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Entre o passado e o futuro;
entre a realidade nacional e a internacional; entre o amadorismo e o profissionalismo.
Periodicamente, o
basquetebol português é despertado para fases de introspeção sobre diversos
temas, por pessoas apaixonadas pela modalidade.
Desta
vez, o tema é sobre o número de equipas na principal competição masculina, organizada
pela Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB), denominada Liga Placard.
Convém ter em conta o seguinte
– a Liga Placard é uma competição disputada a nível nacional, com o estatuto de
amadora, organizada por uma organização (FPB) que em termos dos seus estatutos
se obriga a promover e regular a prática do basquetebol, representar o
basquetebol português em organismos internacionais, assegurando a representatividade
em competições desportivas internacionais, através da participação das diversas
seleções nacionais, e não uma Liga profissional como o termo possa levar a se
pensar.
Para mim, a pergunta não é sobre
se deve ter 12 ou 14 equipas.
Se é uma competição amadora
ou profissional.
O importante mesmo é
sabermos responder às questões:
Que visão temos para o basquetebol
e para a competição?
Para
que serve a Liga Placard?
Qual
é o seu propósito?
Que
benefícios pode
trazer aos seus stakeholders?
Organizar uma competição seja
ela amadora, profissional ou profissionalizada, leva-me a pensar que o
basquetebol faz parte de um mercado onde estão inseridas outras modalidades
desportivas e porque não outros tipos de entretenimento, sendo que para mim faz
sentido denominá-lo de mercado da indústria desportiva e do entretenimento.
Num mercado saturado, cheio
de modalidades desportivas, coletivas e individuais, espetáculos culturais, musicais,
eGames e todos os outros tipos de entretenimento, como é que o basquetebol
se pode diferenciar (destacar)?
A Estratégia Oceano Azul
refere que as organizações devem parar de concorrer umas com as outras (Kim &
Mauborgne, 2009). No universo de mercado, o
oceano vermelho é onde estão representadas todas as indústrias presentes no
mercado da indústria desportiva e do entretenimento, e conhecidas, a opção alternativa
é a do oceano azul, que é o espaço das indústrias que não existem.
Um grande exemplo sobre a
aplicabilidade desta teoria é a do circo, onde diversas companhias e artistas passaram
e passam enormes dificuldades, mas que o Cirque do Soleil soube
compreender qual é o seu Oceano Azul, tornando-se um dos maiores espetáculos
existentes, passando o seu cliente alvo tradicional, as crianças, para um consumidor/cliente
adulto, dispostos a pagar por uma experiência de entretenimentos única. Um
outro exemplo é o da equipa dos Harlem Globetrotters, que são um grupo
de entretenimento que usam o basquetebol para desenvolverem um espetáculo inesquecível,
para jovens e adultos e sem concorrência, tal a sua qualidade.
Apercebendo-se desta
realidade, muitas organizações desportivas ao nível de clubes já não são
geridas sobre uma visão meramente desportiva, mas sim numa visão de uma gestão
de uma organização de meios (media company) ou mesmo de comunicação. Em
muitos casos, pode-se até ter dificuldade em encontrar a sua visão mencionada
na sua identidade de forma explícita. Contudo, uma leitura atenta dos seus regulamentos,
práticas e programas, permite identificar a sua visão.
Neste mercado onde estão
tantos produtos (modalidades e áreas de entretenimento) e marcas (organizações
desportivas/clubes), coloca-se o desafio de como disputar uma fatia do
mercado com os outros players?
Porque não há qualquer dúvida,
o basquetebol concorre com outros membros da indústria desportiva e do entretenimento
para captar atletas, compromisso dos adeptos, mais e melhores patrocinadores,
atenção dos órgãos de comunicação social, audiências televisivas e seguidores
nas redes sociais.
As organizações que gerem o
futebol há muito que perceberam este problema. O basquetebol, seja o da NBA,
Euroliga ou competições nacionais de outros países também. Todos lutam pelo
mesmo. Como aumentar a sua fatia de mercado, como aumentar número de
adeptos, ou audiências, como se distinguem da concorrência e o que proporcionam
de diferente.
A NBA e as suas organizações
desportivas (clubes) adotaram uma gestão de “media company”. O foco é
o consumidor do espetáculo desportivo e tudo fazem para que o adepto
tenha momentos inesquecíveis no dia do jogo, seja este visto ao vivo ou em
casa, ou através do contacto no espaço temporal entre jogos.
A construção da imagem dos
atletas gira á volta do espetáculo e as suas performances são levadas aos quatro
cantos do mundo, através do marketing digital, com relevo para a uma aplicação
e redes sociais, usando highlights, fotos, tudo na intenção de prender a
atenção do consumidor, e este ávido de consumir informação está diariamente
à espera dos feitos dos seus ídolos. O Atleta “A” marcou 40pt e 10 ressaltos. O
atleta “B” fez um triplo duplo. O atleta “C” bateu um record.
Todos querem saber os
feitos dos “gladiadores” das arenas da NBA e estão dispostos a consumirem
noticias e comprar produtos, que os ajudam a se identificarem com os seus ídolos,
aumentando o sentimento de pertença, refletindo uma dinâmica de marketing e comunicação perfeita – compromisso/engagement
e devoção dos adeptos da NBA.
Se este é o modelo de
referência, podemos identificar outros tipos de basquetebol. Em linguagem do
marketing podíamos segmentar o basquetebol em função das características da
competição. Por exemplo, se quero ver jovens atletas, cheios de potencial para
se tornarem referencia no mundo do basquetebol, a jogarem com disciplina,
intensidade e rodeados de adeptos incríveis, escolho o campeonato universitário
americano. Mas, se quero ver um jogo de basquetebol estruturado, em que os seus
atletas têm muita qualidade, disciplinados do ponto organizativo do jogo, com
tendência para grande intervenção dos treinadores, então vejo um jogo da
Euroliga.
Que tipo de basquetebol
queremos e podemos ter em Portugal (visão)?
Qual é o propósito da competição?
Qual é a identidade da organização?
Qual é o seu plano
estratégico?
Qual o benefício?
Que marca e que produto pode
o basquetebol ser neste “oceano azul”?
Por isso, o que precisamos de discutir é como nos vamos diferenciar das outras modalidade em termos de:
Sustentabilidade ao nível dos recursos humanos
- Temos atletas em quantidade e qualidade?
- Quantos atletas temos de importar para ter o nível desejável?
- Temos treinadores com a qualidade para o nível que se pretende ter?
- Existem dirigentes conhecedores da gestão desportiva e com uma visão alinhada?
- O número de Juízes que potencialmente não interfiram nos resultados da competição é suficiente?
- Que formação podemos oferecer para melhorar todos os intervenientes do jogo?
- Que tipo de formação precisamos de dar aos jovens atletas para que estes alimentem a equipa sénior e competição?
Sustentabilidade financeira
- Receitas de bilheteira/Fomentar a adesão do público (1ª fase);
- Aumentar o número de espetadores nos jogos ao vivo (2ª fase);
- Mais a melhores patrocinadores;
- Ter receitas dos jogos transmitidos por os canais de televisão e canal OTT (FPB TV) em vez de pagarmos;
Em setembro de 2016, escrevi um artigo dividido em três partes com o título Época de 2016/2017 – crise ou não crise (Pereira, 2016a, 2016b, 2016c).
Na terceira parte desse artigo (Pereira, 2016c) a certa altura escrevi o seguinte:
“o que é necessário é criar uma equipa de trabalho que
faça a gestão da área desportiva, de marketing e comunicação, em sintonia com a
direção da FPB, de uma forma competente, profissional e com paixão, porque a
crise existe, sim é verdade, mas existe acima de tudo porque não temos tido a
abordagem correta vinda dos problemas que a transformação que houve no desporto
colocou ao basquetebol”.
Nesta fase,
existe um conjunto de pessoas nos quadros da FPB, que trabalham a tempo inteiro,
nas funções de Diretor Técnico, Diretor das Competições, Responsável pela Escola
Nacional de Basquetebol, Treinador da Seleção Nacional Seniores Masculinos e Treinador
da Seleção Nacional Seniores Feminino, e diversas pessoas na área da
comunicação e do marketing.
O último valor
conhecido do orçamento da FPB era de 7,9 milhões de euros (início de 2020), o
que leva a pensar que existem condições para que a FPB e os clubes possam pensar
e organizar o basquetebol português em conjunto, operacionalizando uma estratégia
que diferencie o basquetebol da concorrência existente na indústria
desportiva e do entretenimento.
Se ao nível
da NBA, nomeadamente nos princípios da organização é referido o papel de supervisão
e controlo do “Board of Governors”, parece-me que os clubes portugueses poderão
ter um papel mais ativo na gestão da competição principal, até porque em
última análise são eles os mais interessados para que a competição seja gerida de
forma competente, perspetivando possíveis benefícios organizacionais, desportivos
e financeiros.
“os clubes são
os mais interessados para que a competição seja bem gerida e lhes traga benefícios
organizacionais, desportivos e financeiros”
Qual é o futuro que o basquetebol português quer
percorrer?
O de uma
competição nacional de acordo com as normas europeias ou uma competição profissional
gerida de acordo com as decisões dos clubes, para os clubes e com o foco no
consumidor desportivo?
Que vantagens e que inconvenientes?
Que praticabilidade e que consequências?
Será que ainda é importante discutir se devemos ter 12 ou 14
equipas?
Querer gerir
as competições seniores femininas e masculinas do 1º escalão, como uma
modalidade desportiva, parece-me um risco e os resultados estão à vista,
provando que a relação custos/benefícios pendem claramente para os custos e
pouco para os benefícios da modalidade e dos clubes.
Temos jogos
na televisão porque a FPB paga, temos um canal OTT porque a FPB paga, o espaço
que a comunicação social escrita dedica no dia-a-dia ao basquetebol nacional é diminuto,
somente aquando da realização de pontos altos ou jogos entre determinadas
equipas ou playoffs é que lhe dedica algum espaço, contudo diariamente saem
noticias da NBA, o que reforça a ideia do que vende e do que interessa ao consumidor.
Paralelamente
a isto, os Clubes têm dificuldades em recrutar jogadores portugueses e “navegam”
à procura de apoios, que lhes permita alcançar a sustentabilidade financeira.
Precisamos
de desenvolver um compromisso com os adeptos, proporcionando jogos competitivos,
que deixem memórias nos adeptos, através de um espetáculo desportivo que
precisa de ir ao encontro das necessidades e desejos do consumidor do espetáculo
desportivo, contribuindo assim para que este deseje voltar a viver a
experiência do dia do jogo (ao vivo).
Neste momento, sermos reativos quer dizer que vamos
correr atrás do prejuízo, mas ser pró-ativo é tentar apanhar o comboio que se
vai afastando progressivamente da estação e o basquetebol português corre o
risco de o perder definitivamente.
António Pereira
17-03-2021
Referências
Kim, W. C., & Mauborgne, R. (2009). A Estratégia
Oceano Azul. Como criar mais mercado e tornar a concorrência revelante.
Lisboa: Atual Editora.
Pereira,
A. (2016a). Época de 2016/2017 – crise ou no crise? – Parte 1. Retrieved
September 19, 2016, from
http://apbasketball.blogspot.com/2016/09/epoca-de-20162017-crise-ou-no-crise.html
Pereira,
A. (2016b). Época de 2016/2017 – crise ou no crise? – Parte 2 de 3. Retrieved
September 21, 2016, from http://apbasketball.blogspot.com/2016/09/epoca-de-20162017-crise-ou-no-crise_21.html
Pereira,
A. (2016c). Época de 2016/2017 – crise ou no crise? – Parte 3 de 3. Retrieved
September 23, 2016, from
http://apbasketball.blogspot.com/2016/09/epoca-de-20162017-crise-ou-no-crise_23.html
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