Para que se possa perceber o real impacto dos conceitos gerais no processo ofensivo de uma equipa é necessário clarificar o modelo de jogo enquanto estrutura que, de acordo com a filosofia do treinador, deve coordenar o funcionamento dos respetivos conceitos. Sendo assim, mais do que a determinação de um conjunto de princípios exclusivamente teóricos, o modelo de jogo ofensivo, procura admitir a exequibilidade desses conceitos em conformidade com as características dos jogadores, o domínio do espaço e os tempos de execução (timing). Na realidade, se o modelo de jogo não se verificar ser executável dever-se-á, provavelmente, à rotura funcional entre os atributos dos jogadores e o seu domínio sobre o espaço e os momentos adequados para a concretização dos fundamentos adotados. Assim, a simplicidade e objetividade do modelo de jogo são condições que vão determinar o seu sucesso: ser simples promove uma adequada coesão operante entre todos os elementos e a objetividade permite a criação prática de condições favoráveis à concretização do objetivo - marcar pontos (“cestos”).
Facilmente, percebemos que o modelo de jogo ofensivo é sobretudo
produto da filosofia de cada treinador e a sua manifestação prática
faz-se através da relação direta com os seus jogadores. Neste processo de
construção é elementar termos em atenção as diferentes fases que, de uma forma
geral, compõem os ritmos do jogo: transição ofensiva; organização ofensiva;
transição defensiva e organização defensiva.
Uma vez que estamos a nos referir ao modelo de jogo ofensivo,
vamos fazer uma abordagem relativamente aos conceitos gerais inerentes à
transição ofensiva e organização ofensiva.
Movimento da Bola e dos jogadores
Para que se possa construir uma equipa com excelentes
argumentos ofensivos, necessitamos compreender que a parte elementar dessa
construção é, sem qualquer hesitação, a movimentação da bola e dos jogadores.
Através do cumprimento desse conceito, elevamos substancialmente as
possibilidades de alcançarmos o sucesso ofensivo e garantimos a necessária e
exigente coordenação com a criação de espaço e timing adequado para a
realização das ações. Entendemos assim a real complementaridade existente entre
os diferentes conceitos sendo que, pela sua conexão, deverão ser trabalhados
numa lógica coexistente.
Esta dinâmica ofensiva, embora exija mais tempo e dedicação
na sua preparação, permite atingir um conjunto de situações que, não só criam
imensas dificuldades defensivas, mas sobretudo identificam a equipa com a relevância
dos aspetos coletivos (TOGETHER). Sendo assim, a movimentação da bola e
dos jogadores permite:
- Aumentar as percentagens de concretização;
- Envolve todos os elementos em campo (5 jogadores), evitando situações de excessivo individualismo;
- Obriga a um constante movimento dos defesas criando desequilíbrios defensivos;
- Permite atacar os “closeouts” de forma eficaz (timing oportuno);
- Facilita a seleção dos lançadores através do passe para jogadores completamente livres (extrapasse);
- Transforma bons lançamentos em lançamentos excelentes;
- Exige um trabalho apurado ao nível do desenvolvimento racional dos atletas (saber ler o jogo).
Serão então apresentadas algumas noções
para que se possa desenvolver um modelo ofensivo baseado nos três conceitos
gerais mencionados:
I – Mudar
a bola de lado
a) Forçar a defesa a
movimentar-se
- Quanto mais vezes mudar a bola de lado, mais vezes a defesa é forçada a fazer rotações e “closeouts”
- Jogadores devem estar preparados no lado contrário enquanto a bola é movimentada na sua direção
- Atacar os closeouts próximos através de penetrações e os closeouts que permitem espaço e com os braços passivos (em baixo) através de lançamento (conexão espaço/timing)
b) Quem recebe a bola deve
ter iniciativa e não apenas “segurar a bola”
- Ter capacidade de antecipar as ações, realizando movimentos de forma convincente
- Utilizar o drible de forma inteligente: atacar closeouts, criar lançamento ou para movimentar a bola novamente
II – Movimento dos
jogadores
a) Não ficar parado
- Jogadores parados são mais fáceis de serem defendidos
- Movimentar-se sem comprometer o “spacing”
b) Cortes convincentes (Hard cuts)
- Ler o defensor e realizar o corte apropriado:
- Corte nas costas (Back cut)
- Corte pela frente (Face cut)
- Executar cortes decisivos
- Atrair o defensor antes de executar o corte (V cut)
- Executar movimentos com diferentes ritmos (slow to fast)
- Preparado para receber e lançar em todos os cortes
- Ter a noção que o meu corte pode criar um bom lançamento para um colega
III – Utilização
de bloqueios
a) Montar bloqueios legais
- Utilizar bloqueios para libertar um colega
- Manter a cabeça levantada e controlando o espaço
- Executar movimento após executar o bloqueio (não ficar parado)
- Ler o defensor e o atacante na realização do bloqueio para saber se desfaz para o cesto (roll in) ou cria espaço (pop) depois do bloqueio
- Interrompe o movimento para bloqueio (Slip) se o teu defensor tentar impedir a sua realização (overplayed)
b) Usar os bloqueios para
ficar aberto
- Usar o contacto do corpo com o defensor para fixá-lo e depois colocá-lo no bloqueio (ombro com ombro)
- Ler o defensor durante a utilização do bloqueio para tomar a decisão correta no corte:
- Curl cut
- Straight cut (pop)
- Fade cut (flare)
c) Ações coordenadas
- O jogador que usa o bloqueio e o jogador que monta o bloqueio devem trabalhar juntos e coordenados (conexão)
- Devem manter espaço e respeitar o tempo de execução das ações (spacing and timing)
d) Bola na mão (Hand offs)
- Utilizar os hand offs de forma similar com os bloqueios na bola, para libertar o colega
- Se o defensor está a impedir o hand off, então finta e faz movimento de corte para o cesto (back cut).
IV – Penetrações
a) Penetrar e passar (Drive and kick)
- Boas penetrações forçam os defensores a ajudar, libertando uma linha de passe para um colega (kick out pass)
- Penetrar na direção do cesto (ombros virados para o cesto) antes de passares (Kick out pass)
- Permite não denunciar o passe e força o defensor a afundar na ajuda
- O jogador que recebe o passe deve estar preparado para lançar, penetrar ou mudar a bola de lado (swing the ball). Nunca receber e ficar parado. Se ficar parado permite ajuste defensivo e o movimento da bola fica condicionado (Ball movement is dead)
b) Manter o equilíbrio corporal
(não saltar para passar)
- Evita faltas atacantes e maus passes
- Evita penetrar para zonas mais profundas onde há concentração de defensores (mãos) e possibilidade de interceções do passe (Kick out pass)
V – Ângulos
de passe
a) Jogador livre deve criar linhas de passe
- Não ficar parado a ver a penetração
- Executar movimentos para baixo ou para cima criando linhas de passe
- O momento ideal para se movimentar é quando o defensor vira a cabeça para ver a bola na penetração
- Manter contacto visual com o jogador que tem a bola
b) Antecipar que movimento
vou fazer com a bola em função da forma como estou a ser defendido
- Lançar, penetrar ou mudar a bola de lado (Swing pass)
- Antes de passar certificar-se do melhor ângulo para executar o passe
VI – Dentro/Fora
(Inside out)
a) Jogo interior
- Quando a bola entra no poste, olhar para possível passe exterior se a defesa ajudar e de acordo com os movimentos dos restantes atacantes (“ler”)
- Os jogadores do perímetro devem manter movimento de acordo com os conceitos estabelecidos (ver figuras)
- Manter contacto visual com o poste para criar possíveis linhas de passe através de movimentos para cima ou para baixo ou para interior
- Cortes do lado contrário são muito importantes com postes que passem bem. Devem ser feitos preferencialmente pelo jogador na diagonal da bola
- Usar o corpo para esconder/proteger a bola do defensor
De acordo com as minhas convicções, a transição ofensiva (TOF) apresenta-se como uma das fases de maior impacto no desenvolvimento do modelo de jogo ofensivo. Devido à sua significativa importância, a TOF deve estar devidamente construída (movimento da bola e dos jogadores, timing e spacing) e alvo de trabalho intenso e regular. Perante esta constatação, apresentarei de seguida uma estrutura simplificada da TOF que entendo ser a mais conveniente à estrutura da minha equipa.
Transição Ofensiva (TOF)
A ocupação do espaço de forma racional é determinante para que todos os jogadores possam ter uma participação no processo de TOF. De acordo com a figura, cada um dos jogadores deve estar devidamente identificado com a sua provável função no momento de recuperação da posse de bola. É possível garantir criatividade se o cumprimento do spacing for uma realidade pois, todo este processo decorre a grande velocidade. Com base nesta estrutura, a equipa estará disponível para realizar uma TOF que permita construir bons lançamentos, sejam eles em áreas próximas do cesto ou no seu perímetro. A criatividade deve ter como referência os diferentes conceitos abordados anteriormente.
A TOF é apresentada tendo como
referência dois momentos: uma primeira fase onde a criatividade dos jogadores é
determinante na construção de lançamentos rápidos, abertos e com boas
probabilidades de concretização (interior/exterior). Esta primeira fase é
sobretudo consequência do desenvolvimento apresentado na estrutura anterior. E
uma segunda fase, suportada por uma estrutura mais coletiva, grande movimento
da bola e dos jogadores, utilização de bloqueios, sejam diretos ou indiretos.
No entanto, a criatividade deve estar sempre presente nas leituras efetuadas à
reação defensiva procurando concretizar a qualquer momento as vantagens
ofensivas verificadas no decurso da TOF. Na sequência da primeira fase,
passarei a presentar uma estrutura que corresponde ao segundo momento da TOF,
onde se continuam a verificar a presença e cumprimento dos conceitos adotados.
VII – Movimentos
que não sejam demasiadamente individualizados (unselfish plays)
a) Passe extra
- Cria excelentes oportunidades de lançamento (partilha da bola – “Together”)
b) Envolver todos os
jogadores
- Movimentos que envolvam todos os jogadores, dando oportunidades de criar bons lançamentos para todos.
c) Valorizar os movimentos
(set plays – organização ofensiva) que tenham sucesso
- Apoia o colega que executou uma ação coletiva e teve sucesso
- A equipa vem à frente de tudo – Together
d) Desenvolver o ataque –
organização ofensiva
- Organizar set Plays (sistemas abertos) para ajudar o movimento da bola e dos jogadores, sem nunca comprometer a sua criatividade de acordo com os conceitos desenvolvidos – “ler o jogo” (If the defense is cheating).
É determinante todos perceberem,
de forma convincente, que a principal referência do nosso modelo de jogo
ofensivo está suportada especialmente nas duas fases da TOF. No entanto, sempre
que decidirmos utilizar movimentos que não estejam enquadrados na TOF, eles
devem estar convenientemente trabalhados. A sua estrutura (organização
ofensiva) deve, uma vez mais, ser simplificada e corresponder ao cumprimento de
um conjunto de conceitos que possam gerir de alguma forma a criatividade
individual e coletiva. Qualquer que seja a estrutura adotada, a equipa deve ter
presente os três conceitos gerais: movimento da bola e dos jogadores; spacing e
o timing de execução.
O set-play seguinte
(organização ofensiva), é um sistema aberto, contém conceitos também presentes
na TOF o que permite uma melhor compreensão por parte da equipa.
Gostaria de finalizar enfatizando
o facto da simplicidade e da objetividade dos conceitos serem
determinantes para alcançar uma boa construção de um modelo de jogo ofensivo. O
cumprimento desses conceitos, em conexão com a criatividade dos jogadores irão
demarcar a identificação de uma eficaz relação do sujeito com a tarefa/estrutura.
Independentemente do modelo adotado, os treinadores devem saber promover os
fundamentos do jogo, no sentido de irem construindo um modelo assente nesses
mesmos conceitos. A complexidade das ações (sistemas rígidos e fechados) é
muitas vezes inibidora, retirando a capacidade para executar ações bem-sucedidas,
em função do tempo e do espaço, isto é, retrair a objetividade da ação.
A construção de um modelo de jogo
ofensivo é um procedimento em permanente adequação e regulação de conceitos
formulados através da filosofia de cada treinador, assente em racionais
convicções. Admitir que a transição ofensiva é uma fase que permite a
criatividade dos jogadores sem estabelecer regras relativamente ao espaço e ao timing
no desenvolvimento dessa transição é aprovar um jogo anárquico, isento de
racionalidade, onde irá prevalecer a ação individual desconectada do valor
coletivo. Infelizmente a simplicidade é muitas vezes conectada com debilidade.
Porém, neste caso em concreto, as ações básicas do jogo permitem o desenvolvimento
de um processo eficiente e garantidamente adequado ao alcance do objetivo:
“atingir o cesto”. Na minha perspetiva,
a complexidade está no acreditar por parte dos treinadores que as coisas
simples requerem um intenso e rigoroso trabalho para que sejam simplesmente
executáveis. Eu acredito, e tu?
“…o mais difícil de fazer é o que parece tão fácil que
até chateia.”
Pedro Chagas Freitas, Prometo perder
por João Silva
26-03-2022
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