tática individual ao que já é por inerência tático, e tático o que tem como base a técnica individual. Tudo o que sendo gesto da técnica individual faz parte integrante da tática. Estamos na mesma situação da defesa, ações individuais dentro do processo coletivo. Por isso achamos que neste contexto é uma redundância, é desnecessário, e defendo a manutenção das formas clássicas de classificação, técnica individual e tática.    

A contradição entre o individual e coletivo estão resolvidos pela sua unidade e dando lugar a outra entidade, uma solução face aos objetivos de meter ou evitar que a bola entre no cesto, portanto quer se trate do ataque ou da defesa, e com os graus de sucesso ou insucesso idênticos ao de qualquer outra conceção de jogo. 

Para realidades que são simultaneamente uma coisa e outra, damos como exemplo a mecânica quântica, que difere da mecânica clássica ou física newtoniana, não só porque abandona o determinismo e introduz a probabilidade, (por acaso também conceitos importantes na compreensão do basquetebol), mas também porque existem fenómenos eletromagnéticos, a luz por exemplo, que tem simultaneamente comportamentos de partícula e de onda, e no caso da física não se arranjou um terceiro nome ou conceito para classificar este fenómeno ou comportamento da luz. Será que precisamos no basquetebol? 
Penso que não, principalmente quando se vê o basquetebol da maneira como o vejo.  

Podemos dizer que a técnica individual é a tática, podemos igualmente dizer que as combinações táticas são a tática, e a tática vive da técnica individual e das combinações táticas, e chega. (o termo “chega” agora está na moda)   

Exemplos

1-    Quando digo a um jogador com bola que ele é o dono do jogo, porque só ele pode fazer a diferença naquele momento, porque ninguém mais, naquele momento do jogo, está em condições de fazer o que só ele pode fazer, por ter a posse de bola, e ele dispõe da possibilidade de usar qualquer dos fundamentos do jogo, da técnica individual, tudo isto é tática.
2-   Quando digo a um jogador em área de lançamento, que 1º pode lançar, 2º pode passar se possível para lançamento e 3º então driblar, no fundo apenas uma sistematização para o ajudar a decidir no uso da sua técnica individual, tudo isto é tática.
3-   Quando digo aos restantes jogadores que não têm a bola, que devem subordinar-se e reagir à ação do companheiro com bola, os outros 4 jogadores que não tem bola são todos naquele momento secundários em relação ao que têm a posse de bola, e digo para, darem, sim darem  espaço, darem linhas de passe ou darem bloqueios a ele ou a outros, tudo isto é tática para permitir o uso da técnica.
4- Que o balanço de altruísmo coletivo aplicado no dar, e o realce das capacidades individuais por ter a bola, podem coexistir, sem prejuízo de um ou de outro, e resultar quer para quem é singular porque tem a bola e poder usar em pleno todas as suas possibilidades, mas também pode beneficiar os restantes, os estão a dar, tudo isto é tática para permitir a técnica.
5-   Quando se distribuem os jogadores no campo, e se estabelecem distâncias entre eles, para que permitam e tenham espaço para driblar, tudo isto é tática para permitir a técnica.
6-   Quando pela posição do homem com a bola (ou mulher, atenção à igualdade de sexos) se definem regras para o lado da bola e para o lado contrário da bola, tudo isto é tática para permitir a técnica.
7-   Quando se estabelecem critérios e prioridades para os cortes do lado contrário da bola para o lado da bola, porque estes por si só retiram espaço a quem está na posse e no lado da bola, tudo isto é tática para permitir a técnica.
8-    Quando se diz que combinações táticas com uso do drible preferencialmente quando há espaço, que o devem ocupar depois de aclaramentos, e do lado contrário se deve mobilizar para retirar a ajuda, tudo isto é tática para permitir a técnica.
9-  Quando estamos a falar de qualquer das combinações táticas utilizadas por 2 ou 3 jogadores usando aclaramentos, passes e cortes, bloqueios diretos ou indiretos, estamos a falar de tática, usando a técnica individual.
10-  Quando dizemos que das ações das combinações entre 2 ou 3 jogadores e das roturas que provocam ou resultam, pode beneficiar os jogadores que não participaram diretamente nas ações, mas que contribuíram para que fossem possíveis, tudo isto é tática, e técnica individual na assistência, ou no passe para lançamento, tudo em simultâneo.

Nesta perspetiva não existe técnica de um lado e tática do outro, existem sim instrumentos que assentam na individualidade desde logo do jogador com bola em 1x1 e na tripla ameaça, e as possíveis combinações táticas de mais do que 1 jogador, 2x2, 3x3 e 4x4 dentro do 5x5, e que todas são armas disponíveis, prontas a serem utilizadas para resolver o objetivo do jogo.

No que respeita à comunicação, ela é concretizada através das informações das próprias ações, que contêm e expressam suficientes sinais resultantes da decisão e do movimento, de onde surgem as respostas aos problemas. A comunicação é efetuada com a linguagem das ações no jogo, a linguagem não verbal, a linguagem gestual características dos próprios fundamentos, a comunicação está lá no lançamento, no passe e drible, é intrínseca através das decisões dos sucessivos acontecimentos e dos movimentos. A linguagem verbal é mais necessária e própria, na defesa, porque esta é normalmente é reativa, porque está atrasada no tempo, e contrariamente no ataque é uma perda de tempo logo de recursos, e também porque na defesa o tempo é um fator a favor, e no ataque é contra.

É através dos gestos técnicos, da linguagem técnica não verbal e das combinações táticas, que se comunica com os outros, não são precisos nomes de jogadas para saber o que se passa, nem fazer sinais para que todos entendam, e se sincronizem com o que vai na cabeça de cada um.

O treino ajuda a consolidar a qualidade das permanentes leituras, para antecipar as decisões e permite sincronizar, prever o que se passa, ou o que se pode vir a passar.

No caso do basquetebol, e como o vejo ou concebo, a tática não só é também constituída intrinsecamente pela técnica individual, como é nesta que tudo começa e tudo acaba. Quando se finaliza um ataque em que se desenvolveram manobras táticas, através de um lançamento, estamos em presença de um gesto da técnica individual a finalizar a ação tática, onde tudo parece concentrar-se e depender. O que é isto se não a técnica individual a culminar a tática. Quem tem a bola é que pode decidir, e que tem de decidir o que fazer com ela, sequenciando as demais combinações de ações individuais e coletivas, desencadeando as ações táticas possíveis desde o seu próprio 1x1, até as restantes combinações que envolvam 2, 3, 4 e 5 jogadores, cujos critérios determina as melhores sequencias.

Estas ações individuais ou combinações mais coletivas, são utilizadas de acordo com as circunstâncias, e por isso não é necessário inventar mais termos (tática individual) porque como vimos tudo se encontra resolvido em unidade dos domínios da técnica e da tática. O inexistente termo de técnica coletiva, que provoquei, é igualmente supérfluo, não ajuda em nada neste contexto.

Já existiam e existem as clássicas necessárias e suficientes classificações para resolver o problema da compreensão do jogo, e não são precisos mais.

Temos de ter cuidado em qualquer ramo do saber, no uso da terminologia estritamente necessária para compreender os conceitos, racionalizando o uso dos termos e evitando equívocos, e nesta perspetiva sobre a teoria do jogo, e de acordo com a forma como se encara o basquetebol jogado na base dos “conceitos”, numa plena junção e unidade da técnica com a tática, compreende-se que os termos necessários noutros contextos, neste caso são absolutamente desnecessários.  

Tal acontece na ciência da física por exemplo, com a criação e persistentemente defendido o conceito de éter, como ambiente de propagação das ondas eletromagnéticas, mas, como nunca se conseguiu provar a sua existência, o conceito desapareceu, e ficou então o éter, apenas e só para designar substância anestesiante. Espero que não seja essa a intenção, a de nos adormecerem.

Este termo da tática individual visto no contexto do basquetebol “por conceitos”, é vazio de conteúdo, não é preciso para nada, a menos que adotemos apenas essa classificação, em detrimento e o desaparecimento da classificação clássica em cada um dos campos da técnica individual e da tática. Penso que perderíamos esclarecimento e entendimento, e talvez assim complicássemos o necessário entendimento do jogo na unidade do individual e do coletivo.

Para basquetebol noutros ambientes, por exemplo no dos sistemas e das táticas, naquilo a que chamamos no basquetebol decorado, onde existem sistemas e táticas prévias a cumprir, e depois, e só depois, os interpretes para as jogadas eleitas, os jogadores, com a sua técnica para as executar. Nesta perspetiva talvez faça falta.

Tenho ouvido muitas queixas de treinadores que se sentem infelizes e descontentes com a sua má sorte, porque na posse de uma boa tática, ela é prejudicada porque lhes faltam os interpretes adequados. Por exemplo não tinham o 5, aquele que o basquetebol nacional sempre procura. Depois não se queixem que os jovens têm outras escolhas e preferências, e que já não temos bases. É que eles, os jovens não gostam de serem preteridos, e querem que os sistemas educativos lhes ensinem a pensar, como resolver problemas, como por exemplo a falta de centímetros, e os ponham a decidir e que acreditem neles, não querem que decidam por eles. Acredito ser este o caminho para ter gente no treino, no jogo, e na modalidade.

Porque a vida também é feita de modas, e elas vão e vêm, são fugazes, aspeto importante no plano formal, mas quando correspondência de um conteúdo. A comunidade basquetebolística precisa de escolher o método, mas saber que isso tem consequências. 
Sendo a tática tradicionalmente e vulgarmente associado ao treinador, vemos isso mais no futebol, onde existe o paladino da tática (e todos felizmente sabemos que ele, o treinador, não pode ser só isso), mas estamos muito centrados num aspeto, que nos impede de reconhecer outras formas de ver, de conceber e de fazer, neste caso basquetebol.

De qualquer das formas e com qualquer dos métodos, pontualmente, alguém vai obtendo sucessos, que dentro de um quadro tradicionalista de pensar a modalidade, acomodado ao pensamento maioritariamente instalado e sem admissão de contraditórios, caindo num contentamento provinciano, que muito justifica a incapacidade de acelerar a esperada melhoria global, quando comparado com o que se faz noutros lugares, não damos importância a detalhes que não são nem podem ser negligenciados.  

Desculpem-me, mas não vou em modas. As técnicas individuais e as combinações táticas, chegam e sobejam para construir equipas, não precisamos de mais conceitos nem de mais termos linguísticos.

No basquetebol português estamos na semelhança, e em presença de um paradoxo infelizmente não resolvido na biologia, protagonizado pelas doenças cancerosas, que de vitória em vitoria vão até à derrota final, porquê? Porque as células descontroladas geneticamente vencem, e constroem as suas estrondosas vitórias aniquilando sem piedade as células boas, mas paradoxalmente, as suas excelentes vitórias contribuem para a inevitável derrota final, para a morte global do organismo a que pertencem, à morte total e absoluta do corpo onde residem, e morrem também. Não haverá exemplo mais forte de uma vitória de Pirro e de um paradoxo.

Quando hoje assisto a um jogo de basquetebol e uma equipa para jogar, normalmente o, ou a base, assinalam o que pretendem fazer, é o momento de ir fazer outra coisa qualquer, porque o que eu realmente gostava era de ir ver basquetebol, mas puro engano ou distração minha, fui parar ao lugar errado, aquilo não parece basquetebol, mais parece circo, em que os jogadores infelizmente estão estranhamente amestrados. Digo amestrados porque dependem do mestre, do tratador … desculpem do treinador.

E se nos seniores porque estamos a lidar com adultos, portanto façam lá o que quiserem porque são maiores e vacinados, e sei bem porque também eu tive de o fazer, quando se trata de crianças e adolescentes, o assunto fica mais difícil de suportar. E estamos neste reino do encantamento onde finalmente acabaram com o insuportável Regulamento Técnico Pedagógico, que não tinha nada de técnico e muito menos de pedagógico. Aleluia. E não há ninguém responsável por esta perda de quase uma década. É tudo bons rapazes!...

É bom que os treinadores utilizem os processos que compreenderam e estão confortáveis mas por favor, aos felizes dos treinadores que decidiram optar por ensinar a jogar pelo dito basquetebol por “conceitos”, e insistem em usar este termo da tática individual, procurem compreender as diferenças fundamentais entre jogar com sistemas decorados, e jogar a depender sempre do pensar e do decidir do jogador, são coisas muito diferentes.

Resumindo, com sistemas o jogador é subalterno e depende da tática do treinador, no de “conceitos” o treinador fornece os critérios, mas depende da qualidade de leitura do seu jogador. Percebo as escolham e o risco envolvido, mas não tenham medo, que no fim são todos mais felizes.

Recomendo que comecem pelo “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. 

por Aniceto do Carmo
7-01-2020