Ideias sobre performance e fisioterapia dentro do basquetebol – por João Ferreira

Foi com um orgulho imenso que fui convidado por uma das pessoas que mais respeito no mundo do basquetebol – o Prof. João Oliveira.

O convite foi realizado no sentido de lançar ideias sobre performance e fisioterapia dentro do basquetebol, na perspetiva de melhorar filosofias e procedimentos na modalidade.


Apresentando-me sucintamente, fui praticante de basquetebol de formação e essa paixão pelo desporto (e pela modalidade em especial) levaram-me a ter o papel de treinador e enveredar pelo mundo académico da Reabilitação e Performance. Com 30 anos, sou licenciado em Fisioterapia, tenho um MSc (Merits) em Strength and Conditioning e, neste momento, continuo empolgado com este never-ending process do conhecimento, com um PhD em Sports Science. Em termos profissionais, trabalhei maioritariamente com o desporto, numa perspetiva de 1vs1, com atletas de várias modalidades, sendo que o culminar dessas experiências me levaram a aceitar o convite de assumir o cargo de Head of Medical & Physical de um clube de 1ª liga de Futebol Norueguesa, o Sarpsborg08.

Considerando-me um “híbrido”, entre Fisioterapeuta e “Preparador Físico”, tenho uma visão ligeiramente diferente do que é a reabilitação e a Fisioterapia no mundo do desporto (e não só). De uma certa maneira, reabilitar é apenas treino respeitando os princípios da individualidade e especificidade, tendo em consideração o fator dor e/ou lesão estrutural. Não existe maneira de conseguirmos produzir atletas lesionados capazes, se quase todo o tempo de reabilitação o passamos deitados numa marquesa, com modalidades de tratamento passivos, que não estão a potenciar o atleta (mesmo lesionado) naquilo que vai ser a sua atividade, dali a uns dias, semanas ou meses. Dizendo isto, não quer dizer que sou contra este tipo de modalidades, mas sim que numa modalidade que se queixa de falta de condições financeiras, tudo que fazemos ter que ser o máximo bang for the buck possível e aí, tenho a certeza, que uma hora de exercício será sempre mais benéfica para todos os envolvidos, no processo de reabilitação, que uma hora de massagem, manipulações ou punções secas.

“Re-habilitar” tem na sua génese a necessidade de se voltar a melhorar as habilidades necessárias para as demandas das tarefas que vão ser pedidas ao atleta. Assim, desde o primeiro dia de lesão, é fundamental que saibamos o que aquele jogador – base, extremo ou poste – vai necessitar de fazer no final da recuperação e começar a trabalhar no sentido, não de manter as capacidades do atleta, mas sim de as melhorar. A lesão é a melhor oportunidade que temos de melhorar (Suarez et al. 2019). Como tal, o Fisioterapeuta (elemento que deve ser fundamental a qualquer estrutura desportiva) devia ser especialista em exercício, para que possa planear e orientar as sessões com a visão da melhoria das capacidades físicas, quando ao mesmo tempo oferece ao organismo do atleta o melhor contexto para a regeneração tecidual ou para a melhoria da sintomatologia. Se o atleta sofreu de uma entorse do tornozelo, certamente estará apto para treino de força do tronco e membros superiores (e até segmentos dos membros inferiores) e rapidamente conseguirá fazer exercícios básicos e simples para os músculos peri-articulares do tornozelo. Ao mesmo tempo, sabemos que o atleta não conseguirá correr, mas todo o trabalho das capacidades aeróbia ou anaeróbia pode ser também realizada numa bicicleta, remo ou até com outro tipo de exercícios. Assim, sabemos que estamos a estimular sistemicamente o organismo para que a recuperação estrutural seja mais rápida (e eficaz), ao mesmo tempo que o estímulo permite uma modulação da dor por mecanismos neurais (Ahmed et al. 2018; Hoffman et al. 2004; Joanisse et al. 2018).

Com esta contextualização, conseguimos o mote de extrapolar para muitos outros processos dentro do basquetebol português - o fazer por fazer. Sabendo que a maior parte dos treinadores dá importância à componente das qualidades físicas dentro da modalidade, a maior parte das vezes, parece haver uma falta de planeamento e de especificidade enorme. Quem nunca, como atleta, foi submetido a testes físicos que:

  1. Tinham virtualmente zero especificidade para com o Basquetebol;
  2. Os quais não permitiram aos treinadores ter dados úteis para programar de uma maneira mais eficiente os seus treinos;
  3. Que não foram repetidos durante a época ou sendo, não provocaram readaptação daquilo que é o planeamento de treino.

Sei que uma das maiores críticas é a falta de condições para treinar as capacidades físicas dos jogadores, sendo estas financeiras, espaciais ou temporais. Mas prometo lançar no final deste artigo algumas ideias, para que possamos todos ver este dilema de uma maneira diferente. Antes disso uma questão:

Quantos de nós percebemos dos fatores mecânicos, associados ao jogo de basquetebol? A correspondência dinâmica alega que a transferibilidade do treino das qualidades físicas para o campo é tanto maior, quanto mais similares são as condições mecânicas e fisiológicas dos exercícios prescritos, com os movimentos dentro do campo. Isto é, se o treino prescrito corresponder em termos de velocidades angulares, amplitudes articulares, sistema energético, regimes de contração muscular, velocidade de contração muscular, power output e toda uma outra panóplia de fatores, então sim conseguimos transformar os nossos jogadores não em pessoas fortes, mas sim em jogadores citius, fortius e altius (Suarez et al. 2019; Verkhoshansky, Siff, e Yessis 2009).

Agora a parte mais positiva, pensando no basquetebol de uma maneira crítica (apenas falando das qualidades físicas, porque não me atreveria a falar das componentes táticas e técnicas), percebemos que o Basquetebol é um jogo muito reativo e rápido. O constrangimento temporal que é provocado pelos adversários fazem com que não exista interesse em que os nossos jogadores produzam o máximo de força, mas sim o máximo de força no menor período de tempo – chamamos a isto o Rate Force Development (RFD). Ficamos a saber então que, em termos de performance, o Basquetebol se situa no Early RFD, que obriga a que os atletas produzam (o máximo de) força em menos de 150ms (Laffaye e Wagner 2013; McLellan, Lovell, e Gass 2011; Read et al. 2014).

Figura 1 - Exemplos de vários períodos de tempo para a produção máxima de força. Adaptado de "Science of Sport" de O. Walker, 2016, retirado de www.scienceforsport.com/rate-of-force-development-rfd-2/

Sendo demasiado limitador o que vou dizer agora (porque sabemos que o treino é altamente personalizado e individualizado), podemos já pôr de parte o treino geral de ginásio 3x8-12 repetições como o mais eficiente, para melhorar a performance dentro do Basquetebol. E felizmente, existe uma maneira (não única) de melhorar estas condições, sem grandes recursos financeiros ou temporais. Com microdosagem diária prévia ao treino, contrastando exercícios de isometria de alta intensidade e movimento rápidos e pliométricos com o cuidado de ir alternando os padrões de movimento – por vezes produção de força mais horizontal outras vezes produção de força mais vertical (Ingebrigtsen, Holtermann, e Roeleveld 2009; Khamoui et al. 2011; Newton, Kraemer, e Häkkinen 1999).

Com cerca de 15-20 minutos por dia é possível potenciar a capacidade de correr mais rápido e saltar mais alto. De uma maneira segura e acima de tudo que pode ser replicada, em certos contextos, de uma maneira autónoma pelos atletas. Sem cargas, sem investimento, sem risco significante (Kilen et al. 2015).

Existe ainda uma vantagem extra em relação ao treino isométrico – que aqui foi escolhido devido ao panorama financeiro do Basquetebol Português, em detrimento de treino de força com cargas máximas – que é a adaptação estrutural tendínea com este estímulo. Sendo a tendinopatia do rotuliano (Jumper’s Knee) uma das lesões mais encontradas no Basquetebol, é de um valor enorme, que os exercícios que promovam performance sejam aqueles que promovam prevenção de lesões. Mais uma vez, nunca a reabilitação e a performance deveriam de caminhar de outra forma que não de mãos dadas (Rio et al. 2015, 2019).

Também o desaproveitamento da fácil presença das tecnologias é incrível. Um pequeno esforço sem qualquer investimento extra pode oferecer dados fundamentais à condição de readiness dos nossos atletas. Por exemplo, a monitorização das cargas internas de treino ou da perceção de wellness são ferramentas que são gratuitas e acima de tudo fáceis de utilizar e que nos permitem gerir a flutuação do volume e intensidade de treino durante a semana, que nos permitirão ter a máxima potenciação atlética dos nossos jogadores nos jogos, sendo que também diminuímos a sua probabilidade de lesão. Work hard ... and smart (Bourdon et al. 2017; Gabbett 2016; Luke et al. 2014).

Nunca nos poderemos esquecer, que os jogadores (especialmente no nosso contexto desportivo) são pessoas, como todas as outras, multidimensionais. Têm famílias, amigos, vida social (e possivelmente laboral) com todos os benefícios e problemas que isso acarreta na sua performance atlética. Essas condições levam a um maior ou menor índice de fadiga e tal tem que ser considerado dentro da programação de treino (Luke et al. 2014).

Figura 2 - Rácio Agudo-Crónico de Carga de Treino. Adaptado de "The Training-Injury Prevention Paradox: Should the Athletes be Training Smarter?" de T.J. Gabbett, 2016, British Journal of Sports Medicine, 50(5), 273

Estes dados, de uma maneira muito simples (numa folha de excel por exemplo) podem ser monitorizados e permitir a uma modulação das intensidades de treino mais eficiente. O paradoxo treino-risco de lesão fala exatamente disto: undertraining aumenta a probabilidade de lesão, mas overtraining aumenta a probabilidade de lesão também. O que procuramos é um sweet spot, que de uma maneira demasiado generalista corresponde a um Acute-Chronic Workload Ratio entre 0,8 e 1,2 (Gabbett 2016).

A única desvantagem destes processos é que, por vezes, nos embrenhamos demasiado naquilo que é a sua importância e acabamos por ser tendenciosos a diminuir intensidades de treino. É importante não esquecer a parte do treinar duro no lema Work Hard ... and smart.

Existem outros pequenos pormenores que poderão ser incluídos nas rotinas de treino, que permitirão um maior controlo sobre a performance dos nossos jogadores, como os testes de readiness. Mas sentindo que me estou a alongar, deixarei esses pormenores para uma próxima oportunidade ou até para qualquer questão que me queiram colocar em privado.

Assim e em suma, as Ideias sobre performance e fisioterapia dentro do basquetebol a destacar são:

  • Reabilitação e treino físico têm que andar sempre de mãos dadas;
  • Reabilitação deve ser um processo mais ativo que passivo, pois queremos que os nossos atletas estejam preparados para as demandas do desporto quando retornarem de lesão;
  • O testing é fundamental, mas tem que ser o mais específico e útil possível, ao planeamento e programação de treino;
  • Temos que perceber as especificidades dos Key Performance Indicators dentro do Basquetebol;
  • Podemos de uma maneira gratuita e logisticamente eficiente introduzir treino, que vise a melhoria da performance dos atletas;
  • Há pequenas (grandes) ferramentas que nos podem auxiliar naquilo que é o readiness para os treinos e jogos.

 

Referência Bibliográficas

Ahmed, Sara, Shereen Khattab, Chris Haddad, Jessica Babineau, Andrea Furlan, e Dinesh Kumbhare. 2018. «Effect of Aerobic Exercise in the Treatment of Myofascial Pain: A Systematic Review». Journal of Exercise Rehabilitation 14(6):902–10. doi: 10.12965/jer.1836406.205.

Bourdon, Pitre C., Marco Cardinale, Andrew Murray, Paul Gastin, Michael Kellmann, Matthew C. Varley, Tim J. Gabbett, Aaron J. Coutts, Darren J. Burgess, Warren Gregson, e N. Timothy Cable. 2017. «Monitoring Athlete Training Loads: Consensus Statement». International Journal of Sports Physiology and Performance 12(s2):S2-161. doi: 10.1123/IJSPP.2017-0208.

Gabbett, Tim J. 2016. «The training—injury prevention paradox: should athletes be training smarter and harder?» British Journal of Sports Medicine 50(5):273. doi: 10.1136/bjsports-2015-095788.

Hoffman, Martin D., Melissa A. Shepanski, Stephen B. Ruble, Zoran Valic, John B. Buckwalter, e Philip S. Clifford. 2004. «Intensity and duration threshold for aerobic exercise-induced analgesia to pressure pain1». Archives of Physical Medicine and Rehabilitation 85(7):1183–87. doi: 10.1016/j.apmr.2003.09.010.

Ingebrigtsen, Jørgen, Andreas Holtermann, e Karin Roeleveld. 2009. «Effects of Load and Contraction Velocity During Three-Week Biceps Curls Training on Isometric and Isokinetic Performance». The Journal of Strength & Conditioning Research 23(6).

Joanisse, Sophie, Tim Snijders, Joshua P. Nederveen, e Gianni Parise. 2018. «The Impact of Aerobic Exercise on the Muscle Stem Cell Response». Exercise and Sport Sciences Reviews 46(3).

Khamoui, Andy V., Lee E. Brown, Diamond Nguyen, Brandon P. Uribe, Jared W. Coburn, Guillermo J. Noffal, e Tai Tran. 2011. «Relationship Between Force-Time and Velocity-Time Characteristics of Dynamic and Isometric Muscle Actions». The Journal of Strength & Conditioning Research 25(1).

Kilen, Anders, Line B. Hjelvang, Niels Dall, Nanna L. Kruse, e Nikolai B. Nordsborg. 2015. «Adaptations to Short, Frequent Sessions of Endurance and Strength Training Are Similar to Longer, Less Frequent Exercise Sessions When the Total Volume Is the Same». The Journal of Strength & Conditioning Research 29.

Laffaye, G., e P. Wagner. 2013. «Eccentric rate of force development determines jumping performance». Computer Methods in Biomechanics and Biomedical Engineering 16(sup1):82–83. doi: 10.1080/10255842.2013.815839.

Luke, Ryan C., Joanna L. Morrissey, Erin J. Reinke, Trish G. Sevene, Judith E. Canner, e Kent J. Adams. 2014. «Managing Mental and Physical Fatigue During a Collegiate Soccer Season». International Sport Coaching Journal 1(1):24–32. doi: 10.1123/iscj.2013-0043.

McLellan, Christopher P., Dale I. Lovell, e Gregory C. Gass. 2011. «The Role of Rate of Force Development on Vertical Jump Performance». The Journal of Strength & Conditioning Research 25(2).

Newton, Robert U., William J. Kraemer, e KeijoJO Häkkinen. 1999. «Effects of ballistic training on preseason preparation of elite volleyball players». Medicine & Science in Sports & Exercise 31(2).

Read, Paul J., Jonathan Hughes, Perry Stewart, Shyam Chavda, Chris Bishop, Mike Edwards, e Anthony N. Turner. 2014. «A Needs Analysis and Field-Based Testing Battery for Basketball». Strength & Conditioning Journal 36(3).

Rio, Ebonie, Dawson Kidgell, Craig Purdam, Jamie Gaida, G. Lorimer Moseley, Alan J. Pearce, e Jill Cook. 2015. «Isometric exercise induces analgesia and reduces inhibition in patellar tendinopathy». British Journal of Sports Medicine 49(19):1277. doi: 10.1136/bjsports-2014-094386.

Rio, Ebonie, Craig Purdam, Michael Girdwood, e Jill Cook. 2019. «Isometric Exercise to Reduce Pain in Patellar Tendinopathy In-Season: Is It Effective “on the Road”?» Clinical Journal of Sport Medicine 29(3).

Suarez, Dylan G., John P. Wagle, Aaron J. Cunanan, Robert W. Sausaman, e Michael H. Stone. 2019. «Dynamic Correspondence of Resistance Training to Sport: A Brief Review». Strength & Conditioning Journal 41(4).

Verkhoshansky, Y., M. C. Siff, e M. Yessis. 2009. Supertraining. Verkhoshansky.

 

por João Ferreira

20-03-2022








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