FALAR DE BASQUETEBOL – Passar ou Driblar, eis a questão – por João Oliveira


Recentemente, apercebi-me da importância que se atribui à utilização do passe e do drible. Há quem sinta saudades do passe no Basquetebol e simultaneamente o desconforto resultante da excessiva utilização do drible. Deverão as equipas valorizar o passe ou o drible? Quando passar e quando driblar?
Tentarei aprofundar a questão, partindo da imagem de uma moeda. Todas as moedas têm duas faces, chamemos-lhe cara e coroa.

Começando pela “cara”, o passe. Há umas décadas atrás, havia formas de jogar, como o passing game, motion, post-up game, twin towers game, triple post offense, ou como o transporte de bola para o ataque preferencialmente em passe, em drible só pelo base, a ideia que é mais rápido progredir em passe do que em drible e do passe como o elemento técnico que materializava o jogo coletivo. A “cara” representa a era da execução, da técnica, mas também do “siga”, do “continua”, do “até ao fim”.
Para quem tem mais de 50 anos e jogou basquetebol, este conjunto de formas e jogar implicou aprendizagens como a prioridade ao passe quer na transição defesa ataque, quer no ataque e a crença no passe – o basquetebol ser um jogo de passe. Estas aprendizagens influenciam a nossa perceção e julgamentos. Ou seja, se entendermos as aprendizagens como depósitos e as aplicações como levantamentos, então as pessoas com estas aprendizagens podem fazer levantamentos, leia-se aplicações que valorizam jogar em passe, tais como: jogar em 5 Abertos; proibir a utilização do drible (assisti a vários treinadores de Minis a proibirem o drible) ou o seu condicionamento (jogar 1x1 com o máximo de 2 dribles – ensinado em muitos cursos e clinics); dividir as situações de superioridade numérica através do passe (por exemplo, numa situação de 2x1, os jogadores passam a bola entre si); ou julgarem positivamente as equipas que utilizam preferencialmente o passe e negativamente aquelas que driblam mais (“isto não é basquetebol”).

Prosseguindo para a “coroa”, o drible. A propagação de jogos da NBA, a defesa ilegal, os isolamentos, o jogo estático, o pick-and-roll, os Pete Maravich, Jason William, Steve Nash, (…) mostraram formas de jogar que valorizavam o drible. Por outro lado, proibir o drible nos Minis e não ensinar a jogar bloqueio direto antes dos seniores levaram ao desaparecimento de bases nacionais e consequente contratação de bases estrangeiros (nos anos 70 e 80 eram poucas as equipas que contratavam bases estrangeiros, por exemplo), mas também ao desperdício. No Minibasquete as crianças são egocêntricas o que torna essa fase sensível à aprendizagem e mestria do drible e, ao proibi-lo, podemos acabar por desaproveitar essa fase sensível.  A “coroa” retrata a era da decisão, da tática, do “read & react”.
A evolução da defesa do jogo indireto (do jogo dos jogadores sem bola) tornou difícil abrir linhas de passe ao jogador com bola. A melhoria do scouting e da defesa do passe e corte, dos cortes UCLA, das saídas bloqueadas, (…) introduziu a necessidade de imprevisibilidade e com ela a utilização do drible através de jogadores “abre-latas”, nos jogos equilibrados. A diminuição do tempo da posse de bola dos 45 segundos para os 30 segundos e destes para os 24 segundos, aliado à diminuição do tempo para passar o meio campo, para 8 segundos, e a necessidade de os fans verem desempenhos individuais foram outros fatores que apoiaram a valorização do drible.

Podemos ainda considerar que a utilização do passe na transição ofensiva levou a que os melhores decisores não estivessem envolvidos nos momentos de decisão no contra-ataque. Transformar-se decisores em finalizadores e finalizadores em decisores provocou um aumento substancial de turn-overs. O efeito Chicago Bulls com mais do que um jogador a conduzir a bola para o ataque, com jogadores a ressaltarem e saírem em drible, em vez de passe, e as faltas antidesportivas sobre o driblador, na transição defesa-ataque, constituíram mais alguns fatores que apoiaram a utilização do drible.

Podemos elencar mais duas situações que valorizaram a utilização do drible. Primeiro, o efeito combinado da linha de 3 pontos, com o efeito Shaquille O’Neal e da melhoria do lançamento de 3 pontos mudou o jogo: os jogadores acima de 2 metros deixaram de ser postes, passaram a ser extremos e os espaços passaram a ser ocupados de forma diferente - libertou-se a zona “pintada”, para ser utilizada de fora para dentro com o drible, criaram-se double e triple gaps no ataque (esperar que os single gaps facilitem a utilização do drible pertence ao passado, mas continua a ser motivo de muitos trun-overs no presente) e reposicionaram-se atacantes em espaços onde não há rotação defensiva. Segundo, paralela e cumulativamente surgi o movimento dos 4 jogadores sem bola à penetração em drible, com as “reações” ao drible, que desmontou as rotações defensivas e facilitou a sua utilização.

Esta face da moeda implicou a aprendizagem da prioridade do drible na transição defesa-ataque e no ataque, da crença no drible – o basquetebol ser um jogo de drible.

Passou-se a assistir a formas de jogar em drible, com jogo direto em drible, quer no 1x1, quer com situações de 2x2. O drible-drive-offense é um exemplo da primeira situação e o hornes, side-pick e high-pick são exemplos dos segundos. Sair em drible após ressalto defensivo, para fazer face à pressão a um base único, passar o ½ campo em 8 segundos e dividir as situações de contra-ataque através do drible, em vez do passe, foram outras aplicações da crença no drible:
  • Se a defesa adversária impede a progressão da bola em drible, os 8 segundos impõe a necessidade de driblar para avançar, neste contexto;
  • Quando o jogo indireto não abre linhas de passe, utilizar o drible para dividir a defesa podia ser útil;
  • Nos momentos em que as equipas defendem zona, “arrastar” o defesa de uma zona para outra ou dividir a zona atacando os espaços entre defensores seria construtivo;
  • Abrir ângulos de passe para o poste, através do drible, podia ser interessante;
  • Oferecer um lançamento aberto a um lançador, com penetração (seja exterior ou do interior) e passe para fora ou com drible bola à mão seria positivo;
  • Antes de um bloqueio direto, realizar drible bola à mão poderia dificultar a ajuda sobre o jogador que desfaz o bloqueio direto a desmarcar-se;
  • Atacar o cesto em drible seria uma forma de colocar um jogador com problemas de faltas;
  • Quando o tempo de ataque se reduz a 14 segundos, após ressalto ofensivo, ou nas últimas posses de bola, utilizar o drible poderia ser uma solução eficaz;
  • (…).


Surgiu a polarização entre o passe e o drible e com ela o desconforto. No primeiro caso, quando a defesa do jogo indireto se superiorizou ao ataque indireto, as equipas passaram a ter dificuldades em vencer. No segundo caso, quando se exagera na utilização do drible, com jogadores a passarem 18 a driblar, na mesma posse de bola, ou quando se “deposita todas as fichas num só jogador” comprometeu-se o jogo coletivo, no ataque e na defesa, e facilitou-se a tarefa da defesa adversária, por reduzir e afunilar as ameaças, no ataque, e por desmembrar o compromisso, na defesa. Como consequência desta polarização, oposição, entre o passe e o drible e com ela Passar OU Driblar, eis a questão.

O QUE FAZER? HAVERÁ UMA TERCEIRA ALTERNATIVA?

O passe e o drible estão para o atacante com bola e para a equipa como “cara” e “coroa” estão para uma moeda. O passe e o drible são dois elementos técnicos e táticos essenciais. Passar ou driblar estão para o ataque como alguns remédios que se devem tomar apenas quando necessários e na dose certa. Passar ou driblar estão para o ataque como os salgados e os doces estão para um almoço de casamento, pois ambos são necessários. Sem um ou sem o outro, a “ementa” não estará completa. Por isso, Passar OU Driblar, eis a questão deu lugar a Passar E Driblar, eis a questão.

Por isso, a questão NÃO é passar ou driblar, antes quando utilizar um ou outro elemento. QUANDO PASSAR E DRIBLAR, EIS A QUESTÃO.
A lógica do jogo envolve progredir a bola em passe ou drible e movimentar a bola no ataque em passe ou drible. Nesta medida, vamos começar por separar estes dois momentos, para depois os integrá-los com a procurar da terceira alternativa.

Contudo, antes de aprofundarmos estes dois momentos, parece-nos importante clarificar algumas ideias, mas apenas superficialmente, para não perder o foco da questão inicial.

Do mesmo modo que se vamos tocar piano numa orquestra, necessitamos de aprender a tocar piano e que se vamos tocar saxofone, necessitamos de aprender a tocar saxofone, também necessitamos de saber que orquestra queremos ter, leia-se modelo de jogo, tendo em conta as características dos jogadores Portugueses. Temos ou vamos ter alguns “Shaquille O’Neal”? Se temos ou vamos ter o jogo poderá valorizar o jogo direto de passe ao poste e toda a formação poderá assentar neste pressuposto. Se não temos, então podemos valorizar o aproveitamento das zonas de elevada percentagem de lançamento através do jogo indireto, em passe, e do jogo direto, em drible. Um exemplo, de uma equipa com combinava intencional e eficazmente o jogo direto em drible com o jogo indireto em passe, dividindo a defesa entre acompanhar o movimento dos jogadores sem bola e a penetração da bola em drible, pode ser encontrado numa equipa portuguesa que “enchia” o Pavilhão Rosa Mota. Por outro lado, qual é a tendência do jogo? Se vamos preparar jogadores para serem seniores a 10 anos, como será o jogo daqui por 10 anos? Há 20 anos, era frequente assistir a treinos de formação com uma percentagem de tempo de treino considerável a treinar lançamento na passada (direito-esquerdo do lado direito e esquerdo-direito no lado esquerdo). Passados 10 anos, as exigências do jogo levaram a este tipo de lançamento fosse residual e, nas penetrações, os jogadores lançavam no primeiro apoio com a mão contrária, troca pés, apoios laterais (Manu Ginóbili), (…), e recentemente lançamento do drible sem qualquer apoio (Ricky Rubio), entre tantos outros (nos anos 90 apresentei mais de 30 formas de utilizar os apoios no lançamento na passada, aos árbitros da ABP, imagine-se as possibilidades que o passo-zero pode acrescentar). Outra situação frequente, era o treino da desmarcação e receção do extremo, para iniciar o ataque, que foi quase extinta no jogo contemporâneo (para mais detalhes ver clicar AQUI). Ou seja, a formação de jogadores no presente para jogar no futuro exige antecipar esse futuro. Caso contrário, poderemos estar a formar datilógrafos, para uma geração que irá utilizar computadores, a desperdiçar tempo de treino e a não preparar os jogadores para o que o jogo lhes irá exigir. O modelo e a tendência do jogo são igualmente questões que merecem atenção, antes de responder à questão central.

Outra ideia é a do jogador que queremos desenvolver e do método que apoia o seu florescimento. Pretendemos desenvolver jogadores que “viajam de comboio” ou jogadores que “conduzem o seu automóvel”? Já desenvolvi esta ideia num outro artigo. Sucintamente, perseguimos o desenvolvimento de jogadores que não percecionam, nem decidem as situações de jogo, apenas executam o trajeto do “maquinista” (as jogadas) ou pretendemos jogadores que percecionem, decidam e executem em função do contexto? No primeiro caso, os métodos clássicos de ensino do jogo respondem a essas necessidades. Porém, se optarmos pelo segundo caso, em que quem joga são os jogadores, então necessitamos de utilizar métodos de ensino ativos e, neste caso, os jogadores e as equipas precisam de descobrir, aprender e treinar quer as regras ou conceitos que irão regular a ação, quer a consequente, apropriada e eficaz execução. Modelos de jogador e método de ensino são outros temas a merecerem análise, antes de se avançar.

A última ideia a realçar é a noção de prioridade em detrimento da polarização. Se optarmos pela polarização, então iremos valorizar o jogo em passe, se acreditarmos no passe, e o jogo em drible, se acreditarmos no drible. Porém, numa terceira alternativa surge a ideia de prioridade. Isto é, que há momentos em que a prioridade é passar e outros em que essa prioridade é driblar.

Estas três ideias estão interligadas. Não as clarificar é trabalhar sem bússola e diminuir a probabilidade de formar os jogadores e as equipas que desejamos, que poderá ser semelhante à probabilidade do Robin dos Bosques acertar com a flecha num alvo a 50 metros, depois de lhe vendarem os olhos e o fazerem rodopiar sobre si 10 vezes, antes de atirar ao alvo.

Regressemos aos dois momentos, para procurar a terceira alternativa.

Momento A – QUANDO É PRIORIDADE PASSAR E DRIBLAR NA TRANSIÇÃO, EIS A QUESTÃO.

Há uns anos, aprendi um exercício que ajuda os jogadores a descobrirem e treinarem a resposta a esta questão. Chamei-lhe Rugby Basket. A estrutura do exercício não é relevante. São situações em superioridade numérica, todo o campo, sejam de 2x1, 3x2, 4x3 ou 5x4. O objetivo dos atacantes é avançar a bola e marcar cesto sem que o atacante com bola seja tocado por um defensor. Quando experimentei este exercício, fiquei surpreendido com as muitas e ricas aprendizagens que facilita. Desde logo, ao fim de algumas tentativas, os atacantes percebem que necessitam de se afastar e ocupar o campo longitudinal e lateralmente. Afastarem-se da bola e oferecem quer linhas de passe de apoio e de rutura são ambas úteis para ultrapassar qualquer pressão. Depois, como todas as regras do jogo estão presentes, os atacantes apenas têm 8 segundos para passar o meio campo, pelo que apreendem que quando algum defensor se aproxima do atacante com bola devem passar, antes de serem tocados, o que os obriga a jogar de cabeça levantada e a criar linhas de passe, mas também a apreender que têm que driblar, quando os defensores optam por defender os atacantes sem bola.

Pensando neste exercício, mas mais importante apreendendo, experimentando-o no treino, poderemos encontrar a resposta à questão: quando é prioridade passar ou driblar na transição, eis a questão.

Momento B – QUANDO É PRIORIDADE PASSAR E DRIBLAR NO ATAQUE, EIS A QUESTÃO.

Mais do que compreender a resposta a esta questão, consegui apreendê-la com jogos de 2x2, 3x3, 4x4 e 5x5 utilizando o conceito de “cone de ataque”, proposto pelo Sr. Gerard Bosch. Isto é, se uma equipa está a atacar, então algum dos jogadores tem a bola. Se visualizarmos um cone com vértice para projeção vertical do cesto no chão e base nesse jogador com bola, então visualizaremos o “cone de ataque” e bastará ver se entre o jogador com bola e o cesto está algum colega de equipa ou não.
  • Se estiver, então a prioridade da equipa é passar a bola, seja diretamente ou utilizando outro jogador, como a vulgar high-low ou tantas outras opções, por exemplo, driblar para abrir ângulos de passe. 
  • Porém, se não estiver nenhum atacante dentro do “cone de ataque”, então a prioridade do atacante com bola é explorar esse espaço driblando para o cesto. No primeiro caso, realça-se o jogo direto em passe, enquanto na segunda situação destaca-se o jogo direto em drible.

Como podemos complicar o trabalho defensivo, para utilizar uma ou outra situação? Criando engodos no jogo fora do “cone de ataque”, no jogo indireto.

Poderá perguntar-se qual será a prioridade quando estiver um atacante sem bola, na fronteira do “cone de ataque”, por exemplo, oferecendo um bloqueio direto? Qual lhe parece ser a resposta? Poderá apreendê-la criando a situação de treino proposta.

Passe e drible, jogo direto em passe ou drible e jogo indireto TUDO É BASQUETEBOL. A terceira alternativa, a “cola” entre o passe e o drible, a que potencializa ambos, tem raiz num princípio geral – BALL MOVEMENT – do MOVIMENTO DA BOLA, seja em passe ou drible, e tem a virtude de integrar a execução (técnica) e o “read & react” (tática). Esta integração, esta terceira alternativa apoia-se nos 3 R’s – “Read, React & Realize”, combina a técnica e a tática, a parte cognitiva (da perceção e decisão), com a parte física da execução integrada no ato tático, pelo que a pergunta a fazer pode ser:

QUANDO É PRIORIDADE MOVIMENTAR A BOLA EM PASSE E EM DRIBLE NA TRANSIÇÃO E NO ATAQUE, EIS A QUESTÃO.

João Oliveira
12-12-2019













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