Basquetebol – Formação do passado ao presente ou Formação com propósito (parte 3) – por António Pereira

Parte 3

(Parte 1 e Parte 2 também disponíveis)

 

A Formação como afirmação da cultura de um clube

A Formação como pilar da sustentabilidade de uma modalidade 

 

Quando escrevi a primeira parte deste artigo, senti-me na obrigação de o partilhar com os antigos colegas de equipa e amigos. Retive dois comentários. O primeiro disse-me que eu o tinha feito recuar no tempo. O segundo relembrou-me o impacto que a equipa sénior da Associação Académica de Coimbra (AAC) teve em nós aquando do início da nossa formação. A equipa então liderada pelo “teórico” Alberto Martins tinha no seu plantel grandes senhores do basquetebol português, aos quais, cada época, se juntavam atletas americanos de excelência, como o “gigante” Ron Sanford – era visto frequentemente a passear na baixa de Coimbra, quase sempre acompanhado pela sua mulher, que lhe dava pela cintura, sendo olhado com espanto e admiração, e chamava igualmente a atenção, quando conduzia um carro mítico da altura, um Citroen “arrastadeira”. Pelo pavilhão do Estádio Universitário de Coimbra, também apareceu uma ou outra vez um outro jogador mítico que jogava no FC Porto, Dale Dover, de seu nome. Apesar de jogar num clube rival, não tinha problemas em jogar com os miúdos da AAC, brincando e comunicando com eles, fazendo despertar a paixão pelo basquetebol e proporcionando momentos inesquecíveis. A miudagem parecia viver um sonho com esse contacto, o que, só por isso, a conduzia à prática da modalidade.

Se naquele tempo ninguém pagava qualquer quota para praticar basquetebol, hoje não é segredo para ninguém, que quando um jovem assume a vontade de praticar uma modalidade, os seus pais já sabem que vão ter de suportar despesas inerentes a uma taxa de inscrição, seguro desportivo, mensalidade, equipamento e, até, deslocações. Esta é a forma que os clubes encontraram para amenizar as suas dificuldades de angariação de receitas para promoverem as suas atividades.

Foi a fórmula encontrada pelos clubes para substituírem os amigos, os mecenas e os apoios autárquicos, que ajudavam a suportar as despesas, num passado não muito distante.

Não vejo problema algum com esta evolução.

O pior foi a cultura que se foi instalando na prática da atividade.

Isto é, foi-se observando um novo paradigma, que tem mais a ver com a prática desportiva como forma de ocupação de tempos livres do que conduzir a formação para a competição.

Ao contrário do passado, deixou de existir uma métrica de resultados – não dos que são apresentados nos marcadores eletrónicos – mas do quanto um atleta ou a equipa evoluiu num determinado período de tempo, por força dos conhecimentos técnicos e táticos, entretanto adquiridos. Os jovens apresentavam objetivos e, por isso, praticavam basquetebol de uma forma intencional, sabendo que só com muito trabalho e de qualidade os levaria a atingir as metas propostas, estabelecendo comparativos com os adversários, que encontravam nos campeonatos regionais, nacionais ou nos jogos de treino.

Vivemos numa era de fast food, é verdade, só que para se alcançarem resultados desportivos não há menu milagroso que nos valha…

Os tempos são outros, os jovens não têm as mesmas necessidades, têm outros entretenimentos à sua disposição, e muitos encaram a prática desportiva com outro olhar. Ouço este tipo de comentários vindos de algumas pessoas.  Mas se é assim porque é que há outras modalidades que têm sucesso e conseguem fazer formação/desenvolvimento de jogadores de qualidade?

Em março de 2014 e observando o estado de então do basquetebol em geral e da formação em particular, escrevi um texto no blog apbasketball onde, a determinado momento, surge:

“É imperioso que o basquetebol seja gerido como uma marca, que tenha a capacidade de inovar, de se diferenciar das restantes modalidades, que tenha uma boa estratégia de comunicação e para isso é necessário que existam gestores competentes, profissionais, que tenham competências multidisciplinares e que sejam capazes de colocar em prática as suas ideias e projetos.”

O texto mantém-se quase todo ele atual, como se pode verificar pela leitura do mesmo.

E isto leva-me a formular as seguintes perguntas: será que os pais …

  • Ao pagar uma mensalidade, perspetivam ou desejam que os seus filhos tenham como horizonte a equipa sénior?
  • Ou simplesmente procuram uma atividade física ou uma ocupação de tempos livres para os seus filhos?
  • Perspetivam que os seus filhos sejam atletas profissionais, mesmo tendo em consideração que os jogadores nacionais têm menos minutos ou oportunidades de jogo?
  • Estão conscientes que para um atleta ter sucesso é preciso treinar muitas horas (as tais dez mil horas…) com propósito e paixão?
  • Compreendem que a prática do basquetebol pode contribuir para uma melhoria das suas competências humanas? E que estas serão uma mais-valia juntamente com as competências académicas!

Questão: Qual foi, é e pode ser a forma de assegurar a sustentabilidade dos clubes?

1ª Fase: Amigos, mecenas, autarquias;

2ª Fase: Pais

3ª Fase: Alternativa….

O basquetebol português tem de aproveitar o fôlego financeiro, por via de Decreto-Lei, proveniente dos jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia, patrocinadores e outros apoios, para lançar as bases de uma formação que conduza à sustentabilidade das suas competições e permita às diversas seleções nacionais terem jogadores que possam competir a um nível superior.

Após o Europeu de 2007, mais propriamente em 2008 e 2009, tinha a convicção de que precisávamos de lançar um programa que permitisse formar/desenvolver 100 (cem) jogadores a nível nacional que chegassem às equipas seniores. Tinha e tenho consciência que esse programa pode levar cerca de dez anos ou mais até se obterem resultados, mas o futuro está já ali e, por isso, não podemos deixar de desejar que se lance um plano estratégico nacional de formação (captação, retenção e desenvolvimento de jogadores e, porque não, de treinadores, dirigentes e pais).

Podemos não chegar ao número 100, mas temos a obrigação de, pelo menos, tentar. Sob pena de passarmos a ter ainda mais estrangeiros nas equipas portuguesas, nos diferentes níveis competitivos, e de o nível qualitativo do basquetebol praticado em Portugal passar a ser, na generalidade, ainda inferior.

Assim e nesta realidade, é fundamental DESENVOLVER JOGADORES PORTUGUESES, assumindo uma CULTURA de DESENVOLVIMENTO de POTENCIAIS TALENTOS, contribuindo para as equipas serem mais SUSTENTÁVEIS e criar uma IDENTIDADE da competição (marca basquetebol), gerando laços de emoção aos ADEPTOS, através de bons ESPECTÁCULOS numa relação de win-win com todos os stakeholders.

Deixo aqui algumas questões sobre a formação/desenvolvimento de jogadores:

  • Que futuro para a formação/desenvolvimento de jogadores e como o podemos construir?
  • Qual a nossa visão?
  • Qual o nosso propósito?
  • Que objetivos temos?
  • Que metas temos de percorrer?
  • Alcançá-las/atingi-las é sinal de sucesso?

Tal como os treinadores, os projetos vivem de resultados. Ouvimos sistematicamente esta associação pela voz dos treinadores de futebol – o seu lugar (posto de trabalho) depende dos resultados.

Por isso, a liderança é feita pelo exemplo e é assim que criamos e disseminamos uma cultura de exigência.

Daí ser fundamental haver uma comunicação clara para os colaboradores (comunicação interna) e para fora (para todos os stakeholders).

É preciso colocar as pessoas (atletas e treinadores) em primeiro lugar e isso é fazer formação de qualidade, na procura da melhor performance possível, quer individual, quer para as equipas/clubes.

O adepto só vai ao pavilhão para ver o seu clube e os jogadores, pelas suas capacidades de converter cestos, sejam fantásticos três pontos ou espetaculares afundanços. O importante é que o adepto vibre e tenha um sentimento de satisfação e crie empatia com o basquetebol.

No momento em que estou a escrever esta frase, Stephen Curry tornou-se o melhor atirador de triplos da NBA. Fiquei com pele de galinha. A 7,28 minutos para o fim do primeiro quarto, ou seja, o jogo ainda estava a começar e já Curry gerava uma epifania, obrigando a que a história da competição seja reescrita. A partida, disputada no mítico Madison Square Garden foi interrompida! Para a façanha ser devidamente evocada em comunhão com colegas, treinadores e fans que se associaram ao momento. Ray Allen o anterior recordista abraçou com emoção o novo líder. Reggie Miller, outro grande atirador, registou aquele episódio pelo seu telemóvel. Este é um momento que vai passar de geração para geração, tal como Dale Dover, Sanford, Jones ou Killiam deixaram as suas marcas na nossa (minha) geração.

Que memórias queremos deixar do basquetebol deste primeiro quarto do século?

Sabemos que o mais difícil é a mudança, mas a mudança é fundamental.

Às chamadas hard skills, temos de contribuir para que, através do basquetebol, os treinadores e atletas tenham melhores soft skills ou human skills, como prefiro adotar, contribuindo de forma decisiva para o sucesso destes na vida particular, desportiva e profissional.

Precisamos de pessoas alinhadas com a visão e inspirá-las, contribuindo para estarem mais bem preparadas, focadas e motivadas, o que é fundamental para alcançarmos os objetivos. Temos de nos rodear de pessoas que nos ajudem a executar a estratégia que nos permita chegar à visão.

O basquetebol precisa de se afirmar como uma modalidade que dá confiança aos pais e encarregados de educação, no sentido de que ajuda os jovens a crescerem e a se valorizarem.

É preciso que os diversos stakeholders acreditem que a prática do basquetebol é uma mais-valia para os jovens e, para isso, é preciso cumprir a promessa proposta, como forma de melhorar a reputação e notoriedade da marca basquetebol.

Nos anos setenta, palavras como as que hoje são usadas, muitas por vezes por moda e não por crença ou como afirmação do propósito de alguém ou de uma pessoa, tal como sustentabilidade ao nível dos recursos humanos, diversidade, inclusão, preocupação com o equilíbrio financeiro (até porque não havia ou havia pouco dinheiro) eram uma preocupação e uma necessidade dos clubes, que não fechavam as portas por não terem jogadores.

Basquetebol é sinónimo de inovação e, hoje, temos de ter em linha de conta que os jovens consomem o desporto de forma diferente: ativamente como participante da atividade (atleta) e/ou no papel do adepto/fan.

E por isso e para isso é preciso cumprir a promessa de valor que pretendemos acrescentar na formação dos jovens, como forma de melhorar a reputação e notoriedade da marca basquetebol.

É claro que a oferta para a ocupação de tempos livres dos jovens e dos menos jovens é enorme, diversa e atrativa, competindo ao basquetebol identificar o que o mercado da indústria desportiva tem para oferecer no que diz respeito à prática desportiva e aos eventos desportivos (jogos/competições), de forma a captar a atenção dos potenciais consumidores (atletas e adeptos).

O processo de contratações de jogadores não portugueses é irreversível, mas isso é ao nível competitivo, e eu estou a falar de formação de jovens através do desporto. Os que tiverem qualidade e vontade podem enveredar pela via profissional, mas a nossa obrigação é preparar jovens para a vida, através da prática desportiva do basquetebol.

É do interesse dos clubes, dirigentes e atletas, bem como da Federação Portuguesa de Basquetebol trabalhar na mesma direção, como forma de potencializar o basquetebol português. Contratar sete, oito, nove jogadores todas as épocas não é positivo, nem para os clubes, nem para o basquetebol em geral. As equipas precisam de crescer pelo trabalho (treino), elas próprias têm uma identidade associada ao clube e os jogadores portugueses devem ser a garantia da defesa dessa cultura e valores da organização e equipa, ao se afirmar como o núcleo do plantel.

E assim sendo, devemos valorizar e trabalhar a marca “basquetebol”, assente em valores, em bons exemplos, na promoção dos ídolos reconhecidos pelo público em geral, e dos adeptos/fans, em particular, e de heróis nas tomadas de decisão, mas acima de tudo na sua capacidade de criar uma relação efetiva com os adeptos e comunidade, contribuindo para que o basquetebol venha a adquirir o estatuto de uma modalidade popular e fácil de ser seguida nos órgãos de comunicação social tradicionais e nas plataformas digitais, através de conteúdos ajustados e atrativos, até porque a relação com os adeptos tem uma tendência para aumentar através do digital, o que nos possibilita assumir o nosso propósito – os atletas, os adeptos, os patrocinadores e a valorização de dirigentes e de treinadores estão no centro da atividade.

Por tudo isto, um gabinete de marketing e comunicação é fundamental para a implementação de planos estratégicos, em cooperação com a área da gestão desportiva, através do desenho de objetivos bem definidos e de metas que nos permitam avaliar o processo, criando conteúdos que proporcionem o aumento de um maior compromisso dos adeptos (fan engagement), captação e retenção de praticantes e outros stakeholders, dando significado e relevância à marca basquetebol.

Este é um dos grandes desafios que se pode colocar a quem faz a gestão desportiva do basquetebol de formação.

Principalmente junto dos jovens, a mensagem de marketing, tem de ir ao encontro da necessidade da prática da atividade física das pessoas e do porquê do basquetebol como resposta a essa mesma necessidade.

É um projeto de vida que se relaciona com hábitos de vida saudável, aquisição de competências humanas (soft skills) e, por conseguinte, devemos incentivar a prática do jogo “basquetebol” e do desporto em geral.

E, para ter sucesso na mensagem, precisamos que os treinadores sejam reconhecidos como pessoas de valor e os dirigentes pela sua visão, paixão e dedicação. A imagem constrói-se pelo trabalho e pela relação com os pais, atletas e adeptos.

E, neste enquadramento, então, devemos aceitar que existe um problema ou oportunidade.

Nem tudo está mal e há muita atividade. Faltará, sim, recuperar uma identidade e reputação, orientando o trabalho que é feito na direção que possibilite atrair, reter e formar jovens que queiram competir ao nível sénior. E, porque não, com a ambição que o trabalho desenvolvido lhes possibilite disputar jogos/competições num patamar internacional com sucesso.

Sendo uma das modalidades mais globais da indústria desportiva, este é o PORQUÊ (WHY) da marca do basquetebol de formação - ACRESCENTAR VALOR AO JOVEM e criar uma DIFERENCIAÇÃO da MARCA BASQUETEBOL.

 

por António Pereira

19-12-2021






António Pereira, é um ex-jogador e ex-treinador de basquetebol, tendo desenvolvido a função de scouting durante vários anos. É licenciado em Comunicação Organizacional com as especialidades de Comunicação de Marketing e Comunicação de Relações Públicas, Mestre em Marketing e Comunicação e escreve sobre Gestão do Desporto, Marketing e Comunicação do Desporto no blog https://apbasketball.blogspot.com/ e https://ideiasparaobasquetebol.blogspot.com/ entre outros.

 

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