Liderança: Como escrever objetivos significativos? - por João Oliveira

Recentemente e enquanto estava a ter uma conversa com um gestor de topo de uma organização, apercebi-me que havia muita energia e vontade em que as coisas melhorassem, mas a determinada altura a minha intuição dizia-me que embora essa pessoa tivesse muita energia, havia uma grande probabilidade de não conseguir o que desejava.

O que é que a minha intuição me estava a dizer?

“Recorda o que se passou quando começaste a treinar?” – perguntou-me a “minha intuição”.

No ano de 1987, tive a minha primeira experiência como Treinador, com a equipa de Seniores Femininos da União Académica António Aroso. Recordo que preparei detalhadamente a primeira reunião com a equipa.

Para isso, lembrei-me que Doran (1981) refere que todos os gestores enfrentam uma questão critica - Como escrever objetivos significativos? – e sugere uma resposta que ficou mundialmente conhecida.

Para este autor, quando se pretende escrever objetivos eficazes para qualquer organização, departamento ou equipa, os objetivos devem ser S.M.A.R.T. (Specific, Measurable, Assignable, Realistic e Time-related).

Assim e nessa primeira reunião, uma das coisas que fiz foi apresentar os objetivos S.M.A.R.T., na esperança de que isso ajudasse a organizar a energia das pessoas. Acreditava que as pessoas tinham de saber para onde iam e, por isso, disse-lhes para onde se pretendia ir, esperando que isso nos ajudasse a chegar onde queria. Contudo, a experiência foi bem diferente porque nem sempre o comportamento das pessoas apoiava esses objetivos. Por isso, ficava frustrado e como não sabia o que isso era irritava-me e tinha comportamentos dos quais me arrependia, quando pensava sobre o que tinha feito.

Percebi que ter objetivos S.M.A.R.T. poderia ser parte da “equação” de escrever objetivos significativos, mas que por isso só seria insuficiente.

O que é que desconhecia e poderia ajudar-me a escrever objetivos significativos?

Antes de explorar a resposta a esta questão, comecei a pensar se alguma vez tinha cruzado com algum gestor ou líder que não desejasse que as pessoas com quem trabalham colaborassem comprometida, criativa e entusiasticamente? Aliás, a insatisfação que muitas vezes partilham é de alguma insatisfação por assistirem as pessoas a cumprirem com os mínimos, a resistirem dissimuladamente, desistirem ou revoltarem-se.

Regressando ao que desconhecia. Questionei-me sobre de onde vinha a ideia dos objetivos e percebi a influência Lewin (1935) ao considerar que todo o comportamento é dirigido por objetivos. Ou seja, se o comportamento é dirigido por objetivos, então é necessário ter objetivos e se desejássemos que esses fossem eficazes, eles teriam de ser S.M.A.R.T..

Como já tinha tido uma experiência menos positiva com focar-me apenas na parte S.M.A.R.T., decidi aprofundar a parte de o comportamento ser dirigido por objetivos. Na minha primeira experiência como treinador, apercebi-me que uma coisa era o que as pessoas diziam e outra era o que as pessoas realmente faziam. Por testemunhar que havia objetivos nas equipas, mas o comportamentos das pessoas não os apoiar, comecei a desconfiar da ideia de todo o comportamento ser dirigido por objetivos (Lewin, 1935). Esta situação foi acompanhada por um reforço. A determinada altura constato que durante a 2ª guerra mundial, os pilotos feridos e em tratamento diziam todos que queriam recuperar rapidamente, para regressar ao combate. Contudo, apenas 20% é que estavam a fazer tudo para regressar, enquanto o comportamento dos outros 80% sabotava a rápida recuperação (Bion, 1943).

Parecia que o que Bion tinha presenciado algo semelhante ao que presenciei, que havia uma diferença entre o que as pessoas diziam que estavam a fazer e o que realmente faziam. Tudo isto parecia não apoiar a ideia de Kurt Lewin de todo o comportamento ser dirigido por objetivos.

Como podia aprofundar ainda mais a questão dos objetivos?

Na tentativa de perceber as aparentes contradições que ocorrem no comportamento dos grupos, Yvonne Agazarian e Susan Gantt dão dois contributos importantes.

Agazarian (1997) distingue os objetivos primários e secundários. Os objetivos secundários são os objetivos explicitados, aqueles para os quais o grupo foi formado, enquanto os objetivos primários são inerentes a qualquer sistema, no caso, sobreviver, desenvolver e transformar-se. Ou seja, todas as pessoas, todas as equipas, todas as organizações tendem para a sobrevivência, desenvolvimento e transformação (objetivos primários) e paralelamente podem ser convidados concretizar objetivos secundários (formulados ou declarados). Assim, para os objetivos serem mobilizadores, não chegava serem S.M.A.R.T. era necessário um alinhamento entre os objetivos primários e secundários. No caso concreto, em 1987 o objetivo declarado era subir de divisão (objetivo secundário), mas o contexto criado pelo meu comportamento ativava o objetivo primário da sobrevivência. Neste contexto, comprometia o desenvolvimento e a transformação necessária à concretização do objetivo declarado. Ou seja, descobri que não bastava escrever objetivos S.M.A.R.T., era necessário criar o contexto propício ao alinhamento entre os objetivos primários e secundários.

Quanto ao segundo contributo, Agazarian e Gantt (2000) distinguem dois tipos de objetivos os explícitos e os implícitos. Quanto aos primeiros, os objetivos explícitos correspondem aos objetivos que são formulados e explicitados (Agazarian & Gantt, 2000). Portanto, são os objetivos que o grupo diz que está a tentar alcançar, enquanto os objetivos implícitos são aqueles que podem ser deduzidos pelo comportamento do grupo (Gantt & Agazarian, 2005). Ou seja, quando abordei aquela primeira reunião, em 1987, eu formulei os objetivos explícitos. Contudo, esses objetivos não dirigiam os comportamentos das pessoas e isso não queria dizer que o que Kurt Lewin tinha formulado estava errado. Tinha compreendido algo importante, que o comportamento era dirigido por objetivos e por isso, a questão não era se o comportamento era dirigido por objetivos, mas porque objetivos era dirigido. Ou seja, quando o comportamento das pessoas não é dirigido pelos objetivos formulados ou explicitados isso queria dizer que esses objetivos não eram significativos para as pessoas, por não serem congruentes com os seus objetivos implícitos e que, por isso e nessas situações, o comportamento das pessoas era dirigido pelos objetivos implícitos.

Assim, no que diz respeito aos objetivos significativos, esta descoberta continuou a apoiar Kurt Lewin e gerou o novo desafio de alinhar ou tornar congruente os objetivos explícitos com os implícitos, caso contrário, a simples formulação de objetivos S.M.A.R.T. estaria condenada ao fracasso. Formular objetivos S.M.A.R.T. não chega é necessário que eles sejam congruentes com os objetivos implícitos das pessoas, para serem mobilizadores.

Estava diferente, sabia coisas diferentes e comportava-me de maneira diferente, mas ainda não tinha conseguido o que desejava, que os objetivos fossem significativos ao ponto de gerarem colaboração, compromisso e criatividade.

O que estava a faltar?

Nesta jornada, descobri algo diferenciador e que mais tarde Covey (2017) sublinhou. Todos os gestores desejam a colaboração, o compromisso e a criatividade dos colaboradores, mas muitos comprometem o que desejam quando impõe os objetivos. Voltei a recordar-me daquela primeira reunião, em 1987. Pensei para onde queria ir, formulei objetivos S.M.A.R.T., esperei que isso ajudasse a orientar o comportamento das pessoas, mas não foi isso que aconteceu porque não consegui o alinhamento entre os objetivos primário e secundários, nem entre os explícitos e implícitos e ainda por cima formulei eu os objetivos, que eram significativos para mim, mas não eram sempre e para todos no grupo.

O que terá acontecido para obter este resultado, que não desejava?

Comparando a minha experiência com a das pessoas que formavam a equipa, percebi uma grande diferença. Eu tinha sido uma parte ativa na formulação dos objetivos, enquanto os membros da equipa tinham sido passivos. Como poderia eu adivinhar o que é que as pessoas realmente desejavam sem as envolver? Covey (2017) reforça esta ideia, quando refere que os objetivos são mobilizadores quando os gestores utilizam o envolvimento ou a identificação em vez da imposição, na formulação dos objetivos. Ou seja, para os objetivos serem significativos era necessário o alinhamento entre os objetivos primários e secundários, os objetivos explícitos e implícitos e um processo de grande envolvimento ou identificação das pessoas com esses objetivos. Não tinha “semeado” estas condições em 1987 e, por isso, dificilmente poderia ter “colhido” o compromisso que desejava.

Será que já tinha chegado ao ponto de conseguir escrever objetivos significativos?

Tinha feito avanços, mas ainda havia mais para descobrir, nomeadamente mais 3 coisas.

Primeiro, a confusão entre objetivos e motivação. Durante muito tempo, não pensei nesta questão. Porém, uma das vezes que tentei aprofundar a questão do compromisso desejado, percebi que não tinha clara esta distinção.

Qual é a diferença entre objetivos e motivação?

Por exemplo, em 1987, o objetivo secundário explícito era subir de divisão (aplicando a terminologia adotada neste texto) e qual era a motivação das pessoas? Ou seja, objetivo e motivação não são a mesma coisa. O objetivo representa o que se deseja, o que se pretende alcançar, ser, realizar, conseguir, obter, (…). Já a motivação são os motivos ou razões que levam as pessoas a fazer o que fazem (Deci & Ryan, 1990; Fowler, 2014, 2019; Ryan & Deci, 2000). Perante um objetivo, as pessoas podem não fazer nada, afastarem-se, aproximarem, fazer com ou sem entusiasmo, com ou sem compromisso, (…). Assim, se desejamos a colaboração, o compromisso e a criatividade, para além de tudo o que abordamos, podemos incluir na “equação” a motivação. Nesta lógica e quando os gestores formulam e impõe os objetivos, esperando compromisso, poderão obter exatamente o contrário por desconsiderarem o que abordamos anteriormente. Consequentemente, os gestores poderão ser tentados a utilizar as estratégias tradicionais das punições e dos incentivos - “carrot-and-stick” (Fowler, 2014) que poderão levar as pessoas a começar a fazer algo para os objetivos, mas que não estimularão o compromisso e entusiasmo desejados. Este compromisso ambicionado exige ligar os objetivos a outro tipo de razões (Fowler, 2014, 2019). Não considerar as razões que levam as pessoas a fazer o que fazem para qualquer objetivo e facilitar a ligação a razões que despertem o entusiasmo e o compromisso é “dar um tiro nos próprios pés”.

Segunda questão, escrever objetivos significativos requer distinguir e ligar o sentido ou significado e o vínculo prático.

O que é que dá sentido ou significado? O que torna os objetivos em objetivos significativos?

Damásio (2005, 2010, 2017, 2020) e Agazarian, Gantt e Carter (2021) oferecem-nos uma resposta muito interessante. Por exemplo, para Damásio (2020) os sentimentos são a porta da consciência e para Agazarian, Gantt e Carter (2021) o que nos dá o sentido ou significado é o sistema apreensivo. Ou seja, objetivos significativos exigem ligar esses objetivos aos sentimentos que eles despertam nas pessoas que os vão concretizar. Não fazer este “exercício” implica desprover os objetivos de significado. Esta ideia é reforçada por McLaren (2010, 2021). Por isso e ligando esta questão às anteriores, envolver as pessoas no desenvolvimento de uma visão partilhada e mobilizadora é um imperativo do compromisso desejado, por podermos alinhar objetivos primários e secundários, objetivos explícitos e implícitos e por conseguirmos ligar o que pretendemos (objetivos) e o que fazemos para quem (missão) à motivação ou razões para fazermos o que fazemos (propósito). Neste último caso, ao substituirmos a estratégia do “carrot-and-stick” pelo que as pessoas gostam de fazer, pelos sentimentos gerados e pelo que as pessoas valorizam, estaremos mais perto de facilitar a colaboração, o compromisso e a criatividade necessários a resultados grandiosos.

Terceira questão, o que nos dá o vínculo prático?

Se o significado nos é oferecido pela apreensão, intuição e sentimentos, o vínculo prático resulta da compreensão (Agazarian et al., 2021). Isto é, depois de envolver as pessoas no desenvolvimento de uma visão partilhada e mobilizadora que concretize todas as premissas anteriores, chega o tempo de traduzir o que se pretende, a missão, o propósito e os valores em princípios impulsionadores da execução, tornando claro como e quando oferecemos valor às pessoas interessadas (stakeholders).

Como oferecemos valor aos stakeholders?

Nesta fase, trata-se de decidir em conjunto quais são os objetivos prioritários, de forma a focalizar todos no que é importante alcançar. As pessoas estão preparadas para se concentrarem, com excelência, numa coisa de cada vez e, por isso, a probabilidade de excelência é de 80%, quando nos concentramos numa coisa, de 64% se nos focamos em duas coisas e baixa para 33% quando estamos concentrados em 5 coisas (Covey, 2017).

Recordando a conversa inicial com um gestor de topo de uma organização, em que percebi que havia muita energia e vontade em que as coisas melhorassem, mas a minha intuição dizia-me que havia uma grande probabilidade de não conseguir o que desejava. Uma das razões por que tive esse sentimento resultou desse gestor elencar uma lista enorme de objetivos. Ou seja, se queremos realmente concretizar algum objetivo é decisivo distinguir o “apenas importante” do “crucialmente importante” de forma a reduzir o número de coisas a fazer e consequentemente aumentarmos a probabilidade de excelência.

Como identificar os objetivos crucialmente importantes?

Começando pela lei de Pareto. Isto é, encontrando os 20% dos objetivos que são responsáveis por 80% dos resultados desejados. Outra estratégia é passar esses objetivos pelo filtro da importância, ao nível dos parceiros, estratégico e económico. Ao nível estratégico, os objetivos crucialmente importantes são aqueles que nos permitem traduzir a visão em objetivos e este processo dá início ao desenvolvimento do plano estratégico.

 

Concluindo, como escrever objetivos significativos?

1. Envolver as pessoas que vão concretizar os objetivos

2. Criar um contexto seguro para facilitar o desenvolvimento e a transformação, ao nível dos objetivos primários

3. Alinhar objetivos explícitos e implícitos, ao nível dos objetivos secundários

4. Desenvolver uma visão (missão, propósito, destino desejado e valores) partilhada e mobilizadora

5. Desenvolver um plano estratégico, começando por traduzir a visão em três a cinco objetivos estratégicos

6. Escrever esses objetivos de forma S.M.A.R.T.

Neste momento, percebo que em 1987, embora tivesse uma boa intenção, os meus conhecimentos e estratégias levaram-me a acreditar que comunicar objetivos S.M.A.R.T. facilitavam o compromisso. Hoje, percebo que há pelo menos mais 5 coisas muito importantes antes de escrever os objetivos S.M.A.R.T. e não as considerar é “colher” o que não desejo.

 

Aplicações

Trate-se de uma equipa, um departamento ou uma organização de qualquer ramo, se os gestores quiserem ser também líderes e com isso gerar colaboração, compromisso e criatividade, então poderão valorizar estas ideias, aplicando-as.

 

Referências Bibliográficas

Agazarian, Y. M. (1997). Systems-Centered Therapy for Groups. New York: Guilford Press.

Agazarian, Y. M., & Gantt, S. P. (2000). Autobiography of a Theory: Developing the Theory of Living Human Systems and it Systems-Centered Practice. London: Jessica Kingsley.

Agazarian, Y. M., Gantt, S. P., & Carter, F. B. (2021). Systems-Centered Training: A Illustrated Guide foe Applying a Theory of Living Human Systems. New York: Routledge.

Bion, W. R. (1943). Intra-Group Tensions in Therapy. In W. R. Bion (Ed.), Experiences in Groups and other papers (pp. 11–28). New York: Brunner-Routledge.

Covey, S. R. (2017). O 8o Hábito: da eficácia à grandeza. Lisboa: Gradiva.

Damásio, A. (2005). O Erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano (24a). Mem Martins: Publicações Europa-América, Lda.

Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência: A construção do cérebro consciente. Maia: Círculo de Leitores.

Damásio, A. (2017). A Estranha Ordem das Coisas - a vida, os sentimentos e as culturas humanas (1a). Lisboa: Temas e Debates - Círculo de Leitores.

Damásio, A. (2020). Sentir & Saber - A Caminho da Consciência. Lisboa: Temas e Debates - Círculo Leitores.

Deci, E. L., & Ryan, R. M. (1990). A motivational approach to self: integration in personality. Nebraska Symposium on Motivation. Nebraska Symposium on Motivation, 38(February), 237–288.

Doran, G. T. (1981). There’s a S.M.A.R.T. way to write managements’s goals and objectives. Management Review, 70(11), 35. Retrieved from https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=bth&AN=6043491&lang=pt-pt&site=ehost-live&scope=site

Fowler, S. (2014). Why Motivating People Doesn’t Work ... and What Does: the new science of leading, energizing, and engaging. San Francisco CA: Berrett-Koehler Publishers, Inc.

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Gantt, S. P., & Agazarian, Y. M. (2005). Overview of the Theory of Living Human Systems and its Systems-Centered Practice. In S. P. Gantt & Y. M. Agazarian (Eds.), SCT in Action: Applying the Systems-Centered Approach in Organizations (pp. 1–24). Lincoln, NE: iUniverse.

Lewin, K. (1935). Environmental forces in child behavior and development. In K. Lewin (Ed.), A Dynamic Theory of Personality: Selected papers (pp. 66–113). New York: McGraw-Hill Book Company, Inc.

McLaren, K. (2010). The Language of Emotions: what your feelings are trying to tell you. Boulder, CO: Sounds True, Inc.

McLaren, K. (2021). The power of emotions at work: accessing the vital intelligence in your workplace. Boulder, CO: Sounds True.

Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Self-determination Theory and the Facilitation of Intrinsic Motivation, Social Development, and Well-Being. American Psychologist, 55(1), 68–78. https://doi.org/10.1037/0003-066X.55.1.68

 

por João Oliveira

03-04-2022








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