Conceitos gerais para um modelo de jogo ofensivo – por João Silva

Para que se possa perceber o real impacto dos conceitos gerais no processo ofensivo de uma equipa é necessário clarificar o modelo de jogo enquanto estrutura que, de acordo com a filosofia do treinador, deve coordenar o funcionamento dos respetivos conceitos. Sendo assim, mais do que a determinação de um conjunto de princípios exclusivamente teóricos, o modelo de jogo ofensivo, procura admitir a exequibilidade desses conceitos em conformidade com as características dos jogadores, o domínio do espaço e os tempos de execução (timing). Na realidade, se o modelo de jogo não se verificar ser executável dever-se-á, provavelmente, à rotura funcional entre os atributos dos jogadores e o seu domínio sobre o espaço e os momentos adequados para a concretização dos fundamentos adotados. Assim, a simplicidade e objetividade do modelo de jogo são condições que vão determinar o seu sucesso: ser simples promove uma adequada coesão operante entre todos os elementos e a objetividade permite a criação prática de condições favoráveis à concretização do objetivo - marcar pontos (“cestos”).


Facilmente, percebemos que o modelo de jogo ofensivo é sobretudo produto da filosofia de cada treinador e a sua manifestação prática faz-se através da relação direta com os seus jogadores. Neste processo de construção é elementar termos em atenção as diferentes fases que, de uma forma geral, compõem os ritmos do jogo: transição ofensiva; organização ofensiva; transição defensiva e organização defensiva.

Uma vez que estamos a nos referir ao modelo de jogo ofensivo, vamos fazer uma abordagem relativamente aos conceitos gerais inerentes à transição ofensiva e organização ofensiva.

Um dos aspetos mais relevantes na construção do modelo pretendido prende-se com o facto de intervir no controlo da relação que se estabelece entre o individuo (jogador) e a estrutura dos conteúdos. Melhor dizendo, criar uma funcionalidade coordenada e adequada às conexões que se visam consumar. Neste âmbito, procurarei apresentar - de forma simples, objetiva e de acordo com as minhas convicções, uma estrutura de modelo baseada em três conceitos gerais: movimento da bola e dos jogadores (ball and players movement); criação de espaço (spacing) e tempos de execução (timing).    

Movimento da Bola e dos jogadores    


Para que se possa construir uma equipa com excelentes argumentos ofensivos, necessitamos compreender que a parte elementar dessa construção é, sem qualquer hesitação, a movimentação da bola e dos jogadores. Através do cumprimento desse conceito, elevamos substancialmente as possibilidades de alcançarmos o sucesso ofensivo e garantimos a necessária e exigente coordenação com a criação de espaço e timing adequado para a realização das ações. Entendemos assim a real complementaridade existente entre os diferentes conceitos sendo que, pela sua conexão, deverão ser trabalhados numa lógica coexistente.

Esta dinâmica ofensiva, embora exija mais tempo e dedicação na sua preparação, permite atingir um conjunto de situações que, não só criam imensas dificuldades defensivas, mas sobretudo identificam a equipa com a relevância dos aspetos coletivos (TOGETHER). Sendo assim, a movimentação da bola e dos jogadores permite:

  • Aumentar as percentagens de concretização;
  • Envolve todos os elementos em campo (5 jogadores), evitando situações de excessivo individualismo;
  • Obriga a um constante movimento dos defesas criando desequilíbrios defensivos;
  • Permite atacar os “closeouts” de forma eficaz (timing oportuno);
  • Facilita a seleção dos lançadores através do passe para jogadores completamente livres (extrapasse);
  • Transforma bons lançamentos em lançamentos excelentes;
  • Exige um trabalho apurado ao nível do desenvolvimento racional dos atletas (saber ler o jogo).

Serão então apresentadas algumas noções para que se possa desenvolver um modelo ofensivo baseado nos três conceitos gerais mencionados:

I – Mudar a bola de lado

a)    Forçar a defesa a movimentar-se

  • Quanto mais vezes mudar a bola de lado, mais vezes a defesa é forçada a fazer rotações e “closeouts
  • Jogadores devem estar preparados no lado contrário enquanto a bola é movimentada na sua direção
  • Atacar os closeouts próximos através de penetrações e os closeouts que permitem espaço e com os braços passivos (em baixo) através de lançamento (conexão espaço/timing)

b)    Quem recebe a bola deve ter iniciativa e não apenas “segurar a bola”

  • Ter capacidade de antecipar as ações, realizando movimentos de forma convincente
  • Utilizar o drible de forma inteligente: atacar closeouts, criar lançamento ou para movimentar a bola novamente


 II – Movimento dos jogadores

a)    Não ficar parado

  • Jogadores parados são mais fáceis de serem defendidos
  • Movimentar-se sem comprometer o “spacing

b)    Cortes convincentes (Hard cuts)

  • Ler o defensor e realizar o corte apropriado:
    • Corte nas costas (Back cut)
    • Corte pela frente (Face cut)
  • Executar cortes decisivos
  • Atrair o defensor antes de executar o corte (V cut)
  • Executar movimentos com diferentes ritmos (slow to fast)
  • Preparado para receber e lançar em todos os cortes
  • Ter a noção que o meu corte pode criar um bom lançamento para um colega



III – Utilização de bloqueios

a)      Montar bloqueios legais

  • Utilizar bloqueios para libertar um colega
  • Manter a cabeça levantada e controlando o espaço
  • Executar movimento após executar o bloqueio (não ficar parado)
  • Ler o defensor e o atacante na realização do bloqueio para saber se desfaz para o cesto (roll in) ou cria espaço (pop) depois do bloqueio
  • Interrompe o movimento para bloqueio (Slip) se o teu defensor tentar impedir a sua realização (overplayed)

b)      Usar os bloqueios para ficar aberto

  • Usar o contacto do corpo com o defensor para fixá-lo e depois colocá-lo no bloqueio (ombro com ombro)
  • Ler o defensor durante a utilização do bloqueio para tomar a decisão correta no corte:
    • Curl cut
    • Straight cut (pop)
    • Fade cut (flare)

c)       Ações coordenadas

  • O jogador que usa o bloqueio e o jogador que monta o bloqueio devem trabalhar juntos e coordenados (conexão)
  • Devem manter espaço e respeitar o tempo de execução das ações (spacing and timing)

d)        Bola na mão (Hand offs)

  • Utilizar os hand offs de forma similar com os bloqueios na bola, para libertar o colega
  • Se o defensor está a impedir o hand off, então finta e faz movimento de corte para o cesto (back cut).




IV – Penetrações

a)  Penetrar e passar (Drive and kick)

  • Boas penetrações forçam os defensores a ajudar, libertando uma linha de passe para um colega (kick out pass)
  • Penetrar na direção do cesto (ombros virados para o cesto) antes de passares (Kick out pass)
    • Permite não denunciar o passe e força o defensor a afundar na ajuda
  • O jogador que recebe o passe deve estar preparado para lançar, penetrar ou mudar a bola de lado (swing the ball). Nunca receber e ficar parado. Se ficar parado permite ajuste defensivo e o movimento da bola fica condicionado (Ball movement is dead)

b)  Manter o equilíbrio corporal (não saltar para passar)

  • Evita faltas atacantes e maus passes
  • Evita penetrar para zonas mais profundas onde há concentração de defensores (mãos) e possibilidade de interceções do passe (Kick out pass)


V – Ângulos de passe

a)    Jogador livre deve criar linhas de passe

  • Não ficar parado a ver a penetração
  • Executar movimentos para baixo ou para cima criando linhas de passe
  • O momento ideal para se movimentar é quando o defensor vira a cabeça para ver a bola na penetração
  • Manter contacto visual com o jogador que tem a bola

b)  Antecipar que movimento vou fazer com a bola em função da forma como estou a ser defendido

  • Lançar, penetrar ou mudar a bola de lado (Swing pass)
  • Antes de passar certificar-se do melhor ângulo para executar o passe


VI – Dentro/Fora (Inside out)

a)  Jogo interior

  • Quando a bola entra no poste, olhar para possível passe exterior se a defesa ajudar e de acordo com os movimentos dos restantes atacantes (“ler”)
  • Os jogadores do perímetro devem manter movimento de acordo com os conceitos estabelecidos (ver figuras)
  • Manter contacto visual com o poste para criar possíveis linhas de passe através de movimentos para cima ou para baixo ou para interior
  • Cortes do lado contrário são muito importantes com postes que passem bem. Devem ser feitos preferencialmente pelo jogador na diagonal da bola
  • Usar o corpo para esconder/proteger a bola do defensor



De acordo com as minhas convicções, a transição ofensiva (TOF) apresenta-se como uma das fases de maior impacto no desenvolvimento do modelo de jogo ofensivo. Devido à sua significativa importância, a TOF deve estar devidamente construída (movimento da bola e dos jogadores, timing e spacing) e alvo de trabalho intenso e regular. Perante esta constatação, apresentarei de seguida uma estrutura simplificada da TOF que entendo ser a mais conveniente à estrutura da minha equipa.


Transição Ofensiva (TOF)


A ocupação do espaço de forma racional é determinante para que todos os jogadores possam ter uma participação no processo de TOF. De acordo com a figura, cada um dos jogadores deve estar devidamente identificado com a sua provável função no momento de recuperação da posse de bola. É possível garantir criatividade se o cumprimento do spacing for uma realidade pois, todo este processo decorre a grande velocidade. Com base nesta estrutura, a equipa estará disponível para realizar uma TOF que permita construir bons lançamentos, sejam eles em áreas próximas do cesto ou no seu perímetro. A criatividade deve ter como referência os diferentes conceitos abordados anteriormente.

A TOF é apresentada tendo como referência dois momentos: uma primeira fase onde a criatividade dos jogadores é determinante na construção de lançamentos rápidos, abertos e com boas probabilidades de concretização (interior/exterior). Esta primeira fase é sobretudo consequência do desenvolvimento apresentado na estrutura anterior. E uma segunda fase, suportada por uma estrutura mais coletiva, grande movimento da bola e dos jogadores, utilização de bloqueios, sejam diretos ou indiretos. No entanto, a criatividade deve estar sempre presente nas leituras efetuadas à reação defensiva procurando concretizar a qualquer momento as vantagens ofensivas verificadas no decurso da TOF. Na sequência da primeira fase, passarei a presentar uma estrutura que corresponde ao segundo momento da TOF, onde se continuam a verificar a presença e cumprimento dos conceitos adotados.



VII – Movimentos que não sejam demasiadamente individualizados (unselfish plays)

a)  Passe extra

  • Cria excelentes oportunidades de lançamento (partilha da bola – “Together”)

b)  Envolver todos os jogadores

  • Movimentos que envolvam todos os jogadores, dando oportunidades de criar bons lançamentos para todos.

c)  Valorizar os movimentos (set plays – organização ofensiva) que tenham sucesso

  • Apoia o colega que executou uma ação coletiva e teve sucesso
  • A equipa vem à frente de tudo – Together 

d)  Desenvolver o ataque – organização ofensiva

  • Organizar set Plays (sistemas abertos) para ajudar o movimento da bola e dos jogadores, sem nunca comprometer a sua criatividade de acordo com os conceitos desenvolvidos – “ler o jogo” (If the defense is cheating).

É determinante todos perceberem, de forma convincente, que a principal referência do nosso modelo de jogo ofensivo está suportada especialmente nas duas fases da TOF. No entanto, sempre que decidirmos utilizar movimentos que não estejam enquadrados na TOF, eles devem estar convenientemente trabalhados. A sua estrutura (organização ofensiva) deve, uma vez mais, ser simplificada e corresponder ao cumprimento de um conjunto de conceitos que possam gerir de alguma forma a criatividade individual e coletiva. Qualquer que seja a estrutura adotada, a equipa deve ter presente os três conceitos gerais: movimento da bola e dos jogadores; spacing e o timing de execução.

O set-play seguinte (organização ofensiva), é um sistema aberto, contém conceitos também presentes na TOF o que permite uma melhor compreensão por parte da equipa. 


Gostaria de finalizar enfatizando o facto da simplicidade e da objetividade dos conceitos serem determinantes para alcançar uma boa construção de um modelo de jogo ofensivo. O cumprimento desses conceitos, em conexão com a criatividade dos jogadores irão demarcar a identificação de uma eficaz relação do sujeito com a tarefa/estrutura. Independentemente do modelo adotado, os treinadores devem saber promover os fundamentos do jogo, no sentido de irem construindo um modelo assente nesses mesmos conceitos. A complexidade das ações (sistemas rígidos e fechados) é muitas vezes inibidora, retirando a capacidade para executar ações bem-sucedidas, em função do tempo e do espaço, isto é, retrair a objetividade da ação.

A construção de um modelo de jogo ofensivo é um procedimento em permanente adequação e regulação de conceitos formulados através da filosofia de cada treinador, assente em racionais convicções. Admitir que a transição ofensiva é uma fase que permite a criatividade dos jogadores sem estabelecer regras relativamente ao espaço e ao timing no desenvolvimento dessa transição é aprovar um jogo anárquico, isento de racionalidade, onde irá prevalecer a ação individual desconectada do valor coletivo. Infelizmente a simplicidade é muitas vezes conectada com debilidade. Porém, neste caso em concreto, as ações básicas do jogo permitem o desenvolvimento de um processo eficiente e garantidamente adequado ao alcance do objetivo: “atingir o cesto”.  Na minha perspetiva, a complexidade está no acreditar por parte dos treinadores que as coisas simples requerem um intenso e rigoroso trabalho para que sejam simplesmente executáveis. Eu acredito, e tu?

 

“…o mais difícil de fazer é o que parece tão fácil que até chateia.”

Pedro Chagas Freitas, Prometo perder

por João Silva

26-03-2022








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