De uma
maneira relativamente consensual, entendemos que existe uma ação altamente
influenciadora entre a intervenção do treinador, elemento essencial no desenvolvimento
do processo de treino, e a dinâmica que deve ser colocada pelos atletas em cada
momento do trabalho desenvolvido nas sessões de treino.
Sendo assim, não deve o treinador jamais radicar-se num ambiente de conforto que lhe coíba de acompanhar e fomentar a evolução existente na relação que estabelece com os seus atletas. Ser o elemento mais importante do processo de treino é muito mais do que um privilégio. É sobretudo uma distinta responsabilidade perante a exigente condução de indivíduos que se submetem espontaneamente aos métodos de um líder.
Tenho
por convicção que no processo de liderança existe um espaço, expressivamente
grande, que permite construir um preciso sentido de consciência relativamente à
importância das ações e reações que decorrem no âmbito das relações
interpessoais que mantemos. Não que a liderança seja um método de plena
democraticidade, a sua operacionalidade não prevê uma participação igualitária
de todos os elementos, no entanto estabelece prioridades e responsabilidades
individuais que devem estar devidamente identificadas num conjunto de
procedimentos coletivos.
O
objetivo é incrementar a confiança do individuo em si próprio para que dessa
forma possa tomar decisões, criar opções, ultrapassar obstáculos e reformar
convicções limitadoras em atitudes positivas que serão o suporte de uma
dinâmica eficaz na consecução do resultado desejado. Estas características,
necessárias à obtenção de elevados níveis de rendimento, não são unicamente
atingidas através do aumento da carga horária de trabalho. Existem outros
fatores que influenciam determinantemente o desenvolvimento do atleta, entre os
quais gostaria de destacar a motivação, fundamentalmente a de carater
intrínseco. Nesta lógica, não devem os treinadores partir do suposto que a
auto-motivação (intrínseca) é um fator genético que coloca os atletas num
patamar de eventual igualdade motivacional relativamente ao seu comportamento
para a obtenção dos objetivos ambicionados.
Na
relação que estabeleço com os meus atletas procuro criar um compromisso
relativamente à perceção sobre a necessidade de treinarmos a auto-motivação.
Aparentemente sendo este um fator com uma dimensão exclusivamente pessoal,
rapidamente entendemos que a influência do treinador é capital na maior ou
menor capacidade que os atletas têm no domínio da sua motivação. Sendo assim, numa
dimensão apresentada num plano virtual – suscetível de se realizar, o acordo
estabelece uma relação de responsabilidade na ordem dos 20/80. Na procura de se
convergir para a construção de um ambiente de trabalho que envolva uma dinâmica
100% favorável à consecução das metas traçadas, cabe ao treinador utilizar
eficazmente os seus 20% para com isso fomentar sucessivamente a consciência do
atleta na orientação do seu comportamento, através de elementos intrínsecos, desejando
assim cumprir com os seus 80%. É fundamental que as partes percebam a ideia do
compromisso e que, especialmente, procurem contribuir em todas as circunstâncias
para a rigorosa necessidade de treinar a auto-motivação.
Neste
particular, Sidónio Serpa refere em MENTE,
DESPORTO E PERFORMANCE: O Fator Psi, que o treino da auto-motivação contém
duas dimensões: a dimensão energética ou activacional e a dimensão cognitiva
quanto à direcção do comportamento. A primeira está relacionada à intensidade e
persistência com que o atleta desenvolve a atividade. A segunda é caracterizada
pela intenção do praticante quando se envolve na atividade e pelos objetivos
que visa alcançar.
Em
função das estratégias utilizadas para que se possa cumprir as intenções
estabelecidas na relação entre treinador/atleta, é determinante avaliar o
desenvolvimento de cada uma das dimensões. Ainda a propósito desta temática,
DANIEL KAHNEMAN, na sua obra PENSAR DEPRESSA E DEVAGAR, explica que “compreender uma afirmação terá de começar
pela tentativa de acreditar nela: saber o significado da ideia...” Na minha
perspetiva, existe uma conformidade concreta com a exigente capacidade que os
treinadores devem possuir na sua ação sobre os atletas, fazendo-os acreditar e
compreender as vantagens inerentes ao treino da auto-motivação. O
desenvolvimento de um processo de formação desportiva muito bem estruturado nos
seus planos táticos e técnicos, não consegue atingir o rendimento pretendido se
não existir a determinação/motivação dos indivíduos que o compõem.
Gostaria
de reforçar, com convicção cada vez mais acentuada, que a motivação intrínseca
não depende exclusivamente do atleta. Não é mais admissível existir treinadores
que responsabilizam simplesmente os seus atletas pela ausência de uma atitude
dinâmica no decurso do seu trabalho. Aos treinadores compete fomentar,
estimular cada um dos seus atletas para as vantagens de uma constante
preparação das dimensões associadas ao treino da auto-motivação. Isto é, compreenderem
o real significado do compromisso celebrado em função do percurso ambicionado.
A auto-motivação é um valor caracteristicamente pessoal mas que nasce, não
apenas de um empenho individual. É uma dimensão que tem origem e cresce através
da relação entre elementos.
João Silva