Liderar a auto-motivação: um processo…- por João Silva


De uma maneira relativamente consensual, entendemos que existe uma ação altamente influenciadora entre a intervenção do treinador, elemento essencial no desenvolvimento do processo de treino, e a dinâmica que deve ser colocada pelos atletas em cada momento do trabalho desenvolvido nas sessões de treino.


Sendo assim, não deve o treinador jamais radicar-se num ambiente de conforto que lhe coíba de acompanhar e fomentar a evolução existente na relação que estabelece com os seus atletas. Ser o elemento mais importante do processo de treino é muito mais do que um privilégio. É sobretudo uma distinta responsabilidade perante a exigente condução de indivíduos que se submetem espontaneamente aos métodos de um líder.  

Tenho por convicção que no processo de liderança existe um espaço, expressivamente grande, que permite construir um preciso sentido de consciência relativamente à importância das ações e reações que decorrem no âmbito das relações interpessoais que mantemos. Não que a liderança seja um método de plena democraticidade, a sua operacionalidade não prevê uma participação igualitária de todos os elementos, no entanto estabelece prioridades e responsabilidades individuais que devem estar devidamente identificadas num conjunto de procedimentos coletivos.

O objetivo é incrementar a confiança do individuo em si próprio para que dessa forma possa tomar decisões, criar opções, ultrapassar obstáculos e reformar convicções limitadoras em atitudes positivas que serão o suporte de uma dinâmica eficaz na consecução do resultado desejado. Estas características, necessárias à obtenção de elevados níveis de rendimento, não são unicamente atingidas através do aumento da carga horária de trabalho. Existem outros fatores que influenciam determinantemente o desenvolvimento do atleta, entre os quais gostaria de destacar a motivação, fundamentalmente a de carater intrínseco. Nesta lógica, não devem os treinadores partir do suposto que a auto-motivação (intrínseca) é um fator genético que coloca os atletas num patamar de eventual igualdade motivacional relativamente ao seu comportamento para a obtenção dos objetivos ambicionados.

Na relação que estabeleço com os meus atletas procuro criar um compromisso relativamente à perceção sobre a necessidade de treinarmos a auto-motivação. Aparentemente sendo este um fator com uma dimensão exclusivamente pessoal, rapidamente entendemos que a influência do treinador é capital na maior ou menor capacidade que os atletas têm no domínio da sua motivação. Sendo assim, numa dimensão apresentada num plano virtual – suscetível de se realizar, o acordo estabelece uma relação de responsabilidade na ordem dos 20/80. Na procura de se convergir para a construção de um ambiente de trabalho que envolva uma dinâmica 100% favorável à consecução das metas traçadas, cabe ao treinador utilizar eficazmente os seus 20% para com isso fomentar sucessivamente a consciência do atleta na orientação do seu comportamento, através de elementos intrínsecos, desejando assim cumprir com os seus 80%. É fundamental que as partes percebam a ideia do compromisso e que, especialmente, procurem contribuir em todas as circunstâncias para a rigorosa necessidade de treinar a auto-motivação.

Neste particular, Sidónio Serpa refere em MENTE, DESPORTO E PERFORMANCE: O Fator Psi, que o treino da auto-motivação contém duas dimensões: a dimensão energética ou activacional e a dimensão cognitiva quanto à direcção do comportamento. A primeira está relacionada à intensidade e persistência com que o atleta desenvolve a atividade. A segunda é caracterizada pela intenção do praticante quando se envolve na atividade e pelos objetivos que visa alcançar.

Em função das estratégias utilizadas para que se possa cumprir as intenções estabelecidas na relação entre treinador/atleta, é determinante avaliar o desenvolvimento de cada uma das dimensões. Ainda a propósito desta temática, DANIEL KAHNEMAN, na sua obra PENSAR DEPRESSA E DEVAGAR, explica que “compreender uma afirmação terá de começar pela tentativa de acreditar nela: saber o significado da ideia...” Na minha perspetiva, existe uma conformidade concreta com a exigente capacidade que os treinadores devem possuir na sua ação sobre os atletas, fazendo-os acreditar e compreender as vantagens inerentes ao treino da auto-motivação. O desenvolvimento de um processo de formação desportiva muito bem estruturado nos seus planos táticos e técnicos, não consegue atingir o rendimento pretendido se não existir a determinação/motivação dos indivíduos que o compõem.

Gostaria de reforçar, com convicção cada vez mais acentuada, que a motivação intrínseca não depende exclusivamente do atleta. Não é mais admissível existir treinadores que responsabilizam simplesmente os seus atletas pela ausência de uma atitude dinâmica no decurso do seu trabalho. Aos treinadores compete fomentar, estimular cada um dos seus atletas para as vantagens de uma constante preparação das dimensões associadas ao treino da auto-motivação. Isto é, compreenderem o real significado do compromisso celebrado em função do percurso ambicionado. A auto-motivação é um valor caracteristicamente pessoal mas que nasce, não apenas de um empenho individual. É uma dimensão que tem origem e cresce através da relação entre elementos.

João Silva
10-01-2020