Recentemente, apercebi-me da importância que se atribui à
utilização do passe e do drible. Há quem sinta saudades do passe no Basquetebol
e simultaneamente o desconforto resultante da excessiva utilização do drible.
Deverão as equipas valorizar o passe ou o drible? Quando passar e quando
driblar?
Tentarei aprofundar a questão,
partindo da imagem de uma moeda. Todas as moedas têm duas faces, chamemos-lhe
cara e coroa.
Começando pela “cara”, o passe.
Há umas décadas atrás, havia formas de jogar, como o passing game, motion, post-up
game, twin towers game, triple post offense, ou como o transporte de bola
para o ataque preferencialmente em passe, em drible só pelo base, a ideia que é
mais rápido progredir em passe do que em drible e do passe como o elemento
técnico que materializava o jogo coletivo. A “cara” representa a era da execução,
da técnica, mas também do “siga”, do “continua”, do “até ao fim”.
Para quem tem mais de 50 anos e
jogou basquetebol, este conjunto de formas e jogar implicou aprendizagens como
a prioridade ao passe quer na transição defesa ataque, quer no ataque e a
crença no passe – o basquetebol ser um jogo de passe. Estas aprendizagens
influenciam a nossa perceção e julgamentos. Ou seja, se entendermos as
aprendizagens como depósitos e as aplicações como levantamentos, então as
pessoas com estas aprendizagens podem fazer levantamentos, leia-se aplicações
que valorizam jogar em passe, tais como: jogar em 5 Abertos; proibir a utilização
do drible (assisti a vários treinadores de Minis a proibirem o drible) ou o seu
condicionamento (jogar 1x1 com o máximo de 2 dribles – ensinado em muitos
cursos e clinics); dividir as situações de superioridade numérica através do
passe (por exemplo, numa situação de 2x1, os jogadores passam a bola entre si);
ou julgarem positivamente as equipas que utilizam preferencialmente o passe e
negativamente aquelas que driblam mais (“isto não é basquetebol”).
Prosseguindo para a “coroa”, o
drible. A propagação de jogos da NBA, a defesa ilegal, os isolamentos, o jogo
estático, o pick-and-roll, os Pete Maravich, Jason William, Steve Nash,
(…) mostraram formas de jogar que valorizavam o drible. Por outro lado, proibir
o drible nos Minis e não ensinar a jogar bloqueio direto antes dos seniores levaram
ao desaparecimento de bases nacionais e consequente contratação de bases
estrangeiros (nos anos 70 e 80 eram poucas as equipas que contratavam bases
estrangeiros, por exemplo), mas também ao desperdício. No Minibasquete as
crianças são egocêntricas o que torna essa fase sensível à aprendizagem e
mestria do drible e, ao proibi-lo, podemos acabar por desaproveitar essa fase
sensível. A “coroa” retrata a era da
decisão, da tática, do “read & react”.
A evolução da defesa do jogo
indireto (do jogo dos jogadores sem bola) tornou difícil abrir linhas de passe
ao jogador com bola. A melhoria do scouting e da defesa do passe e corte,
dos cortes UCLA, das saídas bloqueadas, (…) introduziu a necessidade de
imprevisibilidade e com ela a utilização do drible através de jogadores
“abre-latas”, nos jogos equilibrados. A diminuição do tempo da posse de bola
dos 45 segundos para os 30 segundos e destes para os 24 segundos, aliado à
diminuição do tempo para passar o meio campo, para 8 segundos, e a necessidade de
os fans verem desempenhos individuais foram outros fatores que apoiaram
a valorização do drible.
Podemos ainda considerar que a
utilização do passe na transição ofensiva levou a que os melhores decisores não
estivessem envolvidos nos momentos de decisão no contra-ataque. Transformar-se
decisores em finalizadores e finalizadores em decisores provocou um aumento
substancial de turn-overs. O efeito Chicago Bulls com mais do que um
jogador a conduzir a bola para o ataque, com jogadores a ressaltarem e saírem
em drible, em vez de passe, e as faltas antidesportivas sobre o driblador, na
transição defesa-ataque, constituíram mais alguns fatores que apoiaram a
utilização do drible.
Podemos elencar mais duas
situações que valorizaram a utilização do drible. Primeiro, o efeito combinado
da linha de 3 pontos, com o efeito Shaquille O’Neal e da melhoria do lançamento
de 3 pontos mudou o jogo: os jogadores acima de 2 metros deixaram de ser
postes, passaram a ser extremos e os espaços passaram a ser ocupados de forma
diferente - libertou-se a zona “pintada”, para ser utilizada de fora para
dentro com o drible, criaram-se double e triple gaps no ataque
(esperar que os single gaps facilitem a utilização do drible pertence ao
passado, mas continua a ser motivo de muitos trun-overs no presente) e
reposicionaram-se atacantes em espaços onde não há rotação defensiva. Segundo,
paralela e cumulativamente surgi o movimento dos 4 jogadores sem bola à
penetração em drible, com as “reações” ao drible, que desmontou as rotações
defensivas e facilitou a sua utilização.
Esta face da moeda implicou a
aprendizagem da prioridade do drible na transição defesa-ataque e no ataque, da
crença no drible – o basquetebol ser um jogo de drible.
Passou-se a assistir a formas de
jogar em drible, com jogo direto em drible, quer no 1x1, quer com situações de
2x2. O drible-drive-offense é um exemplo da primeira situação e o hornes,
side-pick e high-pick são exemplos dos segundos. Sair em drible
após ressalto defensivo, para fazer face à pressão a um base único, passar o ½
campo em 8 segundos e dividir as situações de contra-ataque através do drible,
em vez do passe, foram outras aplicações da crença no drible:
- Se a defesa adversária impede a progressão da bola em drible, os 8 segundos impõe a necessidade de driblar para avançar, neste contexto;
- Quando o jogo indireto não abre linhas de passe, utilizar o drible para dividir a defesa podia ser útil;
- Nos momentos em que as equipas defendem zona, “arrastar” o defesa de uma zona para outra ou dividir a zona atacando os espaços entre defensores seria construtivo;
- Abrir ângulos de passe para o poste, através do drible, podia ser interessante;
- Oferecer um lançamento aberto a um lançador, com penetração (seja exterior ou do interior) e passe para fora ou com drible bola à mão seria positivo;
- Antes de um bloqueio direto, realizar drible bola à mão poderia dificultar a ajuda sobre o jogador que desfaz o bloqueio direto a desmarcar-se;
- Atacar o cesto em drible seria uma forma de colocar um jogador com problemas de faltas;
- Quando o tempo de ataque se reduz a 14 segundos, após ressalto ofensivo, ou nas últimas posses de bola, utilizar o drible poderia ser uma solução eficaz;
- (…).
Surgiu a polarização entre o
passe e o drible e com ela o desconforto. No primeiro caso, quando a defesa do
jogo indireto se superiorizou ao ataque indireto, as equipas passaram a ter
dificuldades em vencer. No segundo caso, quando se exagera na utilização do
drible, com jogadores a passarem 18 a driblar, na mesma posse de bola, ou
quando se “deposita todas as fichas num só jogador” comprometeu-se o jogo
coletivo, no ataque e na defesa, e facilitou-se a tarefa da defesa adversária,
por reduzir e afunilar as ameaças, no ataque, e por desmembrar o compromisso,
na defesa. Como consequência desta polarização, oposição, entre o passe e o
drible e com ela Passar OU Driblar, eis a questão.
O QUE FAZER? HAVERÁ UMA TERCEIRA
ALTERNATIVA?
O passe e o drible estão para o
atacante com bola e para a equipa como “cara” e “coroa” estão para uma moeda. O
passe e o drible são dois elementos técnicos e táticos essenciais. Passar ou
driblar estão para o ataque como alguns remédios que se devem tomar apenas
quando necessários e na dose certa. Passar ou driblar estão para o ataque como
os salgados e os doces estão para um almoço de casamento, pois ambos são
necessários. Sem um ou sem o outro, a “ementa” não estará completa. Por isso, Passar
OU Driblar, eis a questão deu lugar a Passar E Driblar, eis a questão.
Por isso, a questão NÃO é passar
ou driblar, antes quando utilizar um ou outro elemento. QUANDO PASSAR E DRIBLAR,
EIS A QUESTÃO.
A lógica do jogo envolve progredir
a bola em passe ou drible e movimentar a bola no ataque em passe ou drible.
Nesta medida, vamos começar por separar estes dois momentos, para depois os
integrá-los com a procurar da terceira alternativa.
Contudo, antes de aprofundarmos
estes dois momentos, parece-nos importante clarificar algumas ideias, mas
apenas superficialmente, para não perder o foco da questão inicial.
Do mesmo modo que se vamos tocar
piano numa orquestra, necessitamos de aprender a tocar piano e que se vamos tocar
saxofone, necessitamos de aprender a tocar saxofone, também necessitamos de
saber que orquestra queremos ter, leia-se modelo de jogo, tendo em conta as
características dos jogadores Portugueses. Temos ou vamos ter alguns “Shaquille
O’Neal”? Se temos ou vamos ter o jogo poderá valorizar o jogo direto de passe
ao poste e toda a formação poderá assentar neste pressuposto. Se não temos,
então podemos valorizar o aproveitamento das zonas de elevada percentagem de
lançamento através do jogo indireto, em passe, e do jogo direto, em drible. Um
exemplo, de uma equipa com combinava intencional e eficazmente o jogo direto em
drible com o jogo indireto em passe, dividindo a defesa entre acompanhar o
movimento dos jogadores sem bola e a penetração da bola em drible, pode ser
encontrado numa equipa portuguesa que “enchia” o Pavilhão Rosa Mota. Por outro
lado, qual é a tendência do jogo? Se vamos preparar jogadores para serem
seniores a 10 anos, como será o jogo daqui por 10 anos? Há 20 anos, era
frequente assistir a treinos de formação com uma percentagem de tempo de treino
considerável a treinar lançamento na passada (direito-esquerdo do lado direito
e esquerdo-direito no lado esquerdo). Passados 10 anos, as exigências do jogo
levaram a este tipo de lançamento fosse residual e, nas penetrações, os
jogadores lançavam no primeiro apoio com a mão contrária, troca pés, apoios
laterais (Manu Ginóbili), (…), e recentemente lançamento do drible sem qualquer
apoio (Ricky Rubio), entre tantos outros (nos anos 90 apresentei mais de 30
formas de utilizar os apoios no lançamento na passada, aos árbitros da ABP,
imagine-se as possibilidades que o passo-zero pode acrescentar). Outra situação
frequente, era o treino da desmarcação e receção do extremo, para iniciar o
ataque, que foi quase extinta no jogo contemporâneo (para mais detalhes ver clicar AQUI).
Ou seja, a formação de jogadores no presente para jogar no futuro exige
antecipar esse futuro. Caso contrário, poderemos estar a formar datilógrafos,
para uma geração que irá utilizar computadores, a desperdiçar tempo de treino e
a não preparar os jogadores para o que o jogo lhes irá exigir. O modelo e a
tendência do jogo são igualmente questões que merecem atenção, antes de
responder à questão central.
Outra ideia é a do jogador que
queremos desenvolver e do método que apoia o seu florescimento. Pretendemos
desenvolver jogadores que “viajam de comboio” ou jogadores que “conduzem o seu
automóvel”? Já desenvolvi esta ideia num outro artigo. Sucintamente, perseguimos
o desenvolvimento de jogadores que não percecionam, nem decidem as situações de
jogo, apenas executam o trajeto do “maquinista” (as jogadas) ou pretendemos
jogadores que percecionem, decidam e executem em função do contexto? No
primeiro caso, os métodos clássicos de ensino do jogo respondem a essas
necessidades. Porém, se optarmos pelo segundo caso, em que quem joga são os
jogadores, então necessitamos de utilizar métodos de ensino ativos e, neste
caso, os jogadores e as equipas precisam de descobrir, aprender e treinar quer
as regras ou conceitos que irão regular a ação, quer a consequente, apropriada
e eficaz execução. Modelos de jogador e método de ensino são outros temas a
merecerem análise, antes de se avançar.
A última ideia a realçar é a noção
de prioridade em detrimento da polarização. Se optarmos pela polarização, então
iremos valorizar o jogo em passe, se acreditarmos no passe, e o jogo em drible,
se acreditarmos no drible. Porém, numa terceira alternativa surge a ideia de
prioridade. Isto é, que há momentos em que a prioridade é passar e outros em
que essa prioridade é driblar.
Estas três ideias estão
interligadas. Não as clarificar é trabalhar sem bússola e diminuir a
probabilidade de formar os jogadores e as equipas que desejamos, que poderá ser
semelhante à probabilidade do Robin dos Bosques acertar com a flecha num alvo a
50 metros, depois de lhe vendarem os olhos e o fazerem rodopiar sobre si 10
vezes, antes de atirar ao alvo.
Regressemos aos dois momentos,
para procurar a terceira alternativa.
Momento A – QUANDO É PRIORIDADE
PASSAR E DRIBLAR NA TRANSIÇÃO, EIS A QUESTÃO.
Há uns anos, aprendi um exercício
que ajuda os jogadores a descobrirem e treinarem a resposta a esta questão.
Chamei-lhe Rugby Basket. A estrutura do exercício não é relevante. São
situações em superioridade numérica, todo o campo, sejam de 2x1, 3x2, 4x3 ou
5x4. O objetivo dos atacantes é avançar a bola e marcar cesto sem que o
atacante com bola seja tocado por um defensor. Quando experimentei este
exercício, fiquei surpreendido com as muitas e ricas aprendizagens que
facilita. Desde logo, ao fim de algumas tentativas, os atacantes percebem que
necessitam de se afastar e ocupar o campo longitudinal e lateralmente. Afastarem-se
da bola e oferecem quer linhas de passe de apoio e de rutura são ambas úteis
para ultrapassar qualquer pressão. Depois, como todas as regras do jogo estão
presentes, os atacantes apenas têm 8 segundos para passar o meio campo, pelo
que apreendem que quando algum defensor se aproxima do atacante com bola devem
passar, antes de serem tocados, o que os obriga a jogar de cabeça levantada e a
criar linhas de passe, mas também a apreender que têm que driblar, quando os
defensores optam por defender os atacantes sem bola.
Pensando neste exercício, mas mais
importante apreendendo, experimentando-o no treino, poderemos encontrar a
resposta à questão: quando é prioridade passar ou driblar na transição, eis a
questão.
Momento B – QUANDO É PRIORIDADE
PASSAR E DRIBLAR NO ATAQUE, EIS A QUESTÃO.
Mais do que compreender a
resposta a esta questão, consegui apreendê-la com jogos de 2x2, 3x3, 4x4 e 5x5
utilizando o conceito de “cone de ataque”, proposto pelo Sr. Gerard Bosch. Isto
é, se uma equipa está a atacar, então algum dos jogadores tem a bola. Se
visualizarmos um cone com vértice para projeção vertical do cesto no chão e
base nesse jogador com bola, então visualizaremos o “cone de ataque” e bastará
ver se entre o jogador com bola e o cesto está algum colega de equipa ou não.
- Se estiver, então a prioridade da equipa é passar a bola, seja diretamente ou utilizando outro jogador, como a vulgar high-low ou tantas outras opções, por exemplo, driblar para abrir ângulos de passe.
- Porém, se não estiver nenhum atacante dentro do “cone de ataque”, então a prioridade do atacante com bola é explorar esse espaço driblando para o cesto. No primeiro caso, realça-se o jogo direto em passe, enquanto na segunda situação destaca-se o jogo direto em drible.
Como podemos complicar o trabalho
defensivo, para utilizar uma ou outra situação? Criando engodos no jogo fora do
“cone de ataque”, no jogo indireto.
Poderá perguntar-se qual será a
prioridade quando estiver um atacante sem bola, na fronteira do “cone de
ataque”, por exemplo, oferecendo um bloqueio direto? Qual lhe parece ser a
resposta? Poderá apreendê-la criando a situação de treino proposta.
Passe e drible, jogo direto em
passe ou drible e jogo indireto TUDO É BASQUETEBOL. A terceira alternativa, a
“cola” entre o passe e o drible, a que potencializa ambos, tem raiz num
princípio geral – BALL MOVEMENT – do MOVIMENTO DA BOLA, seja em passe ou
drible, e tem a virtude de integrar a execução (técnica) e o “read & react”
(tática). Esta integração, esta terceira alternativa apoia-se nos 3 R’s – “Read, React &
Realize”, combina a técnica e a tática, a parte cognitiva (da perceção e
decisão), com a parte física da execução integrada no ato tático, pelo que a
pergunta a fazer pode ser:
QUANDO É PRIORIDADE MOVIMENTAR A
BOLA EM PASSE E EM DRIBLE NA TRANSIÇÃO E NO ATAQUE, EIS A QUESTÃO.
João Oliveira
12-12-2019
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