A IMPORTÂNCIA DO PERÍODO DE TRANSIÇÃO - por José Curado

(tempo que decorre desde o último jogo até ao início dos treinos da época seguinte)

Vou desde já pedir desculpa a quem vier a ler este meu pequeno trabalho pelo facto de o iniciar com uma incursão na “pré-história” da minha vida basquetebolística. Com as desculpas apresentadas, acredito que quem me ler vai perceber o porquê deste regresso ao passado. 

Comecei a jogar basquetebol no Sport Algés e Dafundo na época de 1961-62, na categoria de Infantis. Era assim que se chamava na altura e era para quem já tinha catorze anos, pois era só nesta idade que, então, se podia começar a jogar oficialmente. O Mini ainda estava para chegar! E, já agora, no que respeita às raparigas e mulheres, só podiam começar a jogar aos dezasseis anos e existia uma única categoria de idades!


A época com jogos oficiais era então muito curta – naquele primeiro ano nos Infantis houve apenas nove jogos! É o que consta da minha ficha de jogador, arquivada na Associação de Basquetebol de Lisboa. Sobrava, portanto, muito tempo e nós, a malta da equipa, queríamos continuar a brincar jogando.

Naquela altura, o campo de basquetebol do Algés era noutro local que não nas instalações da sede, o “famoso”, para nós, campo das “laranjeiras bravas”, ao ar livre e com um piso que era uma autêntica lixa, no qual era bom não cairmos. E, claro, com o fim dos jogos oficiais, o campo passava a estar fechado, o que, manifestamente, não nos agradava. Mobilizámo-nos para obter autorização para levantarmos as chaves e podermos aceder ao campo, o que conseguimos. Uma alegria!

Nunca tínhamos ouvido falar em período de transição, até porque, então, a Teoria e Metodologia do Treino ainda estava nos seus primórdios (pelo menos entre nós). Mas sabíamos muito bem que não podíamos estar tanto tempo longe do jogo. E eram horas e horas de diversão, inventando muitas maneiras de dar uso às bolas. E sem a presença do nosso treinador, até porque este, treinador benévolo, tinha o seu emprego e família, com duas crianças ainda pequenas, e não poderia estar connosco durante as manhãs e tardes.  Afinal, estávamos a fazer aquilo a que, muito tempo depois, ouvimos chamar de prática informal. E sabemos bem, hoje, o quão importante esta é para o desenvolvimento integral de quem quer melhorar a qualidade do seu jogo.

O tempo foi andando e acabei por me fazer treinador, logo aos 18 anos e por “culpa” do meu primeiro treinador, aquele a que já me referi atrás, Agostinho Pessoa Duarte de seu nome, o Zé Nito para nós. Vá lá eu saber porquê, achava ele que eu devia ter “jeito” (seja lá o que isto seja) para ensinar os mais pequenos. E foi assim que me vi à frente de grupos de miúdos dos oito aos doze anos, transmitindo-lhes, o melhor que soube, os primeiros rudimentos do jogo. O Mini tinha chegado ao Algés! E para ficar.

Uma vez feito treinador, foi chegando o tempo de ir a cursos e, mais tarde, o ingresso no Ensino Superior de Desporto. Ser treinador era para ser levado muito a sério, até porque parecia ter vindo para toda a vida. E, aqui chegado, a importância do período de transição ficou ainda mais clara e bem fundamentada.

E chegou, também naturalmente, o tempo de ir escrevendo, colocando no papel (literalmente, outros meios ainda não tinham sido inventados) as minhas preocupações. E as relativas ao período de transição estavam entre as principais.

Foram publicados os trabalhos que apresentei em eventos organizados pela Associação Nacional de Treinadores de Basquetebol:

- “A preparação no período de transição”, no 7º Encontro da A.N.T.B. em abril de 1983;

- “A preparação durante o período de transição”, no Ciclo de Conferências organizado pela Associação, em junho de 1983.

Tendo ingressado como docente no ensino superior e lecionando a cadeira de Teoria e Metodologia do Treino, fui transmitindo aqueles e aquelas de quem tive o prazer de ter sido professor muitas coisas sobre o planeamento do treino, colocando sempre grande ênfase sobre a importância do período de transição. Foram muitas gerações de futuros professores e treinadores saídos da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e Escola Superior de Desporto de Rio Maior que, entre 1986 e 2018, procurei convencer a fazerem as coisas bem feitas, adequando aquilo que lhes era transmitido aos contextos em que viriam a trabalhar. E sei que bastantes o fizeram.

Neste intervalo de tempo também voltei ao assunto num livro que escrevi – “Organização do treino nos desportos coletivos – Pontos de partida” (1ª edição em 2002 e 2ª em 2006). Neste livro fiz uma abordagem de outro tipo, com um capítulo a que chamei “O jogo dura o ano todo” (páginas 153 a 158). Mais do que uma abordagem técnico-pedagógica, tratou-se de uma de natureza político-estratégica, um contributo para denunciar aquilo que, entretanto, se tinha alterado profundamente. É que, daqueles “magros” nove jogos em que eu tinha participado no meu ano de estreia na modalidade, tinha-se agora chegado ao oposto, com as épocas absolutamente cheias de jogos, competições e “competiçõezinhas” de todos os tipos. Defendi então, e mantenho, que não se pode passar uma época inteira quase só a jogar – é muito importante “criar tempo” para outras coisas, também elas importantes para a melhoria global da modalidade (envolvendo todos os seus agentes). Quem tiver dúvidas analise com atenção o que se passa à volta da NBA e WNBA.

Tendo estado algum tempo afastado daquela que é a realidade do terreno, não me fui dando conta do estado do problema, ou seja, como estavam as preocupações com uma adequada estruturação do período de transição. Tendo recentemente regressado a uma maior proximidade daquela, dei-me conta, ou melhor, fui sendo informado por treinadores amigos de que a situação continua muito deficitária no que diz respeito a abordagens adequadas à real importância do período de transição.

Assim, deixo aqui um LEMBRETE sobre aqueles que poderão ser os conteúdos de um período de transição que contribua para o desenvolvimento contínuo de quem quer ser jogador(a):

- Antes de mais, o período de transição não significa paragem, mas sim repouso ativo – não deixar de treinar;

- Não ganhar peso excessivo. Pode definir-se como regra que é admissível um aumento de 2 a 4% do peso de referência. Não sejamos “fundamentalistas” – em tempos de relaxamento e de atividade menos intensa é normal algum “ajustamento do peso para cima”. Não é coisa que o regresso à atividade mais intensa não resolva e, se for o caso, a ajuda de nutricionistas é bem-vinda;

- Proibido o esforço monótono. O treino a sério também exige muita e muita repetição, nem sempre muito agradável;

- Mudar as condições e as características da preparação. Após meses a fio a treinar num pavilhão porque não procurar o ar livre?

- Os jogadores também devem fazer aquilo de que mais gostam. Dar-lhes a iniciativa – lembram-se da importância da prática informal?

- Tratar eventuais “restos de lesões”. Todos sabemos que não se deve jogar lesionado, mas também todos sabemos que, dentro de certos limites, nem sempre é assim. Agora sem a pressão dos jogos não há desculpas – tratem-se!

- Promover reuniões da equipa e jogador(a) a jogador(a): analisar o que foi feito e pensar no que se vai seguir;

- Elaborar um relatório final da atividade (tarefa do treinador), a que todos deverão ter acesso;

- Estabelecer objetivos individuais, apelando à superação que irá reduzindo os pontos fracos e melhorando os fortes;

- A duração será sempre variável em função dos escalões etários, dos calendários competitivos … Mas admitamos que será de trinta a quarenta e cinco dias, sabendo que, no topo, isto é uma miragem. Mas, para a maioria dos praticantes, aqueles que precisam realmente de melhorar, é bastante tempo, dá para fazer muita coisa;

- Ajustando naturalmente a cada contexto poderemos admitir fazer duas ou três sessões por semana;

- Praticar atividades recreativas, podendo chamar-lhes desportos complementares, com solicitação idêntica à do basquetebol;

- Trabalhar para melhorar a força muscular, uma evidente fragilidade de uma grande parte dos jovens praticantes;

- Trabalhar para melhorar a capacidade aeróbia, especialmente na parte final;

- No que respeita à preparação técnica e tática: os mais novos podem aprender coisas novas e corrigir as que precisem de ser corrigidas; aos mais velhos deixá-los … jogar; já há condições para começar a preparar soluções de equipa para a próxima época? Adiante;

- Tudo deverá decorrer num ambiente de emoções positivas pronunciadas;

- Frequentar campos de jogadores, por simples diversão e/ou com objetivos de aperfeiçoamento. Os campos de jogadores, se bem estruturados, constituem excelentes oportunidades para convívio com outras gentes, ver coisas diferentes, fazer novos amigos … Será bom, no entanto, não esquecer que eles não substituem, não podem substituir, o trabalho que precisa de ser feito nos clubes de forma contínua e sistémica;

- Preparar as férias. Quando disse que o jogo dura o ano todo não quis “roubar” o direito às férias de cada um! Mas a experiência diz-nos que, especialmente os mais novos gostam de levar trabalho para casa, com algumas tarefas que gostarão de continuar a fazer (fazer umas corridas, andar de bicicleta, jogar outro jogo …). Poderemos, e deveremos, ajudá-los a construir o seu plano de férias, de acordo com as condições concretas de cada um. E, num nível de ambição maior, ganhá-los para a progressiva construção do seu dossier de treino. Quanto aos mais velhos … já saberão cuidar de si!

Se ainda não o(a) consegui convencer da importância do período de transição digo-lhe, para terminar, que ele é absolutamente estruturante para se chegar a níveis de qualidade superiores. E o que é estruturante é incontornável.

por José Curado

27-12-2022








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