Basquetebol – Formação do passado ao presente ou Formação com propósito (Parte 2) - por António Pereira
O momento da rutura
O
efeito do acordo (Lei) Bosman e o profissionalismo
Da
leitura da primeira parte, ninguém fique a pensar que só no Clube Académico
de Coimbra (CAC) é que se fazia formação de qualidade. Não é verdade. Para se
ganhar era preciso treinar/ trabalhar muito e com propósito. Se queríamos
vencer cada jogo era preciso acrescentar valor/qualidade ao trabalho do
dia-a-dia, sempre na procura de melhorar do ponto de vista individual e coletivo.
Não é
difícil identificar clubes que trabalhavam com muita dedicação e paixão
à formação de jogadores, nos anos 70 e 80.
Ginásio
Figueirense e Naval 1º de Maio, na Associação de Coimbra, e mais tarde o
Olivais. Esgueira, Beira-Mar, Galitos, ARCA de Oliveira de Azeméis e
Sanjoanense, na Associação de Aveiro. Os inesquecíveis Vasco da Gama, Académico
do Porto, mas também Leixões, Fluvial, CDUP e F.C. Porto, na Associação do
Porto. A sul, Algés, Atlético, Belenenses, Benfica, Cruz-Quebradense e na margem sul do
Tejo o Barreirense. Alguns destes clubes marcavam presença habitual em fases
finais, revelando igualmente um compromisso com o desenvolvimento de jogadores
e com a formação. Desde já, peço desculpa se me esqueço de algum, mas não é de propósito
e agradeço que me enviem sugestões.
Havia pavilhões onde era difícil jogar pelo ambiente à volta do jogo, com adeptos entusiastas e árbitros constantemente pressionados. Um aparte – naquele tempo não havia marcadores eletrónicos e a cronometragem do jogo era manual. Tirem as vossas ilações...
O que
é que aconteceu a esses clubes e ao trabalho que desenvolviam com tanto carinho?
Qual
foi o ponto da rutura com essa realidade?
Onde é
que o basquetebol português deixou de ter sustentabilidade em recursos humanos
(jogadores), deixando de ser a modalidade de pavilhão número um? Deixando de ser,
até, a modalidade de referência!
Muitos
apontam para o fim da liga profissional, a chamada LCB.
Apesar
de pensar que, sem margem de dúvida, a LCB foi uma competição que ajudou a
catapultar o basquetebol para outro nível – basta ver o que aconteceu no
Europeu de 2007, onde a Seleção Nacional Sénior masculina obteve o 9.º lugar –
a verdade é que os clubes tiveram dificuldade em ajustar-se ao nível da
gestão desportiva exigida e de uma visão sustentada do negócio.
A
criação da Liga profissional, através de Decreto-Lei, veio ao encontro da
vontade dos clubes, mas a sua conceção trouxe um conjunto de responsabilidades
de diversos níveis, que em determinado momento e na minha opinião, os clubes tiveram
dificuldades em cumprir, não encontrando soluções para elas, precipitando o fim
daquela organização, que reunia a maioria dos principais clubes portugueses.
Um dos
problemas que destaco foi a pressão exercida sobre os dirigentes
para profissionalizarem os atletas em detrimento da estrutura. Talvez
não tenha sido uma decisão sensata, por se mostrar incompleta e inadequada. A
profissionalização da estrutura deveria ter acompanhado esse movimento ou, até
mesmo, antecedendo a dos jogadores, por forma a dar resposta aos desafios diários.
Dando
corpo a essa ideia, muitas vezes ouvi dizer: ‘Ou os atletas portugueses
aceitam ser profissionais e estão disponíveis para treinar duas vezes por dia
ou, então, contratamos atletas espanhóis por cem (100 000.00) mil pesetas’,
o equivalente, na altura, a cento e quarenta mil escudos (140 000), que
agora seriam setecentos euros (700.00).
Abro
aqui um parêntesis: Há que lembrar que a partir de 1995, por via do acordo Bosman,
qualquer praticante com passaporte comunitário poderia jogar como um atleta
natural do país da competição, não contando como estrangeiro, abrindo-se as
portas a um mercado de milhões de desportistas…
Posteriormente,
rubricado no ano 2000 o chamado acordo de Cotonou foi aceite como
parte de uma igualdade europeia, permitindo a que muitos jogadores dos países
ACP (setenta e nove países de Africa-Caraíbas-Pacifico), usufruíssem dos mesmos
direitos dos jogadores pertencentes á Comissão Europeia (EC). Quem beneficiou
mais foram os jogadores com dupla nacionalidade USA/países ACP, por terem
normalmente formação americana, o que os tornava atrativos.
Neste enquadramento,
muitos dos atletas portugueses viram-se na necessidade de aceitarem o
desafio, sendo englobados, porém, num ambiente sem estruturas profissionais
e muitos descuidando o seu futuro pós-basquetebol. Se por um lado foi bom, no
que diz respeito ao melhoramento do jogador, por outro, não foi acompanhado por
outras medidas, que trouxessem tranquilidade a cada um deles.
A LCB
desenvolveu um excelente trabalho com um núcleo duro reduzido, nomeadamente na
divulgação do basquetebol, o que levou à adesão de adeptos, refletido em boa
assistência aos jogos em muitos pavilhões, mas também na angariação de
patrocinadores para a competição e à transmissão de jogos na televisão em
diversos canais.
Mesmo
não sendo profissionais, os dirigentes deram o seu melhor e tudo fizerem, para
que o basquetebol atingisse um outro tipo de patamar competitivo.
Mas
isso, por si só, não alterou a realidade de alguns clubes, no que diz às suas
carências, principalmente na capacidade de ter uma estrutura profissionalizada,
que permitisse desenvolver a atividade e encontrar apoios financeiros e gestão
diária da atividade.
Convém
recordar que na LCB havia vencimentos mínimos por força da lei, joia a pagar
pelos clubes para entrar na competição e, claro, surgiu, igualmente, a
obrigação de pagamento de impostos, condição que condicionou os orçamentos, por
absorver boa parte dos seus recursos financeiros, mas que era inevitável.
Com o fim
dos apoios financeiros das autarquias e com a crise financeira de 2008, muitos
dos clubes começaram a ter dificuldades em cumprir os seus encargos e o fim foi
inevitável.
Faltou
à LCB adaptar-se a outras realidades, nomeadamente no que diz respeito aos seus
regulamentos, não demonstrando ser uma organização ágil. Foi
pena!
E é
aqui que vou relembrar a frase que destaquei na 1.ª parte deste artigo.
- UMA
ORGANIZAÇÃO DESPORTIVA ou UM CLUBE SÓ PODE MELHORAR DE DUAS FORMAS:
- Por A ENTRADA DE CAPITAL FINANCEIRO QUE
PERMITA A CONTRATAÇÃO DE MELHORES TREINADORES E JOGADORES;
- OU POR O DESENVOLVIMENTO DE JOGADORES DA
FORMAÇÃO - afirmando assim a qualidade da sua
formação;
Sem dinheiro e sem jogadores portugueses a despontarem, fazendo crer
que a formação foi deixada ao esquecimento, por via da facilidade na contratação
de jogadores europeus, caiu-se na situação de ‘SEM JOGADORES PORTUGUESES E SEM
DINHEIRO’ qual o nível de competição que se pode ter e oferecer aos adeptos e
demais stakeholders? E que papel deve ter a formação /desenvolvimento
de jogadores em Portugal?
Quando
a Seleção Nacional sénior masculina obteve o excelente resultado no Europeu
de 2007, isso refletia o bom momento que o basquetebol vivia e os atletas
em particular. Nesse período, os jogadores portugueses que a compunham e,
não só, disputavam (competiam por) minutos, com os jogadores estrangeiros (não
portugueses), nas suas equipas e alguns jogavam fora de Portugal, em bons
campeonatos na Europa. Essa era uma boa realidade.
Hoje,
numa grande maioria dos jogos a que assistimos raramente não estão dez
jogadores estrangeiros em campo (cinco de cada lado), sendo que o papel dos
jogadores nacionais é o da rotação e/ou dar minutos de descanso a esses
estrangeiros, não se constituindo como uma alternativa.
Há uma
ou outra exceção, felizmente …. e não posso deixar de dar os
meus parabéns aos atletas que desafiam os minutos aos jogadores não
portugueses.
Mas, até
nas divisões secundárias existem jogadores não portugueses um pouco por todo o
lado, sendo que treinadores e dirigentes queixam-se da falta de jogadores
nacionais quando pretendem construir ou reforçar os seus plantéis.
Além
do problema da circulação de jogadores, o que é uma realidade internacional,
basta ver as competições europeias, a NCAA (competição universitária americana)
e a própria NBA, quais serão então os dilemas que o basquetebol da formação encontra?
Quando
se fala de formação é preciso falar da captação, retenção e desenvolvimento de
jogadores e isso leva-me a pensar no papel que magia do jogo de basquetebol
teve e deve ter.
Durante
muitos anos, era frequente ver-se os adeptos a fazerem fila para entrar no
pavilhão. Por vezes, era necessário esperar uma a duas horas antes do início do
jogo, para se entrar. Os pavilhões quase sempre apresentavam uma moldura humana
digna de se registar e de difícil esquecimento, pela atmosfera que traziam ao
espetáculo desportivo. Adeptos/fans davam apoio incondicional à sua equipa,
através de cânticos ou outras coreografias, o que contribuía ainda mais para a
criação de momentos únicos e de grande singularidade, fazendo-os viver momentos
inesquecíveis e mágicos.
Ir ao
basquetebol era sinal de espetáculo.
Um
aparte. Não querendo comparar, mas porque não, quem é que não gostaria de ver
um jogo de futebol em Anfield Road e o cantar do hino do Liverpool, naquelas noites
mágicas, que nos fazem arrepiar ao ver a transmissão televisiva?
Momentos
desses eram vividos frequentemente em muitos dos pavilhões portuguese
e isso ajudava a captar, a reter e a fidelizar não só os adeptos/fans,
mas também novos praticantes, sonhando porventura por poderem vir a viver momentos
como aqueles dentro do campo.
Com o
novo paradigma que a Lei Bosman trouxe ao desporto, as equipas passaram
a ter uma grande rotatividade de jogadores – é difícil manter muitos dos
jogadores estrangeiros que procuram melhores equipas e melhores condições contratuais,
não tendo qualquer afinidade pelo clube ou comunidade - contribuindo para que
os adeptos/fans deixassem de estabelecer em muitas situações laços de
empatia com jogadores, ficando somente a paixão pelo clube, criando um vazio na
relação entre sócios/adeptos/fans, comunidade e atletas.
Numa perspetiva
diferente, o basquetebol passou a ter poucas referências ou ídolos, sendo
que a maior parte dos jogadores nacionais não são referências ou mesmo conhecidos
do grande público, tendo já acontecido que jogadores estrangeiros que de uma ou
outra forma se vão mantendo em Portugal, obtiveram uma maior notoriedade e essa
é também uma das razões de deixarmos de ter as molduras humanas os ambientes de
festa, que se viviam nos pavilhões portugueses, aquando de um jogo de basquetebol.
Deixar de fazer formação que vá de encontro às
necessidades das equipas do ponto de vista competitivo tem sido por demais
penalizante para clubes e seleções nacionais. Há que encontrar o equilíbrio
entre a formação/desenvolvimento de jogadores e a contratação de jogadores
estrangeiros e, neste caso, há que ter em conta a sua qualidade, procurando que
eles ajudem a atrair adeptos/fans, patrocinadores e a comunicação social ao basquetebol e
serem bons exemplos (role model) para os jovens e comunidade.
Pergunto:
- Qual é o ponto da situação da formação de jogadores portugueses?
- É ou não importante formar-se e desenvolver jogadores portugueses?
- Para que serve?
- Qual o seu propósito?
- Qual a cultura que queremos desenvolver?
- Que valores são importantes?
- Como captamos os jovens para a prática do basquetebol?
- Qual a sua qualidade?
- Como comunicamos a nossa visão?
- Que objetivos?
Formar/desenvolver jogadores nacionais é fundamental para a
sustentabilidade dos clubes e das competições e isto é um dos PORQUÊ (WHY) do basquetebol
português.
por António Pereira
12/12/2021
António
Pereira, é um ex-jogador e ex-treinador de basquetebol, tendo desenvolvido a
função de scouting durante vários
anos. É licenciado em Comunicação Organizacional com as especialidades de
Comunicação de Marketing e Comunicação de Relações Públicas, Mestre em
Marketing e Comunicação e escreve sobre Gestão do Desporto, Marketing e
Comunicação do Desporto no blog https://apbasketball.blogspot.com/ e https://ideiasparaobasquetebol.blogspot.com/ entre
outros.
#apbasketball
#momentosinesquecciveisdobasquetebol #ideiasparaobasquetebol
#juntosvamosmaislonge #desporto #sports #basquetebol #basketball #basquetebolportugues
#marketingdesportivo #gestaodesportiva #gestaododesporto #marketing
#marketingecomunicação #marketingecomunicacaododesporto #industriadesportiva
#portugal